Slägen & Zonen e BGentleman são dois projetos portugueses que reinventam a alfaiataria para produzir camisas à medida. O "comércio da nostalgia" é a tendência crescente da indústria têxtil?
É um revivalismo. Lembrar a figura do alfaiate e transformá-lo num negócio – aliar a tradição à modernidade. E colocá-la online. Público-alvo: o executivo. Alguém com poder de compra, que pertence à classe média-alta e que gosta de ter uma imagem cuidada. Ou um fashionista, como diz David Santos, da BGentleman. Renato Braz, da Slägen & Zonen acrescenta: as mulheres também querem surpreender os homens com produtos personalizados. Pensava que a alfaiataria era profissão do século passado? A reinvenção da indústria têxtil também pode passar pelas mangas de camisa.
Renato Braz lançou a Slägen & Zonen no final de 2013, com Adriano Prates e João Paulo Rodrigues, o alfaiate de serviço à empresa. “Pode uma camisa ser psicotrópica?”, lê-se no site da marca que produz camisas feitas por medida para homem. São colarinhos, tecidos, botões de punho, com ou sem monogramas (combinação de dois ou mais elementos gráficos, que forma um símbolo) que cada cliente pode personalizar. Como? Através do site. Depois, agenda a visita do alfaiate a casa ou ao escritório, escolhe as suas preferências e espera que a camisa chegue. Os dados ficam guardados numa espécie de arquivo e na próxima encomenda basta efetuar o pedido.
Na recém-criada BGentleman – cujo site será lançado em fevereiro -, não há visita do alfaiate. É o cliente que insere as medidas na encomenda, depois de personalizar a camisa. Para esse efeito, a empresa disponibiliza um guia que ajuda a medir corretamente a cintura, braços ou ombros. Se preferir, também pode optar pelos tamanhos padrão disponíveis. A ideia partiu de David Santos e de Rui Cabral, ambos com 31 anos, e o facto de terem vencido o concurso de empreendedorismo da Sage Portugal, o “Sage Elevator Pitch”, levou-os a encontrar casa na incubadora Startup Lisboa.
O motivo que levou os cinco empreendedores, de dois projetos distintos, a aventurarem-se na moda masculina, que foge da rua e dos centros comerciais, foi o mesmo: necessidade pessoal. “Eu e o Adriano não gostávamos dos produtos que víamos no mercado e os que gostávamos eram muito caros. E algumas camisas tinham cortes um pouco antiquados”, explica Renato Braz. A ideia de lançarem uma empresa juntos não era nova. Encontrado o produto que queriam desenvolver, convidaram o designer de moda João Paulo Rodrigues a juntar-se ao projeto.
Todos os empreendedores mantêm empregos fora dos projetos. João Paulo Rodrigues, por exemplo, trabalha na marca de moda masculina Cifonelli, em Paris. E foi para a cidade da luz que levou também a Slägen & Zonen, em 2014. Para Lisboa, contrataram outro alfaiate, Rafael Saldanha. Renato Braz conta que a adesão dos parisienses ao projeto tem superado as expectativas. Apesar de terem menos clientes em Paris do que em Lisboa, têm maior volume de encomendas. “Enquanto um cliente português pede duas a três camisas por encomenda, os franceses pedem entre sete a dez”, explica.
As camisas que a Slägen & Zonen está a exportar para França são produzidas em Portugal. Os tecidos são italianos e o algodão é egípcio. Renato Braz explica que têm procurado tecidos portugueses, mas que ainda não encontraram a qualidade – do tecido e do serviço – que pretendiam, por cá. “O nosso primeiro critério é a qualidade dos tecidos e o segundo é o nível do serviço. Em Portugal, ainda não encontrámos, sobretudo a nível do serviço, uma oferta que nos agrade”, contou.
