Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

A moda tem de adotar o mantra "reduzir, reutilizar e reciclar", diz Giulio Bonazzi

Sofremos com imagens horríveis de lixo plástico nas cidades, na beira dos rios e nos oceanos. Um empresário italiano faz bons negócios combatendo essa tragédia.

Giulio Bonazzi, CEO do grupo italiano Aquafil, acreditou nos negócios ambientalmente corretos, ao resolver trocar petróleo por lixo para fabricar fios de nylon (Foto: Ilustração de Jairo Rodrigues sobre foto de Matteo De Stefano/Divulgação)

A indústria têxtil está entre as mais poluentes do mundo. Consome recursos naturais não renováveis, usa substâncias químicas perigosas que poluem mananciais e gasta muita água. A boa notícia é que nessa indústria também nascem empresários dispostos a quebrar o ciclo insustentável. Giulio Bonazzi, CEO do grupo italiano Aquafil, encarou o desafio quando nem os investidores acreditavam em negócios ambientalmente corretos. “Passei por louco”, diz o veronense de 55 anos, quando resolveu trocar petróleo por lixo para fabricar fios de nylon.

Em 2011, após anos de pesquisa, a Aquafil — fundada há mais de 50 anos pelos pais de Giulio — lançou a marca Econyl, fibra composta por nylon 100% reciclado a partir de materiais plásticos, que um dos gerentes da empresa chamou de “any kind of shit” ("qualquer porcaria"). Giulio tornou-se um dos porta-vozes globais da reciclagem e da economia circular (ou seja, do reaproveitamento) nos setores de decoração e moda. Por isso, foi painelista no evento de inovação Web Summit 2018. Hoje, Adidas e H&M figuram entre os mais de 400 clientes regulares da Aquafil, pequeno império têxtil com 15 fábricas em oito países.

Época NEGÓCIOS A indústria têxtil virou um vilão ambiental, por causa da poluição e do desperdício. Como você chegou à sua estratégia para lidar com esse problema?
Giulio Bonazzi
 A situação da indústria têxtil no momento é muito ruim. Não fabricamos produtos perigosos, mas trata-se de um dos setores mais poluentes do mundo, tanto pelo grau de consumo de matéria-prima como pelo uso de substâncias químicas agressivas ao meio ambiente. Eu não estava consciente sobre isso quando comecei a trabalhar no negócio da família, há mais de 30 anos. Por sorte, a fábrica onde fui trabalhar ficava numa província [Trento] com elevado grau de preocupação com o meio ambiente. Era um mantra não gerar efluentes, nem emissões de gases perigosos, nem criar problemas assim. Com o tempo, mudamos a forma de encarar o negócio, mudamos nossas mentes e nos tornamos mais conscientes. Nosso objetivo é mudar o mundo com um negócio que respeite o meio ambiente.

NEGÓCIOS E quando você decidiu assumir um papel diante do setor inteiro?
Giulio
 Percebo que a indústria está empenhada em causar menos danos, mesmo se tornando um pouco menos eficiente, com uso de menos matéria-prima e menos água. Mas, basicamente, a maior parte não acredita em soluções para resolver o problema. Ouvi certa vez de uma pessoa muito importante na área de meio ambiente uma observação perfeita: é bom reduzir o dano, ok, mas lembrem que fazer menos mal ainda é um mal. Ou mudamos nosso ponto de vista para tentar fazer algo bom ou continuaremos fazendo mal, apesar das boas intenções.

Outro divisor de águas na minha vida foi, em 1998, assistir a uma palestra do Ray Anderson [industrial americano que, em meados dos anos 90, decidiu transformar sua fábrica de tapetes, a Interface, num exemplo global de sustentabilidade. Hoje, a Interface compra nylon da Aquafil]. Ray foi um líder incrível no pensamento ambientalmente sustentável. Ele explicava o que pretendia fazer para não gerar mais danos e pensei: “bem, não estamos tão mal na Aquafil e ainda podemos fazer muito, podemos fazer o bem”. Foi o início da mudança de mentalidade. Trabalhei para introduzir novas linhas de produção, novas formas de produzir e também uma nova cultura. Tudo começa pela cultura, ou não vamos jamais olhar para o mundo com outros olhos. Depois de dez anos, finalmente desenvolvemos a tecnologia para recuperar o nylon recolhido de aterros e do oceano, criando infinitas possibilidades para os designers. A fibra pode ser reciclada vezes sem fim.

