Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Alexandre Herchcovith retoma a narrativa de suas criações

O estilista, que vendeu a Herchcovitch Alexandre em 2008, voltou a criar sob seu próprio nome, pela primeira vez desde 2016.

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Foto: Glin + Mira / Body e calça HERCHCOVITCH;ALEXANDRE, joias HERCHCOVITCH;ALEXANDRE + NART, driver shoes HERCHCOVITCH;ALEXANDRE + CNS, bucket hat HERCHCOVITCH;ALEXANDRE + NEW ERA

Em dezembro de 2022, a notícia surgiu de repente: Alexandre Herchcovitch está de volta. Drama, musas, caveiras, moletons góticos, lingerie, látex, bondage: tudo o que fez sua fama reapareceu na passarela com uma coleção surpresa, depois de quase uma década desenhando para outras empresas. O estilista, que vendeu a Herchcovitch; Alexandre em 2008, voltou a criar sob seu próprio nome — pela primeira vez desde 2016 — retomando duas coisas que sabe fazer bem: roupas (ele ama) e negócios (tem tino para). A moda, diz ele nesta entrevista à L’OFFICIEL, pode ser que aconteça, mas não está preocupado. Pelo contrário, parece animado com o business como há muito não se via. A conversa aconteceu três dias depois que a coleção chegou para venda, via Farfetch, em março. Alexandre já estava pensando no próximo desfile. Já o público captou o retorno de alguém que parece nunca ter saído de onde esteve: a peça mais clicada até então, segundo o e-commerce, era um moletom preto com a caveira-símbolo do criador estampada e seu sobrenome, atravessando o peito. Nada mal para comemorar 30 anos de uma marca: recomeçá-la do zero.

L’OFFICIEL Você nunca parou de trabalhar, está sempre envol- vido em mil projetos. Para que voltar para a sua marca em 2023? Como foi essa decisão?

ALEXANDRE HERCHCOVITCH: Eu sentia falta de fazer produtos que levassem meu nome. Trabalhando na À La Garçonne, respeito o DNA da marca; então, há produtos que não consigo um alcance muito grande — pela visibilidade que a marca tem. Daí me reaproximei da InBrands, conversei diretamente com [o CEO] Nelson Alvarenga: ele disse que pensavam em começar um novo trabalho com a Herchcovitch;Alexandre. Não recomprei a marca de volta, continua não sendo minha; mas acertamos o direito de uso por dez anos, com renovação para mais dez. Eu e mais dois sócios, um administrador financeiro e outra que é tipo uma gerente de produto, abrimos uma empresa para li- cenciar o nome. Tenho liberdade comercial e criativa e, com o grupo, uma divisão do faturamento dos negócios que trouxer.

L’O: Porque tem esse movimento, que pode acontecer naturalmente, de a colocarem num papel de nostalgia, de quem lembra do auge da marca no SPFW. Não vejo você como uma pessoa nostálgica.

AH: Diria que é outra questão. Nas empresas em que trabalho não posso, eticamente e até por mim, fazer o que eu fazia na Herchcovitch;Alexandre. Tive que desenvolver novas maneiras de pensar negócios e produtos. Claro que quem acompanha pode enxergar traços meus nas roupas da À La Garçonne. Isso é óbvio, afinal sou eu que desenho. Mas não é a totalidade desses traços. E há algumas empresas com as quais tinha vontade de trabalhar, mas, para elas, não fazia sentido a parceria com a À La Garçonne por não ser uma marca tão conhecida. Agora, com a volta do meu nome, estamos revendo esses contratos e formatando outras dezenas. Até o fim do ano, já teremos uns 20 licenciamentos em vigor. Incluindo aí a Tok&Stok e a Zêlo mais outras novas, como a New Order. Isso fora o prêt-à-porter, que está sendo produzido num ateliê pequeno.

Foto: Glin + Mira / Blusão em neoprene, bermuda em couro Kind Leather,bolsaemcouroemeias HERCHCOVITCH;ALEXANDRE, tênis HERCHCOVITCH;ALEXANDRE + CNS, joias HERCHCOVITCH;ALEXANDRE + NART.

L’O: Não é uma produção imensa, então?

AH: Não mesmo. Algumas são peças únicas, outras têm uma grade maior por referência. Camisetas e moletons, chegamos a 60, quase cem peças. Outras, que são únicas, fazemos uma, cinco, sete peças. Mais ou menos como era.

L'O: Quando você saiu da Herchcovitch;Alexandre, em 2015, a discussão sobre sustentabilidade na moda não era tão essencial quanto é hoje. Como isso se reflete no seu trabalho?