Em Lisboa, os clientes da empresa portuguesa com nome holandês, são advogados, bancários, pessoas que trabalham no setor financeiro, entre outras. Há duas ofertas: uma que se baseia mais nos brancos e azuis, que custa 90 euros. E outra que se foca em padrões um pouco mais ousados e em tecidos ligeiramente superiores, que custa 120 euros. Estes valores já incluem a visita do alfaiate, que aconselha o cliente quanto ao colarinho adequado ao tipo de rosto, o tipo de tecido que favorece o corpo, entre outros pormenores.
Na BGentleman, também há duas ofertas disponíveis: uma que parte de um preço base de 75 euros e outra de 89 euros, que tem uma confeção mais premium, “um cuidado maior nos acabamentos”. Com produção nacional, David Santos conta que os moldes das camisas são feitos à mão e que a confeção é “quase artesanal”. Os tecidos são portugueses “de qualidade média alta e alta” e, para breve, estão na mira os tecidos italianos.
“Nós percebemos que havia procura, que não éramos as únicas pessoas que queriam camisas à medida. Não são só as mulheres que falam de roupa, os homens também falam”, conta David Santos, que, tal como Rui Cabral, trabalha numa consultora. A BGentleman não quer ser apenas um projeto de camisas por medida online. “Nós queremos ter um conjunto de fashion advisers (consultores de moda), para aconselhar as pessoas e também gostávamos de ter um espaço físico, para quem não gosta de comprar online.
O projeto nasceu online, porque os empreendedores querem que Portugal sirva como base de lançamento da marca, como teste para atuar noutros países. O objetivo é a expansão internacional. Primeiro, querem chegar a destinos como Angola, Moçambique, Brasil e alguns países europeus. E querem que “BGentleman” seja mais do que um nome.”Nós queremos que o homem aprenda a ser um gentleman [cavalheiro, em português], a vestir-se como um gentleman e queremos ter uma componente editorial forte em todo o projeto. É um bocadinho como quando a Apple vende um telefone. Não é só um telefone, é um modo de estar na vida”, conta.
A estratégia da Slägen & Zonen é outra: Norte da Europa, como Suécia ou Noruega. “É onde há muito poder de compra, mas não há tanta oferta”, explica Renato Braz. Não é por acaso que o nome da empresa é holandês. “Slägen” é o nome de uma rapariga holandesa que “inspirou” um dos empreendedores que estudou e viveu no país das tulipas. “Zonen” quer dizer “filhos”, como é típico em várias empresas familiares portuguesas. Lançaram a “Slägen & Filhos”.
Em 2015, vai haver novidades. Renato Braz não adianta quais, mas diz que vão permitir acelerar a internacionalização da empresa. Para que isso aconteça, é necessário investimento. Mas antes de contactarem investidores, precisam de fechar uma parceria tecnológica. A empresa foi lançada no final de 2013 com capitais próprios e está a caminho dos 100 clientes.
Nos primeiros três trimestres de 2014, as exportações de vestuário foram as que mais evoluíram em Portugal: cresceram 11,2% quando comparadas com o mesmo período em 2013, segundo os dados publicados pelo Instituto Nacional de Estatística. Os produtos de moda masculina, como fatos, casacos, calças ou jardineiras foram o segundo tipo de vestuário exportado. Espanha foi o país que mais comprou roupa a Portugal, tendo sido responsável por mais de metade da subida das exportações para a União Europeia. As empresas no Norte do país asseguraram 85% do valor exportado por este tipo de bem.
Em 2013, a indústria têxtil produziu cerca de 5,9 mil milhões de euros em vestuário, tendo gerado um volume de negócios de 6,1 mil milhões de euros, mais 14,5% do que em 2009. Ainda assim, os valores não chegam perto dos registados em 2004, quando o setor registou perto de 7,5 milhões de euros em volume de negócios e produziu cerca de 7,2 mil milhões de euros.
Os dados são da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, que vê no empreendedorismo uma prioridade estratégica para o país. Objetivo: regenerar a fileira com novas empresas, novos empreendedores e novos profissionais. Como pretendem desenvolver o setor? Com a aposta na criação de coleções próprias e na inovação tecnológica. Em 2013, as exportações cresceram 9,2% – foi o terceiro ano consecutivo de crescimento. Em 2014, parecem ir pelo mesmo caminho.
