DIZIMADA PELO BICUDO NA DÉCADA DE 1980, CULTURA GANHA NOVOS ARES NA CAATINGA. O SEGREDO? PLANTIO AGROECOLÓGICO DE BASE FAMILIAR.

por CLEYTON VILARINO

O agricultor Reno Pinheiro não acreditou quando, há dois anos, recebeu um convite para plantar algodão na região do Seridó, no sertão do Rio Grande do Norte. Filho de cotonicultor, ele testemunhou o declínio da cultura na década de 1980, quando o bicudo se alastrou e dizimou a produção da pluma no semiárido nordestino, até então a maior região produtora do país.


"A maior potência econômica da nossa região era o algodão. A gente chamava na época de ouro branco do sertão, porque ele sustentava todos os proprietários de terras", conta Reno, ao lembrar dos tempos de criança, quando "caminhões e mais caminhões" saíam da comunidade Trangola, no município de Currais Novos, com a pluma já beneficiada. "Eu conheci de perto o algodão mocó e agora estou vivendo mais essa história."


"Mocó" era o nome popular do algodão da espécie Gossypium hirsutum, de porte arbóreo, perene e altamente adaptado ao clima semiárido da Caatinga. Mas, plantado em grandes extensões de terra, ele foi rapidamente dizimado pelo bicudo. Foram apenas dois anos para о cultivo desaparecer - e quatro décadas para surgirem as primeiras iniciativas de retomada, capitaneadas por projetos de institutos locais apoiados pela Embrapa Algodão, de Campina Grande (PB).


De acordo com a chefe-geral da Embrapa Algodão, Nair Helena Castro Arriel, existem pelo menos dez projetos em andamento na região do semiárido nordestino, com mais de 1.000 famílias atendidas, além de iniciativas na região norte de Minas Gerais que têm apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário. A estratégia de todas essas ações é a mesma: estimular o plantio do algodão em sistemas agroecológicos, em consórcio com culturas alimentares tradicionais, como feijão, milho e mandioca.


"Nosso maior desafio é a expansão dessas áreas, mas a tendência é que elas cresçam por causa da agregação de valor", avalia a chefe-geral da Embrapa Algodão. Atualmente, os produtores de algodão agroecológico recebem um valor que chega a ser 30% maior do que o preço que se pratica no mercado convencional.


O Ceará, que também tem tradição no plantio de algodão, tem demonstrado interesse no fortalecimento da cultura. Em 2024, o estado começou a investir para estimular produtores da agricultura familiar a plantar a pluma, em uma iniciativa em conjunto com a Associação dos Produtores de Algodão do Ceará. Na última safra, a cultura cobriu 1.032 hectares, distribuídos em 52 municípios cearenses. A atividade acrescentou até R$ 6.000 à renda anual dos produtores, segundo o secretário de Desenvolvimento Agrário do Ceará, Moisés Bráz.


Com o sucesso dos agricultores familiares do Ceará, produtores tradicionais já voltaram a investir no estado, comprando terras nas regiões do Cariri e Vale do Jaguaribe. A expectativa é que essas áreas se tornem um novo polo algodoeiro, caminhando em paralelo com o sertão central, onde avança o cultivo agroecológico de base familiar.


"Os agricultores estão fazendo uma coisa inteligente, que é voltar a produzir perto da indústria. Esse algodão cultivado no Ceará vai certamente abastecer a demanda da indústria estadual, um parque têxtil com mais de 200 anos de história", observa o diretor-executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Marcio Portocarrero.


Na avaliação do dirigente, os dois modelos são complementares e contribuem para fortalecer a cotonicultura nacional em frentes diversas. No Rio Grande do Norte, por exemplo, a produção tem sido absorvida pela Riachuelo, empresa de expressão nacional, mas com raízes no estado.


Em um projeto com apoio do Instituto Riachuelo, 143 produtores, distribuídos por 15 municípios, já colheram 52,5 toneladas de algodão nos últimos três anos. A produção abastece uma linha específica que a confecção lançou neste ano: tingida naturalmente, ela é vendida com certificação orgânica e agroecológica.

https://abrapa.com.br/2025/10/06/a-volta-do-ouro-branco-ao-sertao/

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