Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Há uma nova onda de marcas a apostar em vestuário que pode passar semanas sem serem lavado. Numa luta ecológica, a grande batalha é convencer o consumidor que não precisa de lavar a roupa com tanta frequência para que esta esteja limpa.

Pangaia

Parece um milagre: uma t-shirt preta de 65 dólares (cerca de 57 euros) que não é lavada há duas semanas, mas o aspeto é de que foi lavada recentemente e também tem um cheiro agradável, descreve a Fast Company.

A t-shirt fabricada pela startup Unbound Merino, fundada em 2016, que cria vestuário em lã que pode estar semanas consecutivas sem ser lavado. A Unbound Merino faz parte de uma nova vaga de startups que desenvolve vestuário menos exigente em termos de lavagens.

De igual modo, a Pangaia, lançada no final do ano passado e que já tem fãs como Pharrell Williams ou Leonardo DiCaprio, comercializa t-shirts à base de fibras de algas, que são tratadas com óleo de hortelã-pimenta, mantendo os produtos mais limpos durante mais tempo entre as lavagens, cujo preço ronda os 85 dólares. A marca estima que, em comparação com o modelo tradicional de algodão, a sua t-shirt poupa cerca de três mil litros de água no ciclo de vida.

Também a Wool & Prince aposta numa ampla gama de artigos, desde camisas a bóxeres criados para serem lavados com pouca frequência. No ano passado, a empresa lançou uma marca feminina batizada Wool&, que vende vestidos que podem ser usados ao longo de 100 dias consecutivos sem serem lavados.


Unbound Merino

Esta nova onda de marcas que prometem menos lavagens confia na conveniência de não ter que lavar a roupa com tanta frequência, o que é particularmente útil em viagens ou quando se tem menos tempo. Contudo, esta é também uma medida ecológica: lavar demasiadas vezes a roupa não é bom para o planeta. As máquinas de lavar roupa representam 17% da água usada em habitações e um quarto da pegada ecológica de uma peça de vestuário no seu ciclo de vida provém da sua limpeza. No entanto, a empresa de eletrodomésticos AEG estima que 90% das roupas lavadas atualmente não estão, na verdade, realmente sujas.

Parte desta tendência tem que ver com o facto de as marcas de detergentes de lavagem de roupa terem convencido os consumidores de que precisam de lavar a roupa com muita frequência, talvez até após apenas uma utilização, para serem asseados. Por exemplo, muitos anúncios de detergentes de lavar roupa mostram figuras familiares a lavarem o vestuário sujo dos filhos, sugerindo que ser bom pai ou mãe envolve lavar muitas vezes a roupa.

O fundador da Wool & Prince, Mac Bishop, já trabalhou para o departamento de marketing da Unilever, que produz dezenas de marcas de detergentes em todo o mundo. «A única forma de crescer enquanto marca de detergente de roupa é fazer com que os consumidores sintam que têm que lavar constantemente a roupa», explica. Depois de décadas deste tipo de anúncios publicitários, muitas pessoas foram convencidas a deitar a sua roupa para lavar depois de a usar apenas uma vez, ainda que raramente seja necessário. Um dos maiores desafios para este novo grupo marcas é convencer as pessoas que, se não lavarem a roupa com tanta frequência, continuarão a estar igualmente limpos.

Peças menos lavadas

Antes de as marcas poderem convencer os consumidores que devem parar de lavar as suas peças tantas vezes, precisam primeiro de criar artigos que cumpram com esta promessa. Isto passa por selecionar cuidadosamente os materiais mais resistentes a odores e sujidade.

Estas marcas acreditam que uma grande parte da sua missão é também reeducar os consumidores acerca do quanto a lavagem de roupa é necessária – e quando esta passa a ser simplesmente supérflua. «Em primeiro lugar, é importante compreender o que suja a roupa», afirma Mac Bishop. «O suor, em si mesmo, é limpo. Quando é absorvido pela roupa é que começa a atrair bactérias e a cheirar mal. A chave é encontrar materiais que não retenham o suor», revela.