É o regresso à tradição uma forma de reinventar uma das indústrias que já foi pilar da economia portuguesa? Para Renato Braz, é “ótimo” que estes projetos surjam, para que se “estimulem” as economias locais. “Faz mais sentido esta produção local e há proximidade. Gosto mais desta sociedade do que aquela em que as coisas são feitas do outro lado do mundo. E pode ser competitivo”, diz. Renato Braz refere-se às camisas mais baratas, à venda no mercado, “que ao fim de seis lavagens já não são aquilo que se comprou”.
“Não há dúvidas de que a personalização do artigo à medida do cliente vai ser uma tendência crescente. Pouco a pouco, vão-se ultrapassando os obstáculos”, explica Helder Rosendo, subdiretor do centro tecnológico da indústria têxtil CITEVE ao Observador. “Antigamente, era muito mais difícil concretizar a produção em massa destes produtos, mas hoje é mais fácil. As empresas estão mais preparadas e disponíveis para fazer coisas mais personalizadas”, acrescenta.
David Santos refere: “vivemos na era da imagem”. E acrescenta que as pessoas procuram a “individualização, distinguir-se”. Isto, “juntamente com a crise e com as memórias do passado, levou a um certo revivalismo do comércio tradicional. Existem muitas pessoas que estão a virar-se para os negócios do antigamente. Queremos trazer a alfaiataria para a tecnologia moderna. Daí optarmos pelo comércio eletrónico”, explica.
O empreendedor adianta que as pessoas gostam de ter “a sua camisa”, de saber que aquele produto é feito só para elas. “Isso vai atrás do conceito de alfaiate, mas a verdade é que, nos dias de hoje, as pessoas não têm tempo para irem cinco vezes ao alfaiate fazer a prova de uma camisa”, afirma, acrescentando que não é uma questão de moda. “É o comércio da nostalgia. Nós queremos acreditar que somos uma nostalgia moderna. Um look moderno, sem esquecer as regras de etiqueta mais tradicionais”, diz.
Na BGentleman, investiram-se 15 mil euros, em capitais próprios, mas os promotores precisam de mais dinheiro para escalar o negócio. Por isso, andam à procura de quem invista no projeto. “Isso é o primeiro passo para conseguirmos internacionalizar o negócio”, acrescenta David Santos.
O comércio eletrónico é uma das tendências do setor, refere Helder Rosendo. O fato de os produtos serem comercializados online permite que as margens de poupança (como o aluguer das lojas físicas) sejam reinvestidas no produtor. Ou seja, permitem trabalhar de uma forma rentável menor quantidade de produto, mas mais personalizado. “É trazer uma nota de personalização para cima de um produto de massa. Trazer a alfaiataria para a esfera do negócio é importante”, diz.
Helder Rosendo lembra que Portugal tem uma indústria têxtil “forte e poderosa” e que existem alguns projetos de marca própria a consolidarem-se. O facto de o consumidor europeu se preocupar cada vez mais com a etiqueta do “Made in” também tem ajudado Portugal a exportar. “Nota-se muito quando vamos às feiras internacionais. Para o consumidor, é uma mais-valia comprar um produto feito na Europa, porque está mais preocupado em proteger o emprego e a economia europeia”, revela.
Para que o ritmo de exportações e de novos negócios continue a crescer, refere que é importante não parar de inovar nos materiais e nos modelos de negócio. “Há uma coisa que é evidente: vamos ter sempre de fazer diferente. Não vamos conseguir sobreviver a fazer mais do mesmo. E há outra coisa – o cliente, hoje, quer tudo para ontem. As empresas têm de estar preparadas para fazer rápido e bem”, diz. Os negócios à medida não são feitos para serem à medida do país, mas à medida do mundo.
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“Há uma coisa que é evidente: vamos ter sempre de fazer diferente. Não vamos conseguir sobreviver a fazer mais do mesmo. E há outra coisa – o cliente, hoje, quer tudo para ontem.
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