Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

“Acho indecente a cultura do tapete vermelho”, diz Jean-Paul Gaultier

Em entrevista à coluna, estilista francês conta por que decidiu abandonar o prêt-à-porter e fala do futuro da moda.

Jean Paul Gaultier conheceu Alcione na última vez que esteve no Brasil e faz questão de tê-la na festa que o homenageará, dia 16 (Foto: Divulgação)

Comemorando 40 anos da fundação de sua marca, o estilista Jean-Paul Gaultier, de 64, esteve no Rio na semana passada para badalar – com muitas festas, inclusive no Morro do Vidigal - seus perfumes, entre os quais Le Mâle Classique, que figura entre os cinco mais vendidos no mundo.

Em 2014, o eterno “enfant terrible” da moda, autor do icônico sutiã em forma de cone de Madonna, decidiu encerrar sua linha de roupas prêt-à- porter para se dedicar exclusivamente à alta costura, com modelos feitos à mão e sob medida para suas clientes.

“Antes, o que interessava às pessoas eram as roupas criativas, que propunham uma mudança na sociedade. Agora, todo mundo copia os outros, o que nunca me interessou”, explica.

Arrepende-se de ter deixado o prêt-à-porter?

Não me arrependo de jeito nenhum. Eu tive a sorte de ter sido livre ao longo desses últimos 40 anos. Fiz sempre o que eu quis, sem seguir as tendências, criando eu mesmo as tendências em que acreditava. Nos anos 1990, houve uma virada; depois da morte do meu companheiro, Francis Menuge, que cuidava da parte financeira e administrativa da marca de uma maneira brilhante, comecei a atuar em outras áreas de interesse, como os figurinos dos filmes de Almodóvar, dos shows de Madonna, meu programa de TV ‘Eurotrash’. 

Foi também o começo da época da ditadura dos grandes grupos de moda, em que todos os códigos da moda mudaram. Me mantive firme para não ceder minha marca e meus princípios a financistas que só enxergam a moda como um balanço financeiro. Antes, o que interessava às pessoas eram as roupas criativas e que propunham uma mudança na sociedade. Desde então, todo mundo começou a copiar os outros, o que nunca me interessou. Eu sempre fui pela singularidade, pela afirmação do indivíduo. E é algo que na alta costura ainda pode ser feito.

A moda está em crise?

Total. Há cada vez mais roupas, mais estilistas, mais coleções e menos pessoas dispostas a comprar uma roupa de qualidade. Virou uma corrida maluca, sem contar as cópias descaradas das gigantes do varejo que se apropriam da sua criação e a vende por preços baixos. Existem roupas demais no mundo; temos que ser mais conscientes. De certa forma, eu tive uma atitude de “enfant terrible” ao decidir restringir minha atuação à alta costura e criar roupas para quem realmente as quer e se diverte com elas. 

Além disso, as marcas de luxo se tornaram vendedoras de bolsas e sapatos e as roupas viraram acessórios, dispostas no segundo andar das lojas. E eu gosto é de roupa. A bolsa para mim é um complemento; a mulher que eu gosto de vestir não se impõe por uma bolsa, mas por sua atitude. Quando fui estilista da Hermès (Gaultier foi estilista da marca entre 2003 e 2010), aí sim, tinha prazer em fazer as bolsas, porque é uma tradição histórica dessa companhia. Mas o meu métier são as roupas.

Jean-Paul Gaultier (Foto: Juan Naharro Gimenez/WireImages)


Como você vê o futuro da moda?

Acho que as pessoas vão se vestir ou de alta costura, que é realmente a ponta da indústria da moda, mas muito cara, ou de Zara, H&M e Uniqlo. O que está no meio vai desaparecer. Mas acho que eu me divertiria fazendo uma coleção para uma gigante popular do varejo; pelo menos faria algo de original. Quando eu era garoto, a última maison em que eu pensaria trabalhar seria a Hermès, por exemplo. Tratava-se de uma casa tradicional e eu era, afinal de contas, o “enfant terrible” da moda. Havia uma ideia de que eu fizesse a Dior, mas me ofereceram a Givenchy, e isso não me interessou.