Giulio Bonazzi, CEO do grupo italiano Aquafil, acreditou nos negócios ambientalmente corretos, ao resolver trocar petróleo por lixo para fabricar fios de nylon (Foto: Ilustração de Jairo Rodrigues sobre foto de Matteo De Stefano/Divulgação)

NEGÓCIOS Que oportunidades a indústria precisa explorar, no futuro, na economia circular?
Giulio
 Estamos apenas no início de uma revolução. Todo ano, em média, 100 milhões de toneladas de fibras são produzidas, entre sintéticas e naturais, e praticamente a mesma quantidade é descartada, o que é uma loucura. Não podemos continuar assim. Precisamos urgentemente introduzir novas tecnologias, novos produtos, novos modelos de negócios. A saída é buscar inspiração: na natureza, nada se perde.

NEGÓCIOS A lógica da economia circular vai dar conta dos nossos problemas? Qual é o limite desse tipo de estratégia?
Giulio 
O crescimento [da população e da economia]. Ainda que estivéssemos aptos a reciclar tudo, 100% dos plásticos — o que não é possível, porque há componentes combinados com outras substâncias que jamais serão reciclados —, não seríamos capazes de acompanhar o crescimento do planeta. A população aumenta, a renda per capita também e o consumo vai atrás. Reciclar não basta. Precisamos de algo mais. Estamos falando de 7 bilhões de pessoas que deveriam ter acesso ao mesmo nível de consumo e qualidade de vida dos países desenvolvidos. Não dá para pensar em limitar o consumo só nas regiões menos desenvolvidas. A saída é usar produtos feitos com matérias-primas sustentáveis.

Pensando nisso, estabelecemos, há dois anos, uma parceria com a Genomatica, nos Estados Unidos, para produzir nylon a partir de plantas, matérias-primas naturais e renováveis. Reunindo o know-how de bioengenharia da Genomatica e de química da Aquafil, teremos uma solução em breve, um produto novo que poderá substituir o plástico. Queremos dar mais passos na direção da sustentabilidade.

NEGÓCIOS Você disse que, ao começar a trabalhar assim, não tinha noção das dificuldades que enfrentaria. Como foi isso?
Giulio 
Quando comecei a apresentar a tecnologia a investidores e banqueiros [em 2007] eles tiveram medo. Não acreditavam. Achavam que a mudança colocaria todo o meu negócio em risco. É exatamente o contrário. Se você não for sustentável e não mudar a forma de atuação do seu negócio, da sua fábrica, vai estar fora do mercado. E não é uma questão de “se”, é apenas uma questão de “quando” você vai desaparecer. Eu explicava essa maneira de pensar, essas novas estratégias, e os investidores me chamavam de louco. Talvez alguns gerentes na minha empresa concordassem que eu era louco mesmo, mas acreditaram em mim.

Começamos assim o trabalho, mas subestimamos bastante os problemas. Um exemplo: acreditávamos que os rejeitos que queríamos aproveitar eram feitos de algumas determinadas substâncias mas, quando começamos a trazer o material para a fábrica, descobrimos que havia muito mais substâncias, bem diferentes. Há inúmeros tipos de plástico. Reciclar produtos que foram fabricados com uma certa lógica de engenharia que não previa reciclagem é uma confusão, um desafio e tanto. Foram muitas descobertas que, por sua vez, traziam novos problemas. Felizmente, tenho gente incrível trabalhando para mim. Atacando um problema por vez, conseguimos resolver todos.

Giulio Bonazzi, CEO do grupo italiano Aquafil, acreditou nos negócios ambientalmente corretos, ao resolver trocar petróleo por lixo para fabricar fios de nylon (Foto: Matteo De Stefano/Divulgação)

NEGÓCIOS Os investidores não têm mais medo?
Giulio 
Não, eles não têm mais medo e se dão conta de que negócios ambientalmente insustentáveis tendem a desaparecer. O mercado financeiro mudou e valoriza essa estratégia.

NEGÓCIOS Quanto da produção da Aquafil é de fibra reciclada?
Giulio 
A Econyl representa 37% da produção. Nossa meta é chegar a 100% de fibra reciclada em três ou quatro anos para seguir nessa revolução, levando o produto às indústrias de plástico e de móveis, aos setores que trabalham com design e em outras aplicações em que o nylon puder ser usado, substituindo plásticos que não têm a mesma sustentabilidade. A meta é chegar lá num prazo de cinco anos, mas quanto antes, melhor. Em dois anos, certamente o nylon reciclado responderá por 60% da produção da Aquafil.