Pangaia

Tanto a Unbound Merino como a Wool & Prince confiam na lã, porque a matéria-prima tem muitas propriedades que lhe conferem menos probabilidades de ficar suja. A lã é naturalmente respirável, o que significa que quando se sua, a transpiração evapora da pele para o ar, em vez de ficar presa na roupa. Isto também significa que a lã regula a temperatura. Quando está calor, a evaporação do suor dá uma sensação de frescura. Porém, quando está frio, a lã cria uma camada que mantém o calor no corpo.  A Unbound Merino, por exemplo, usa esta matéria-prima em camisolas, roupa interior e meias, que são extremamente leves e macias ao toque. Os fundadores da marca passaram muito tempo a considerar a vasta gama de fibras de lã no mercado antes de decidirem o produto final. As camisolas, por exemplo, são 100% lã merino, que é ultrafina, com 17,5 mícrons (o cabelo humano tem uma espessura entre 50 a 100 mícrons). «Nem toda a lã se desenvolve de forma igual», sublinha Dima Zelikman, cofundadora da Unbound Merino.

Mac Bishop, fundador da Wool & Prince, por sua parte, decidiu misturar a lã com outros materiais, incluindo poliamida e linho, para obter diferentes efeitos. As fibras sintéticas, por exemplo, conseguem originar vestuário mais durável porque são mais resistentes. Segundo Bishop, esta foi uma decisão difícil, porque enquanto a lã e outras fibras naturais são biodegradáveis, a poliamida, o poliéster e outras fibras sintéticas não se decompõem. «Tivemos que tomar algumas decisões difíceis em matéria de sustentabilidade. No entanto, decidimos que, enquanto marca, o nosso objetivo era tornar mais fácil para as pessoas terem menos roupa e mantê-la durante mais tempo. Por isso, decidimos incorporar [fibras] sintéticas», justifica.

Por sua vez, a Pangaia teve uma abordagem diferente. A marca aposta em t-shirts, camisolas e joggers de algodão orgânico misturado com fibras de algas. A Pangaia trabalha com investigadores para encontrar formas de fabricar produtos mais sustentáveis. Por exemplo, tratam os produtos com óleo de hortelã-pimenta, que tem propriedades antibacterianas e garante que as peças não precisam de ser lavadas com tanta frequência. «Ajuda a manter as peças mais frescas durante mais tempo e livres químicos tóxicos», assegura Amanda Parkes, diretora de inovação da Pangaia. Para a marca, a filosofia de lavar menos está relacionada com a sustentabilidade e não com a conveniência. Parkes defende, todavia, que é muito difícil convencer alguém a não lavar a roupa com tanta frequência. A responsável acredita que a única forma de mudar o comportamento do consumidor é convencê-lo a usar o produto para que depois veja por si mesmo. «A verdadeira alteração do comportamento está relacionada com a criação de confiança em relação aos nossos produtos», reconhece.

Convencer os consumidores

As marcas lutam por convencer os consumidores a lavar as suas roupas menos frequentemente sem que estes se sintam menos limpos. O facto de os produtos exigirem menos cuidados é uma parte essencial na sua proposta, mas nenhuma destas marcas defende que os consumidores não precisam de lavar a roupa de todo. «Arriscamos perder os consumidores se os fizermos sentir que estamos a sugerir que sejam menos higiénicos. Estamos a ir contra anos de condicionamento cultural», alerta Mac Bishop.

Para a Unbound Merino, uma estratégia bem-sucedida passa pelo foco nos consumidores que procuram roupa para viajar. A marca lançou uma campanha que prometia aos consumidores que podiam viajar durante semanas com apenas uma mochila, porque as camisolas, a roupa interior e as meias permaneceriam limpas. «Tínhamos como foco pessoas que sentiam que lavar a roupa em viagem era uma inconveniência. Acreditamos que, quando os consumidores reparassem como o vestuário permanecia limpo, iriam querer incorporar essas peças no seu guarda-roupa diário», indica Dima Zelikman.


