Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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'É a indústria que deve se adaptar ao meu corpo, e não o contrário', diz noiva em busca de um vestido plus size

Historiadora Karina Cancella conta a sua saga atrás do vestido de noiva perfeito para um corpo 'imperfeito'.

Karina Cancella conta sua saga para encontrar um vestido de noiva para o seu tamanho Foto: Guito Moreto / Agência O GloboKarina Cancella conta sua saga para encontrar um vestido de noiva para o seu tamanho Foto: Guito Moreto / Agência O Globo

cho que toda mulher, a partir do momento em que diz sim a um pedido de casamento, tem como uma de suas primeiras preocupações a escolha do vestido para o grande dia. É uma missão difícil por natureza e são muitos os questionamentos: alugar ou comprar? Qual o modelo adequado ao formato do corpo? Qual estilo combina mais com você, com o local e com a "vibe" desejada para o casamento? Adicione a tudo isso mais um fator: um corpo fora do padrão.

Eu sempre fui uma pessoa grande. Em todos os sentidos. Era uma criança alta, com estrutura larga e peso aumentado. Fui uma adolescente gorda até os 15 anos, quando descobri que estava com cálculos biliares e precisava de uma cirurgia. Durante os quase dois anos de espera pelo procedimento, fiquei em uma dieta muito restritiva e perdi cerca de 40kg. E perdi também o meu bem-estar: vivia com dores, tomando muitos remédios e com a saúde bastante debilitada. Mas estava magra e todos achavam isso ótimo. Só eu sabia o peso daquela magreza.

Após a cirurgia, fui gradativamente retomando a minha rotina de vida e também o peso perdido. Hoje, estou acima do que o tal IMC determina como normal, mas com a saúde em dia. Isso eu sei e os meus médicos também. Mas o olhar de grande parte da sociedade é somente para a estética do meu corpo gordo.

Nesse contexto começa a minha saga pelo tão sonhado vestido de noiva ideal. Quando comecei a pensar sobre ele, tinha bastante clareza do que eu queria. Pesquisei muito! Busquei lojas no Rio que tivessem modelos de tamanhos maiores. Liguei, mandei e-mails, fiz visitas. Quanta frustração! Praticamente todos os vestidos que existiam em tamanho maior eram exatamente do mesmo modelo: evasê, saia com muito volume e tomara que caia. Já vi noivas plus size belíssimas em vestidos assim, mas isso estava bem distante do meu desejo.

Fiquei bastante incomodada com a ideia por trás disso tudo: a de que mulheres gordas precisam se contentar com o que está disponível. Senti essa falta de opção como uma forma de punição.

Encontrei, então, o site de loja que afirmava ter uma coleção plus size. A sensação foi de "agora vai". Enviei fotos para que, quando visitasse a loja, pudesse experimentar os vestidos de que gostava. Quando cheguei, trouxeram peças do meu tamanho. Era mais do mesmo: vestidos evasê, volume e tomara que caia. Perguntei sobre os modelos que escolhi da coleção plus. A consultora, sem graça, me informou que eles só confeccionaram aqueles modelos no tamanho 46. A loja se propõe a elaborar uma coleção plus size e só tem peças no tamanho mínimo da grade? A falta de coerência me incomodou profundamente. Mais uma frustração.

Mas essa saga tem um final feliz. Consegui, por fim, encontrar um vestido bem próximo do que eu imaginava, confeccionado pelo ateliê próprio de uma conhecida loja de noivas no Rio. O casamento será em julho, e tenho certeza de que estarei linda e feliz em um modelo de vestido que atende ao que eu gosto para o meu corpo e não ao que o mercado de noivas quer impor a ele.

'Precisamos ter liberdade de escolha'

Toda essa história tem como ponto principal mostrar que o corpo gordo, plus size ou fora do padrão - como preferirem chamar- é um corpo real que abriga uma pessoa com desejos e gostos. É um corpo que existe, que resiste e que deve ser respeitado como é. Temos ainda uma longa caminhada para fazer as pessoas perceberem que peso e saúde não estão diretamente relacionados. Há beleza em todos os tipos de corpos, e precisamos ter liberdade de escolha.

Já tivemos grandes avanços nos últimos anos na moda plus size. Mas eu sempre me pergunto o porquê desse segmento. Todo segmento separa. Então, para que uma linha plus em uma loja de departamento? Por que colocar as roupas em tamanhos maiores agrupadas em um cantinho, geralmente no fundo da loja? Por que ainda precisamos de lojas específicas com tamanhos maiores? Não seria mais simples efetivamente democratizar a moda e somente ampliar os tamanhos disponíveis?

Não são perguntas simples de responder, eu sei. Essas questões fomentam debates acadêmicos em grupos de estudo sobre o corpo e sua História nas sociedades. Como historiadora, percebo que estamos em um processo de ruptura de padrões, de ressignificação de imagens e símbolos, de construção de novos olhares - e esses novos olhares são também espaços de disputa.

A nossa percepção sobre os corpos foi socialmente construída, baseada em experiências específicas de cada momento histórico. Então, a luta para que todos os corpos sejam respeitados em seus mais variados formatos é ainda incômoda para muitas pessoas. Mas o movimento precisa continuar. Precisamos reafirmar dia após dia a nossa liberdade de viver, de escolher e de exibir a nossa beleza, seja de biquíni curtindo o verão, seja em um belo vestido de noiva que nos faça sentir que somos a mulher mais linda do mundo em um dia tão especial.


* estagiária sob supervisão de Renata Izaal

Karina Cancella, em depoimento a Giulia Costa*

https://oglobo.globo.com/saber-viver/e-industria-que-deve-se-adapta...

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