O algodão brasileiro vive um momento estratégico no mercado internacional. Com crescimento constante da área plantada, estabilidade de oferta e foco em rastreabilidade e sustentabilidade, o Brasil pode ocupar ainda mais os espaços deixados por grandes concorrentes globais, como Índia, Austrália e Estados Unidos.
A avaliação é de Márcio Portocarrero, diretor executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), que vê oportunidades concretas para o país se consolidar ainda mais como um dos principais fornecedores mundiais da fibra — posição reforçada pelo fato de o Brasil já ser o maior exportador global de algodão em pluma.
“O Brasil é o único país que tem crescido constantemente porque tem clima e produtor com tecnologia para continuar no algodão mesmo em época ruim”, afirma.
Segundo Portocarrero, três grandes movimentos internacionais abriram espaço para o algodão brasileiro ganhar mercado: a retenção da produção na Índia, a limitação de área na Austrália por escassez hídrica e as quebras de safra recorrentes nos Estados Unidos.
Mercados em retração e brechas de exportação:
Índia: antes exportadora, passou a consumir internamente, abrindo espaço para o Brasil.
Austrália: enfrenta limitações hídricas impostas pelo governo e não tem como expandir muito sua área de cultivo (estagnada em 600 mil hectares).
Estados Unidos: com safras instáveis e recuos no plantio, têm perdido competitividade.
“A maior oportunidade que nós tivemos foi a Índia, que plantava e exportava, mas passou a consumir tudo internamente. Depois veio o problema da água na Austrália, que estagnou em 600 mil hectares. E, por fim, as quebras de safra nos Estados Unidos.”
Ao lado dessas, ele destaca uma quarta oportunidade, que considera ainda mais promissora — embora difícil de mensurar.
“Nós temos uma grande oportunidade que não é mensurável, que é de ser o maior produtor de algodão sustentável do mundo.”
Ataque ao sintético: nova frente da estratégia global
Para além dos gargalos dos concorrentes, a Abrapa aposta numa virada de percepção do consumidor global: convencer o público a substituir tecidos sintéticos por fibras naturais. A ideia é que, ao optar por produtos biodegradáveis e renováveis como o algodão, o consumidor também reforce uma cadeia mais limpa, rastreável e ética.
“Tem o consumidor que vai na loja e não quer contribuir para comprar um produto que tenha sido produzido com gestão ambiental irregular ou com trabalho análogo ao escravo. Isso é algo que a gente certifica aqui”, destaca.
Com apoio da ApexBrasil, a Abrapa iniciou um trabalho estruturado de comunicação internacional para reposicionar o algodão brasileiro no centro das escolhas do consumidor global.
A estratégia envolve ações de imagem, sustentabilidade e rastreabilidade, com foco em mostrar os benefícios ambientais da fibra natural em comparação aos sintéticos. Consultores europeus especializados atuam em cidades como Milão e Amsterdã, em articulação com varejistas e grandes marcas.
Além disso, a entidade tem promovido o diálogo com produtores americanos e australianos para formar uma frente unificada a favor do algodão natural.
“Estamos começando esse grande trabalho de convencer o consumidor a migrar do sintético para o algodão, voltar para o algodão. Esse é o grande desafio.”
Ofensiva robusta
A ofensiva da Abrapa se apoia não apenas em diferenciais técnicos, mas em um discurso ambiental e ético robusto. Portocarrero destaca que os tecidos sintéticos, além de não permitirem economia circular, são derivados de fontes não renováveis e responsáveis por danos crescentes à saúde e ao meio ambiente.
“Essa tendência do consumidor pelo sintético não permite a renovação da matéria-prima. E isso o algodão permite. Se estão preocupados com o meio ambiente, com o aquecimento global, com contaminação de águas, com microplásticos — que já estão até nas nossas veias —, têm que voltar a consumir produtos naturais, como algodão, cânhamo, celulose e outras fibras sustentáveis.”
Segundo ele, essa é a oportunidade imediata de crescimento: reposicionar o algodão como a alternativa natural e confiável, diante de uma sociedade cada vez mais consciente.
“Tem mercado. O consumo de sintético no mundo é muito maior que o do algodão. Se a gente conseguir entrar com 30% nesse mercado, permite que todo mundo cresça junto.”
Portocarrero reforça ainda que, diferentemente de países como Estados Unidos e Austrália — que apenas exportam o algodão bruto —, o Brasil reúne matéria-prima e indústria no mesmo território.
“A Austrália não tem indústria. Os Estados Unidos também não. O único país que produz algodão e tem indústria local é o Brasil. Isso é mais uma vantagem que a gente tem.”
Ele lembra que até mesmo países com tradição na fibra, como o Egito, complementam sua produção com o algodão brasileiro.
“Aquele algodão fio egípcio, na verdade, é blend com o nosso algodão. Eles não produzem nem 20% do que vendem. A Índia também já consome tudo internamente. Quando falta lá, compram da gente.”
O foco da Abrapa também se volta à Ásia, onde estão os maiores polos industriais do setor têxtil — como China, Vietnã, Coreia do Sul, Bangladesh, Turquia e Egito.
“Qualquer movimento de crescimento do consumo nesses países muda completamente o jogo. Se o cidadão chinês resolver comprar mais roupa de algodão, a gente vai sair correndo para atender.”
Na Europa, onde o discurso ambiental é mais presente, a Abrapa tem atuado para que o comportamento do consumidor seja coerente com os valores que defende.
“Estamos com uma base lá justamente para tirar o sintético da vida deles. A gente quer ajudar o consumidor europeu a alinhar discurso e prática.”
Liderança em rastreabilidade e certificações
Outro trunfo da cotonicultura nacional é a rastreabilidade completa — da semente ao guarda-roupa. O Brasil é o único país que oferece essa garantia, com certificações ambientais e sociais exigidas por grandes marcas globais.
“Hoje, 43% do algodão certificado que circula no mundo é nosso. E só o Brasil entrega essa rastreabilidade da lavoura até a peça de roupa. Isso ninguém mais tem.”
Portocarrero cita que empresas como Adidas, Renner, C&A e Reserva já aderiram ao modelo. Com uso de QR codes nas etiquetas, o consumidor pode acessar, em tempo real, o talhão onde o algodão foi plantado, o mapa da fazenda e até a história do produtor.
Assim, do campo ao guarda-roupa, o algodão brasileiro quer se firmar como sinônimo de qualidade, rastreabilidade e responsabilidade.
https://abrapa.com.br/2025/07/18/algodao-brasileiro-identifica-novo...