AH: Comecei a me envolver com esse tema a partir da À La Garçonne — que já era um brechó, já tinha esse lema de que “o vintage é o futuro”. Quando o Fábio Souza me convidou para ser estilista da marca, falou para aplicar isso na roupa. Então tive que estudar sobre, estou em constante evolução. Esse último lançamento que fizemos com a Malwee, por exemplo: foi a primeira a fazer uma ressignificação em série, com centenas de peças que estavam paradas no estoque. Foram sete anos até conseguir convencer alguém a encarar um trabalho desse tamanho. O assunto da sustentabilidade está latente, mas as empresas precisam se preparar. Não é algo que vai mudar da noite para o dia. Estou aplicando o máximo que consigo na Herchcovitch;Alexandre. Não posso voltar atrás, ser uma coisa em uma marca e outra na outra marca.

L'O: Você reutilizou muito tecido parado nessa primeira coleção, não é?

AH Sim, foi 100% feito com tecidos da época, que estavam na InBrands até hoje — até parece que me esperando voltar. Me comprometi a seguir usando essa matéria-prima. Não só no desfile, mas na coleção comercial. Tirando coisas como couro, verniz, tudo que está à venda é material de reúso.

L’O: Nesses anos que ficou longe, tinha a expectativa de que a marca seguisse bem sem você?

AH: Havia, com certeza. Afinal, por que eles comprariam uma marca para não usar? Primeiro, queria ver o que aconteceria logo depois da minha saída, se contratariam outro diretor criativo. Quem seria? Depois, o que aconteceria com minha equipe. Então vi que continuaram a trabalhar a marca por mais uma coleção e desmontaram o time, vários contratos foram rompidos ou não renovados. Quando saí, eram 25 licenciamentos. Restou apenas a Zêlo, parceria que tem 22 anos. Estou retomando o mesmo formato de negócios, mas com certas diferenças. Na hora de decidir por onde venderíamos, fomos direto para o online. Nesses sete anos, houve um crescimento do e-commerce — algo que não havia dentro da Herchcovitch;Alexandre. Foi muito importante esse lançamento com a Farfetch, que tem um alcance muito maior do que o nosso. Imagine que, em 2015, o Instagram da marca tinha cento e poucos mil followers. Hoje, não são nem 4 mil. A escolha pela Farfetch foi justamente pelo potencial de audiência, algo que não conseguiria por conta própria. Foi esse o raciocínio para não abrirmos lojas, pelo menos agora. Há sete anos, minha vontade era de abrir uma loja em cada capital do Brasil. Hoje, não mais.

L’O: Está realmente começando do zero, é esse o sentimento?

AH: Sim. Eu não posso, por exemplo, usar o histórico de oito anos atrás para orientar a criação de um produto hoje. O consumidor mudou, estou entendendo que tipo de público vou atingir — se são órfãos da marca da época ou mais jovens, que não consumiam lá. É começar do zero, mesmo.

L’O: Você ainda tem tesão em fazer moda?

AH: Na verdade, eu tenho muito prazer em fazer roupa! Fazer moda, [nós] os estilistas temos sempre a pretensão. Mas tenho segurança de saber construir uma roupa. Se vou lançar moda, se vai pegar, são outros quinhentos.

L’O: Ainda é viável essa ideia de fazer uma moda pegar?

AH: Não, porque não existe mais a moda que vai pegar — mas diversas. Até como observadores, antigamente não tínhamos acesso a tanta informação. Agrupávamos um ano em poucas tendências; hoje, são centenas. Temos mais lugares para observar e pesquisar. É muito difícil falar que vai emplacar uma moda, se não for uma grife de alcance mundial, com grande poder de compra de mídia. Não tenho essa pretensão de emplacar.

L’O: Diria que já emplacou?

AH: Ah, diria que sim. Algumas ligadas à roupa, outras não. Quando comecei o processo de exportação, por exemplo, fui essa cobaia, no meado dos 1990. Depois, uma avalanche de marcas e estilistas quiseram exportar, me ligavam para saber o caminho. E outras coisas, né? Até mesmo essa questão de diversidade na passarela... Confesso que a única diversidade que não apliquei na passarela foi a de corpos — no começo, eu nem enxergava essa necessidade. Mas outras, emplaquei sim, como das modelos não modelos, das pessoas trans. Ou até a procura pela profissão de estilista. Muita gente me diz que fez faculdade de moda por minha causa, pessoas próximas ou não.

