Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

A corrida de barreiras da indústria brasileira – Jornal Dia Dia

Fernando Valente Pimentel*
Não é novidade constatar que os níveis de competitividade da
indústria nacional encontram-se aquém daqueles necessários à sua
inserção robusta nos mercados globais e que perdeu o posto de
principal motor do crescimento sustentado. Porém, algumas análises
não se aprofundam nas causas reais dessa condição de relativa
estagnação setorial.


Por isso, cabe avaliar com mais atenção artigo do economista
Edmar Bacha, intitulado “Por que a indústria brasileira encolheu
tanto?”, publicado em 17 de julho último no Valor Econômico. O texto
identifica a perda de competitividade do setor, mas não faz
ponderações sobre as causas, que não parecem estar em alguma
deficiência intrínseca às empresas. Bacha, cuja competência deve
ser sempre ressaltada, assim como seu papel importante no advento
do Plano Real, cujos 30 anos comemoramos em 2024, não
considerou a formação dos custos dos produtos industriais e a
rentabilidade efetiva da atividade, variáveis essenciais para cálculos
de decisão econômica.


O setor, como os demais, enfrenta muitas barreiras: brutal
tributação inserida nas cadeias de valor; elevados custos nos
contratos e distratos trabalhistas; ônus da previdência social mais
cara do planeta; e insegurança jurídica. Porém, é apenado de modo
mais específico por outros fatores relevantes: impostos ainda
maiores do que os das outras atividades; enorme dificuldade de
acesso ao crédito com taxas razoáveis; longos ciclos de políticas
macro com juros punitivos e câmbio apreciado (não competitivo); e
concorrência desleal permitida a mercadorias similares importadas,
como as que hoje são vendidas com privilégios tributários pelas
plataformas de e-commerce, em ostensiva desigualdade frente aos
produtos made in Brasil.


Há, ainda, a falsificação, o contrabando e o descaminho, que
provocam dumping dos preços no mercado interno, em claro
desrespeito à segurança e à boa-fé dos consumidores. Segundo o
Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade, esses ilícitos
provocaram, só em 2023, perdas de R$ 302 bilhões sobre 15 setores
produtivos, a grande maioria na área industrial, além de uma evasão
fiscal de R$ 139 bilhões.


O “Custo Brasil” é estimado como monstruosa sobrecarga
anual de R$ 1,7 trilhão em relação à média dos países da OCDE. Se
incluíssemos a China na conta, a diferença seria ainda maior. Assim,
é prioritária a agenda para diminui-lo, na qual cabe concluir uma
reforma tributária que, de fato, reduza o peso dos impostos sobre o
valor adicionado e não só o mantenha, como se pretende. Também
urge conter a expansão doentia da despesa pública, que rouba a
produtividade nacional pela exagerada transferência de recursos do
setor privado para o público. Esta é a raiz mais profunda da
estagnação da produtividade. Por isso, é imperativo realizar a
reforma administrativa, orçamentária e financeira, além de corrigir os
demais fatores que oneram a atividade empresarial.


A indústria está muito atuante nesse sentido e buscando fazer
a lição de casa do aporte tecnológico e produtividade. Prova desse
empenho é que, nos 30 anos do Real, a inflação geral acumulada foi
pouco superior a 750%. No mesmo período, os preços do vestuário,
por exemplo, evoluíram cerca de 450%. Este segmento, no qual
milito há muitos anos, foi o que menos majorou seus produtos,
enquanto investia e aumentava sua produtividade, transferindo os
ganhos para a sociedade. São avanços difíceis num ambiente de
árdua competição do setor e de toda a indústria do Brasil contra
empresas concorrentes em países com subsídios e arcabouço
regulatório diferentes do nosso e, na maioria dos casos, muito mais
amigáveis em termos de custos de produção e operação.
Enfrentamos, ainda, limitações quanto à mão de obra
qualificada, problema estrutural da educação pública nacional, que
segue sem a devida qualidade. É algo que aafeta de modo mais
incisivo um setor que exige capacitação elevada dos profissionais.
Por esse motivo, a indústria, além dos altos encargos trabalhistas,
investe pesados recursos em formação de recursos humanos. Tratase de ônus adicional significativo.


A agropecuária brasileira, com a qual a indústria é comparada
no artigo de Bacha, movida pela capacidade de seus produtores e
pesquisas da Embrapa e outras instituições, soube, de fato, ocupar
os espaços mercadológicos globais. No entanto, embora conte com
mais estímulos e melhores condições de financiamentos do que a
manufatura e a despeito do seu meritório êxito, o agro tem segmentos
que ainda não alcançaram níveis elevados de desenvolvimento e/ou
competitividade em escala planetária.


Há de se considerar que a indústria de transformação não tem
sido priorizada no País. Há muito tempo não conta com um programa,
como o Plano Safra, com vultoso aporte anual de recursos e taxas
de juros mais baixas. Além disso, embora represente 15,3% do PIB,
paga desproporcionais 34,8% do total de tributos federais e tem um
exclusivo que onera seus custos: o IPI. O agro representa 7,1% do
PIB e responde por 0,6% dos impostos federais.


Com o mesmo volume de recursos (cerca de R$ 500 bilhões
anuais), taxas de juros e nível de tributação do agro, a indústria de
transformação também teria avançado mais em sua competitividade.
A propósito, novo relatório da Fiesp aponta que, em 2023, as atuais
distorções do sistema tributário custaram R$ 144 bilhões ao setor,
que paga mais impostos do que os demais. Espera-se que a reforma,
em seu processo de regulamentação no Congresso Nacional,
estabeleça alíquotas mais equânimes para todos e não aumente a
carga total.


Cabe ressaltar que, a despeito de todas as barreiras que tem
enfrentado ao longo das últimas quatro décadas, a indústria
responde por 66,6% das exportações brasileiras de bens e serviços,
66,8% dos investimentos nacionais em P&D e 24,4% da arrecadação
previdenciária. Mantém mais de 11 milhões de postos de trabalho,
emprega 21,2% de todos os trabalhadores formais do Brasil e paga
os melhores salários (R$ 11,78 mil para os que têm Ensino Superior,
ante média nacional de R$ 8,21 mil; e R$ 3,09 mil para quem tem o
Ensino Médio, contra R$ 2,71 mil no País). Ademais, apresenta o
maior fator de multiplicação, gerando R$ 2,44 para cada R$ 1,00 que
produz. Na agropecuária esse índice é de R$ 1,71 e no comércio e
serviços, R$ 1,52.

Apenas o importante fomento do agro e dos serviços, conforme
atesta a realidade de nossa economia, inserida na armadilha da
renda média, não tem sido suficiente para promover ampla inclusão
socioeconômica, garantir crescimento sustentado em patamares
consistentes, entre 3% e 4% ao ano, e elevar o grau de
desenvolvimento. Para conquistarmos esses avanços, a indústria de
transformação é decisiva, merecendo políticas mais efetivas e
duradouras para sua modernização, ganhos de produtividade e
níveis de competitividade compatíveis com a acirrada concorrência
no mercado global. Contradiz o ideal da olimpíada econômica correr
na mesma pista dos concorrentes, mas com barreiras somente na
nossa raia.
*Fernando Valente Pimentel é diretor-superintendente e presidente
emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção
(Abit).

https://www.abit.org.br/uploads/arquivos/artigo%201.pdf

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