Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Mudanças no mundo, mudanças na moda

 

A Grande Guerra, como foi chamada à época, e posteriormente denominada de Primeira Guerra Mundial, foi um conflito bélico que achavam que deveria ser a guerra que colocaria fim às guerras por ter sido tão intensa e cruel devido às novas possibilidades técnicas de uma guerra moderna, inclusive com o uso de aviões.

No ano de 2014, comemoram-se cem anos da insurreição que foi deflagrada em 28 de junho de 1914 em Sarajevo, capital da Bósnia-Herzegovina, quando um estudante sérvio chamado Gravilo Princip assassinou, a tiros de revólver, o príncipe herdeiro da Áustria-Hungria, o arquiduque Francisco Ferdinando de Habsburgo (1863-1914) e sua esposa, Sofia Chotek, duquesa de Hohenberg, em visita oficial ao país, logo depois de terem conseguido se safar de uma granada atirada no automóvel dos nobres por um operário chamado Ledelvko Cabrinovic, que errou o alvo. Lógico que esse fato foi o estopim da guerra, uma vez que a Europa estava como um barril de pólvora prestes a ser estourado por algumas razões como a rivalidade entre os países por questões comerciais desde o século XIX; a já existente inimizade entre França e Alemanha, ativada pela perda da Alsácia-Lorena para a Alemanha, em 1871; os desentendimentos entre Alemanha e Inglaterra por questões industriais, armamento marítimo e política colonial; as desavenças entre Áustria-Hungria e Rússia pelo domínio da Península Balcânica, entre outros fatores. O assassinato de Francisco Ferdinando foi a gota d’água para que o conflito fosse deflagrado.

No início de agosto de 1914, a “Guerra Europeia” ou “A Grande Guerra” (como era chamada) já era um fato e durou de agosto de 1914 a novembro de 1918. De um dos lados, estavam as “potências aliadas”, que eram França, Reino Unido, Rússia, Itália, Estados Unidos, Japão, Romênia, Sérvia, Montenegro, Grécia, Brasil e Portugal. Do outro lado, os ditos “impérios centrais”, ou seja, Alemanha, Áustria-Hungria e a colaboração tanto da Turquia quanto da Bulgária. As consequências foram catastróficas: houve em torno de 10 milhões de mortos em campo de batalha, sem falar das enormes e irreparáveis perdas no campo material.

Essa guerra durou quatro anos e três meses aproximadamente e terminou quando a Alemanha se rendeu, no dia 11 de novembro de 1918, após os Estados Unidos terem entrado na guerra em 1917 ao lado das “potências aliadas”, depois de a Alemanha ter travado uma guerra submarina afundando embarcações até mesmo de países neutros. Com a chegada dos norte-americanos, o resultado vitorioso foi favorável aos “aliados”, após a rendição germânica. Inúmeras foram as consequências dessa guerra: a Europa ficou arrasada e, por extensão, indubitavelmente, entraria numa nova era. Foi um verdadeiro desmoronamento da Velha Europa, o fim determinante dos velhos tempos e de sua concepção de mundo. Tudo mudou, inclusive na moda.

Durante o conflito bélico, significativas rupturas aconteceram no universo dos vestíveis, especialmente na moda feminina, uma vez que o homem foi para o campo de batalha e a mulher precisou ocupar sua ausência no campo de trabalho. Novos tempos, novas modas. Algumas dessas mudanças foram bem marcantes; outras, não menos importantes, foram mais sutis, porém todas de extrema importância para a história da moda, principalmente por terem sido respostas aos novos tempos advindas de um conflito bélico.

Uma mudança foi deixar de lado o uso do espartilho que, sensível e visivelmente, estrangulava a cintura feminina. Como as trabalhadoras, principalmente as enfermeiras, agiriam se curvando em suas funções hospitalares tão apertadas na cintura? Verdadeiramente o espartilho deixou de ser usado durante os anos de guerra, apesar de o costureiro francês Paul Poiret (1879-1944) já ter proposto sua ausência na moda feminina desde 1907. Agora, com a guerra, as mulheres se convenceram de que ele de fato não precisava nem deveria ser mais usado e, assim, foi abolido na moda de então. Com isso, houve a difusão de uma outra peça para poder segurar e proteger os seios, ou seja, o soutien-gorge (sustentáculo para a garganta/colo), mais conhecido por aqui somente como soutien. Apesar de peças exclusivamente para os seios já existirem, foi somente em 1914 que houve uma patente para essa roupa de baixo, feita nos Estados Unidos por Mary Phelps Jacob, mais conhecida como Caresse Crosby. Seu primeiro modelo recebeu o nome de backless bra, ou seja, “sutiã sem costas”. Logo a patente, ainda em 1914, foi comprada pela Warner Bros. Company.

Apesar das grandes e principais transformações terem sido na moda feminina, na moda masculina houve uma mudança dos casacos militares e, consequentemente, uma nova peça para os uniformes de guerra, posteriormente agregada ao guarda-roupa da moda masculina. Trata-se do trenchcoat, isto é, do “casaco de trincheira”. Sabemos que na Grande Guerra houve o uso de uma técnica de proteção em campo de batalha que foi a escavação de uma trincheira na terra, para que os soldados lá pudessem se proteger dos ataques inimigos. Alguns até mesmo chegam a dizer que foi uma “guerra de trincheiras”. Os casacos militares do século 19 inspiraram a marca inglesa Burberry (existente desde 1856) a criar casacos de lã mesclada de algodão que poderiam ser usados tanto como capa de chuva quanto como sobretudo. Iam até a altura das panturrilhas, de abotoamento duplo frontal, uma pala traseira, fivelas nos punhos, bolsos com tampas, abas nos ombros e um cinto em cuja fivela se podia prender equipamentos bélicos. Esse modelo foi criado para a Britsh Royal Flying Corps, que viria a ser a futura Britsh Air Force (Força Aérea Britânica). Esse modelo de referência militar e usado durante a Grande Guerra tornou-se, com algumas sutis modificações, o famoso trenchcoat incorporado à moda civil. Essas são apenas algumas das inúmeras mudanças que a Grande Guerra trouxe para o universo da moda.

 

João Braga é estilista, escritor e professor de história da moda das faculdades Faap e Santa Marcelina e da Casa do Saber.

Foto: Fernando Silveira/Faap/Divulgação

http://www.costuraperfeita.com.br/edicao/25/materia/voce-sabia.html

 

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