NEGÓCIOS O trabalho inclui recolher lixo plástico do mar, certo?
Giulio 
 A humanidade vem tratando os oceanos como um aterro. Temos de mudar tudo. É realmente incrível poder reciclar redes de pesca [a empresa faz isso desde 2013]. O que me faria mais feliz, no entanto, não é reciclar cada vez mais toneladas de lixo. A única maneira de resolver esse dano ambiental é parar de jogar no mar lixo como frascos de plástico e redes de pesca não recicláveis. É preciso parar.

Giulio Bonazzi, CEO do grupo italiano Aquafil, acreditou nos negócios ambientalmente corretos, ao resolver trocar petróleo por lixo para fabricar fios de nylon (Foto: Ilustração de Jairo Rodrigues sobre foto de Matteo De Stefano/Divulgação)

NEGÓCIOS Muitas vezes o consumidor vai atrás de produtos reciclados e descobre que são muito mais caros que os comuns. O custo ainda é um desafio?
Giulio 
Antes de responder, quero fazer uma observação: nem sempre custa mais fazer o produto reciclado, mas ele pode estar mais caro na loja por ser vendido como algo especial, o que leva alguém a querer lucrar mais. Nossa experiência foi a seguinte: nos primeiros anos, nosso processo era mais caro. Agora, a cada ano, baixamos nosso custo de produção, melhorando a tecnologia, ampliando as fábricas, o que nos torna cada vez mais competitivos. Acredito que, no longo prazo, especialmente se novos produtos forem desenhados e fabricados com a ideia de serem reciclados ao fim da vida útil, nosso processo vai se tornar mais barato do que fabricar nylon a partir dos derivados de petróleo. No início, para dar certo, é preciso investir em produtos reciclados com desempenho superior e beleza, que justifiquem o valor a mais.

NEGÓCIOS Qual é a diferença de custo entre o nylon reciclado e o nylon feito a partir do petróleo?
Giulio
 Depende da matéria-prima que estamos reciclando, mas não estamos longe de sermos mais baratos. Temos mais de 400 clientes ativos e mais de 1,6 mil em negociação. Em alguns meses, poderemos ter mais de 2 mil marcas usando o nylon da Econyl [a linha reciclada], lançando coleções a partir de um produto reciclado.

Graças às novas tecnologias, é possível fazer do plástico recolhido nos oceanos matéria-prima para a indústria têxtil (Foto: Cliff Nietvelt/Getty Images)

NEGÓCIOS A estratégia de fast fashion incentiva a ideia de roupas descartáveis. Quem se interessaria em produzir coleções mais duráveis?
Giulio
 Três regras básicas deveriam orientar a indústria da moda: reduzir, reutilizar e reciclar. Eu, particularmente, não amo materiais que não duram quase nada e, em especial, os que não são reutilizáveis nem recicláveis. Por outro lado, a renda do consumidor é um limitador. As pessoas precisam de produtos pelos quais possam pagar. É uma equação complexa. Ao fim, fará diferença quem tiver capacidade de reunir preferências, testar produtos e marcas, quem sabe oferecendo fast-fashion ao lado de produtos mais duráveis. Uma coisa é certa: quem tem de se orientar para a economia circular são os big guys da moda, e não apenas o pessoal do fast-fashion.

NEGÓCIOS O bom exemplo tem de vir do topo da pirâmide fashion?
Giulio 
 Tem. Como a introdução de uma nova tecnologia normalmente custa mais, é preciso colocá-la em produtos sofisticados. Uma boa comparação é o que a Tesla faz na indústria automotiva [a empresa escolheu fazer carros elétricos de luxo e esportivos, em vez de veículos populares]. O ideal é oferecermos produtos valiosos e atraentes que possam ser reaproveitados ou reciclados. E é interessante observarmos o comportamento do consumidor: hoje, há uma proliferação de sites que estimulam a troca ou a venda de roupas usadas para evitar o desperdício.

NEGÓCIOS O que você diria ao empreendedor que sonha em fazer diferença com um negócio que ainda sofre resistência?
Giulio
 Escutem e aprendam. O mais interessante do meu trabalho é poder aprender algo novo sempre, todos os dias. Aprendo com os outros o tempo todo. (Por Isabel Clemente)

Esta conversa faz parte do especial Época NEGÓCIOS Inovadores -- uma coleção de entrevistas com pioneiros globais e cabeças privilegiadas em diversas áreas.

https://epocanegocios.globo.com/Empresa/noticia/2019/02/moda-tem-de...

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