Mas, quando meu amigo (o estilista belga) Martin Margiela começou a trabalhar para a Hermès, eu me peguei pensando no que eu faria no lugar dele. E, quando surgiu a proposta de eu criar para a Hermès, isso passou a fazer todo sentido. Me apaixonei pela marca, pelo savoir-faire, pelos ateliês. Foi uma experiência excepcional. Num mundo em que todo mundo fala de see-now-buy-now, das roupas que podem ser compradas imediatamente depois de serem desfiladas, você foi para o lado justamente oposto, o da alta costura, que requer provas de roupas, um trabalho muito artesanal, em resumo, paciência.

Quem você ainda gostaria de vestir?

Olha, eu entrei nessa profissão para que as pessoas me amassem. Nos anos 80, havia todas as estrelas que se apaixonavam pelas roupas e as compravam porque amavam nossas criações. Agora virou um sistema de contratos. Para mim, isso é a negação total do que eu acredito. Essa cultura do tapete vermelho, de roupas emprestadas, acho completamente indecente. Por que uma cliente deve pagar por uma roupa se ela é emprestada a uma celebridade? É inaceitável, isso significa subestimar a inteligência das pessoas.

Madonna no lançamento de 'Na Cama com Madonna' em Cannes, em 1991: "Quando passamos pelo tapete vermelho, ela abriu a capa que estava vestindo e estava só de sutiã e calcinha por baixo", relembra Steve (Foto: Divulgação)


Você sempre coloca na passarela modelos plus-size, de várias formas, etnias, inclusive artistas transformistas. É uma forma de fazer política?

É que eu não gosto de só um tipo de beleza. Eu amo a diversidade. Escolho minhas modelos por sua singularidade, seu gestual, sua atitude. O primeiro a valorizar os mais diferentes tipos de beleza foi Yves Saint Laurent nos anos 1960. Ele transformou mulheres, digamos, fora dos padrões vigentes em heroínas e isso foi inspirador e libertador. Lamento que, meio século depois, ainda não tenham entendido isso. A moda precisa se libertar da mesmice, encontrar beleza na pluralidade.

Os estilistas arriscam menos?

O marketing está ditando a moda. Eu não preciso escolher uma modelo porque ela fez um desfile da Prada, mas porque ela é única, porque ela representa um grupo de mulheres, dando voz a elas.

Há ainda “enfants terribles” na moda?

Deve ter, mas eles têm encontrado cada vez mais dificuldades de serem percebidos por causa desse padrão da rentabilidade. Eu não entrei nessa profissão para ser famoso. Quando eu comecei, os estilistas não eram estrelas de rock ou do Instagram. Eu sonhava em fazer desfiles, em vestir as mulheres e ser independente, não em ser comprado por um grupo, abrir 300 lojas e virar um milionário de pernas para o ar.

As redes sociais prejudicam a moda?

As roupas não são mais feitas para serem vestidas, mas apenas vistas. Os desfiles viraram um mero espetáculo, desconectados da realidade das ruas, das necessidades das pessoas. Ficam preocupados com tendências, esquecendo o prazer de criar um vestido eterno, que possa ser passado para sua filha, sua neta.

Jean Paul Gaultier e a top Anna Cleveland são recebidos por Daniela Falcão na festa de abertura do Veste Rio (Foto: Reginaldo Costa/ Divulgação)

Você tem uma conta pessoal no Instagram?

Não.

Nem mesmo para ver o que estão postando?

Sinceramente, não. Prefiro continuar a ver a vida real na rua, no que está sendo proposto social e culturalmente. Meu lado virtual é exercido na imaginação. A vida não pode se resumir a “like” ou “não like”. Você não precisa provar que existe no mundo porque diz se gosta ou não de alguma coisa. Quando o criador fica olhando demais o que os outros estão postando, ele se coloca numa condição passiva e condicionante da criatividade. As boas ideias surgem quando não temos nada na cabeça, quando nos vimos obrigado a criar do zero.

Quase 25 anos depois, seus perfumes continuam entre os mais vendidos do mundo. Que cheiro, afinal, as pessoas querem ter?

Eu sou bem guloso e criei meus perfumes femininos misturando gostos açucarados, como a baunilha, o algodão doce, as amêndoas. Para os homens, pensei no cheiro do passado, que me evoca os barbeiros de antigamente. Mas a minha obsessão era fazer algo único, que não fosse uma cópia dos outros perfumes só mudando uma nota ou outra, algo que tivesse uma assinatura.

Então as pessoas querem ser devoradas?

Elas querem ser amadas. Esse é o sentimento mais primitivo da nossa existência. O amor é a vida.

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/bruno-astuto/noticia/2016/10...

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