L’O: Podemos dizer que a moda brasileira atual deslanchou com a sua geração. Mas a sua história particular reflete muito do mercado geral — surgiu, despontou, teve aquele boom, vendeu a marca numa época em que havia um grande sentimento de “agora vai”... que não aconteceu. Qual o nosso problema?

AH: Não aconteceu e falo isso com bastante segurança. Nós não temos o know how e a inteligência dos grupos de fora, que não tentam mudar o DNA das marcas. Isso é muito do Brasil, infelizmente: uma marca é comprada e, a primeira coisa que se faz, é tirá-la do lugar em que costurou a vida inteira, naquele bairro específico, para jogá-la num escritório. Depois, para baratear, falam para comprar o mesmo tecido da marca irmã. Vão cortando os segredos industriais que justamente fizeram com que quisessem comprar a sua marca, entende? Então ela tem essa sobrevida, depois começa a ser pasteurizada, perde os clientes originais e as pessoas que propagavam o nome — que migram para outras marcas, mais interessantes.

L’O: Não há uma manutenção de legado.

AH: Nem a manutenção, nem o respeito a esse legado. Veja como funciona fora do Brasil: há grupos com vinte marcas e cada uma está no seu QG original. Ninguém tirou a Balenciaga do prédio na avenida George V, em Paris, onde está desde 1955, para baratear o aluguel. Pelo contrário, a ideia é ficar com as pessoas que construíram essa história no lugar original. Talvez seja uma explicação um pouco simplória, claro que devem haver mil outros motivos, mas está ligada ao que senti.

L’O: Além disso, há uma questão de mercado interno desorganizado, não?

AH: Sim, também porque muitas marcas brotam do chão, às vezes a pessoa que está à frente nem é estilista. Tudo mudou muito: quem toca, como elas são construídas, quanto tempo duram. Vê-se marcas morrendo com 3, com 5 anos. A Herchcovitch;Alexandre faz 30 anos em 2023. É muito tempo para o Brasil, só as empresas de jeans têm isso. A Ellus fez 50 anos agora. Gloria Coelho tem um pouco mais de 50, Reinaldo Lourenço deve ter seus 40... mas são empresas menores. E o mercado está realmente diferente, as pessoas consomem em vários lugares — o que é bom, conseguir comprar a roupa que quer do jeito que imaginou. Obviamente, tem muita porcaria. Tem que ser realmente apaixonado por roupa para continuar.

Foto: Glin + Mira / Casaco em lã divisível e látex natural, calça em couro vinil Kind Leather e bolsa em couro HERCHCOVITCH;ALEXANDRE, driver boots HERCHCOVITCH;ALEXANDRE + CNS, boné HERCHCOVITCH;ALEXANDRE + NEW ERA.

L'O: Acha que conseguiria construir uma história parecida, se tivesse se formado na FASM recentemente?

AH: Acho que não... O que fazia há 30 anos, hoje é lugar-comum. Quando vejo uma roupa dessa época, tento lembrar como era, o que eu via por aí. Não dá para fazer uma comparação com hoje... não sei dizer. Para estudar hoje na FASM, teria que ter nascido em 2000, 2003. Acho que seria mais difícil, teria trabalhado para outras empresas antes de abrir a minha. Experiência que não tive, na época fiz o contrário. Quais seriam minhas inspirações para viabilizar o meu trabalho, fico pensando?

L'O: Será que seria kpopper hoje em dia, em vez de gótico?

AH: Talvez? Pegando as referências de 2013, se nascido em 2001. Sou de 1971, o que produzo tem essa referência dos meus 13 anos — o new romantic, toda a cena gótica, punk e pop daquela época.

L'O: Como é a sua relação com a leva mais nova de criadores? Sinto que há um gap de relacionamento entre a sua geração e esta.

AH: Há mesmo. Nem conheço eles direito, para ser sincero. Vejo as semanas de moda, mas também não vasculho. A moda brasileira, hoje, passa por outro processo: a moda de discurso — a roupa está em segundo plano. Isso não é um problema, moda não é só roupa. Contudo, não podemos esquecer que não se ganha dinheiro vendendo discurso — mas vendendo uma camiseta após outra. Essa é minha preocupação. Sempre tive meus discursos sobre temas tabu — religião, gênero, sexualidade. Mas, no final, pagava minhas contas vendendo roupa. Meu receio é que as pessoas amem o discurso, mas não cheguem até o produ- to. Isso complica a sobrevivência das marcas.

L'O: É uma questão de equilíbrio.

AH: Sim, não tem jeito: precisa vender! Você não cobra por minuto de discurso, por mais que tenha razão. Estamos todos vendendo roupas.