Unbound Merino

Já a Wool & Prince aposta na conveniência e no minimalismo. Mac Bishop quis criar produtos versáteis o suficiente para os clientes usarem dia após dia, em vários contextos e, assim, poderem ter menos roupa. Para isto funcionar, teria que garantir que o vestuário poderia ser usado durante algum tempo sem haver necessidade de o lavar para, deste modo, não serem precisas tantas peças no armário. Segundo a marca, a estratégia teve um impacto positivo entre os consumidores do género masculino, particularmente aqueles que já não gostavam de lavar a roupa.

Contudo, as mulheres não responderam tão bem à ideia de não lavar a roupa, parcialmente porque as campanhas dos detergentes de limpeza têm como público-alvo, na sua maioria, mulheres. Tendo trabalhado no departamento de marketing da Unilever, Bishop refere que estava consciente da história extraordinariamente sexista das campanhas publicitárias, que tinham como base a ideia de que lavar a roupa era de domínio exclusivo das mulheres. Foi por isto que, quando decidiu apostar no vestuário feminino no ano passado, lançou uma marca diferente para mulheres, a Wool&, com uma mensagem de marketing distinta. A investigação inicial da marca revelou que as mulheres responderiam melhor à ideia de que lavar menos seria mais ecológico, enquanto os homens pareciam importar-se mais com o facto de que, ao lavarem menos, poupariam tempo.

Quando a marca foi lançada, Mac Bishop mencionou a um jornalista que oferecia um vestido da Wool& a quem o usasse durante 100 dias sem o lavar. A adesão foi tão elevada que o número de vestidos grátis teve que ser limitado a 50. Atualmente, a Wool& esta a expandir a gama de produtos. «Tal como com a nossa linha de vestuário para homem, estamos comprometidos em criar roupa versátil e funcional que possa ser usada todo o ano, para as mulheres que querem ter menos peças de roupa», adianta.

E o resto da indústria?

As marcas referenciadas no artigo fizeram da redução do número de lavagens parte do seu design e marketing, mas há uma crescente consciencialização dos consumidores ao longo dos últimos anos para a necessidade de lavar menos a roupa. Em 2017, a organização sem fins lucrativos Fashion Revolution, que promove a sustentabilidade e a justiça social na indústria da moda, lançou uma grande campanha denominada Care Label Project para educar os consumidores acerca do impacto ambiental de lavarem demasiadas vezes a roupa. A Fashion Revolution associou-se à AEG para ajudar 14 designers a incorporar etiquetas onde se lia “não lavar demasiadas vezes” em 18.200 peças de vestuário.


Wool & Prince

O objetivo do projeto consistia em provar que o atual sistema de etiquetagem no vestuário era antiquado. Os símbolos presentes nas etiquetas foram inventados há cerca de meio século e, muitas vezes, não são olhados com cuidado. Uma designer que contribuiu para o projeto, Doriane van Overeem, acredita que muitas marcas de moda simplesmente não se esforçam para educar o consumidor a lavar a roupa de forma ecológica.

Esta nova geração de marcas que defende que menos lavagens está a contribuir para uma evolução que ajudará os consumidores a compreenderem melhor o impacto ambiental dos cuidados que devem ter com as peças. Para Mac Bishop, pode demorar algum tempo a mudar o comportamento e visão de alguém, especialmente depois de anos e anos de campanhas que nos dizem que não somos limpos se não lavarmos as roupas com frequência. Estas marcas defendem que a melhor forma de espalhar a mensagem é se o consumidor tiver uma boa experiência com as suas peças. «No momento em que as peças estão nas mãos do consumidor, metade da batalha está ganha. É aí que vão perceber que, mesmo não lavando as peças durante semanas, ainda estão limpas», conclui.

https://www.portugaltextil.com/a-moda-de-lavar-a-roupa-menos-vezes/

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