L'O: Seria uma falta de treinamento de mercado para essa galera mais jovem, para pensar nisso?

AH: Mas quem vai mostrar esse caminho? Quem vai se responsabilizar a contar sua experiência, que rasgou dinheiro, que bateu cabeça? Quem vai puxar todos e botar o pé no chão, materializar esse discurso e faturar; quem é esse responsável?

L'O: Isso não cabe à sua geração?

AH: Olha... todas as vezes que me ligaram, eu conversei. Todo tipo de pessoa, de estilista, de marca. Ou mesmo quando dou cursos, não escondo nada. Então não sei se cabe 100% à gente. Ainda mais porque a minha geração pode compartilhar, mas nem tudo é válido. Nossa experiência é de uma época diferente, principalmente no mundo online. Claro que essa troca é boa, mas é preciso um discernimento para ver o que serve, o que não. Além do quê: podemos ajudar, mas temos que ser procurados para isso.

L'O: Ninguém o emociona nessa nova leva de marcas, então?

AH: Calma, não é que tenha visto tudo também, né? Emocionar é uma palavra complexa. Gosto do Tom Martins, do Coletivo de Dois, do Weider Silveiro. Mas tenho visto acontecer muita coisa igual, os mesmos volumes, o cobrir o corpo da mesma maneira. Às vezes vejo vários desfiles em sequência e todos se confundem, são muito parecidos. Poderia falar do Rober Dognani — ele nem é dessa geração, mas é alguém que faz algo com personalidade. O Walério Araújo também tem personalidade. Mas de agora... parece que estão todos numa mesma onda. E quando vou vasculhar o que é do meu interesse, que é a construção da roupa, fico perguntando: cadê? É complicado.

L'O Sempre achei você uma pessoa muito pragmática. Acha que está mais, hoje em dia, pós cinquenta anos?

AH: Sempre fui muito intuitivo, continuo usando a intuição como minha principal aliada — e para tudo. Ela me disse “volte e faça um desfile como você está imaginando”, eu fui. Continuo sendo pragmático, me faz bem; mas venho tentando buscar um relaxa- mento nesse pragmatismo. Criar com mais fluidez, desvencilhar de métodos que considero antigos e ainda seguem comigo.

L'O: Quais métodos antigos?

AH: Ainda desenho à mão, por exemplo. Tento fazer no Illustrator, como todo mundo, mas ainda prefiro meus papéis. Umas bobeiras assim, sabe? Ou que as coleções não precisam ter famílias de produtos, todas certinhas. Detalhes.

L'O: A moda tem absorvido muitas discussões importantes da sociedade, como você mesmo levantou. Uma é a de gênero, que a H;A já tangenciava ao desfilar com travestis, por exemplo. Como é que você se encaixa nesse debate, hoje?

AH: Olha, eu me encaixo como uma pessoa bem quieta. Não sei se você acompanhou uma polêmica, quando disse que “me sentia uma travesti” em um programa de TV. Fui escorraçado — com razão, não poderia me sentir algo que nunca fui. Foi uma boa porrada. Agora, escolho outras palavras, dificilmente vou cometer erro parecido. Ontem mesmo estava discutindo isso com minha psicóloga: que existem “n” gêneros; que, se você inventa hoje o nome de um gênero, tem que ser respeitado pelo que você acha que é. É uma discussão maravilhosa. Ao mesmo tempo, as pessoas ainda estão acostumadas a caracterizar os outros como homem ou mulher. É realmente um tempo de aprendizado. Você pode ser uma pessoa com barba, com todas as características digamos masculinas, e querer ser chamada pelo pronome feminino. Só que isso tem que ser avisado para a pessoa que não a conhece. Existe agora esse “pré-cartão de visitas”: olha, gostaria de ser chamada por ele, ela, elu, o que for. Estamos todos aprendendo para que daqui a dez, vinte anos, isso seja algo normalizado para o grande público. Eu aceitei no primeiro minuto que me ensinaram, sigo em silêncio aprendendo. Esse é o meu lugar.

L'O: Isso se reflete na sua roupa?

AH: Não reflete porque sempre criei para pessoas, não para gêneros. Por exemplo, quando entro numa loja de departamentos e a pessoa fala “a seção masculina é no segundo andar”. Isso virou um ruído no ouvido, parece que estou nos EUA dos anos 1950! Quem te disse que quero comprar uma “roupa masculina”? Por que você está assumindo? Se isso começa a incomodar, é sinal de que você já está se acostumando com esse novo tempo.

por Eduardo Viveiros

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