Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Medidas incluem a compra de startups ‘incômodas’ e a adoção do ‘método 3G’ de cortar custos.

Fairfax Hall bebericava um gim tônica na Union Square, Nova York, com seu amigo de infância Sam Galsworthy, quando lhe surgiu a ideia. Era 2006 e os amigos, que trabalhavam no setor de bebidas, conversavam sobre o surgimento de um punhado de destilarias artesanais nos Estados Unidos, depois do surto de crescimento das cervejas especiais.

“O que nos fascinou foi ver a reação a essas destilarias pequenas. As pessoas dão mesmo importância a onde, e como, as coisas são feitas”, diz Hall. Havia um contraste com sua empregadora na época, a Diageo, a maior destilaria do mundo, dona de marcas globais, como o uísque Johnnie Walker e a vodca Smirnoff. “O que esses caras estavam fazendo batia quase de frente com o ponto para o qual o mundo dos produtos de consumo se dirigia — o da globalização e a tendência de empresas grandes ficarem maiores ainda.”

Os dois amigos resolveram aderir à novidade. Três anos depois, fundaram a Sipsmith como a primeira destilaria tradicional de gim de Londres, com alambiques de cobre, desde 1820. A 30 libras esterlinas a garrafa (cerca de US$ 40), o gim London dry da Sipsmith custa o dobro que o Gordon’s da Diageo e 33% mais que o Tanqueray, o gim mais premium da multinacional. Apesar disso, as vendas da Sipsmith dispararam, e em pouco mais de um ano atrás a empresa foi comprada pela japonesa Beam Suntory, a terceira maior destilaria do mundo — embora Hall e Galsworthy continuem a dirigi-la.

A aquisição é emblemática de uma tática empregada por alguns grupos de bens de consumo que tentam reverter cinco anos de desaceleração do crescimento. Em 2016, a receita das grandes empresas de consumo do mundo — que fazem de cerveja e alimentos a produtos para a casa — cresceram à sua taxa mais baixa desde 2009, durante a crise financeira internacional. Os resultados de 2017 de muitas dessas fabricantes continuam fracos.

Essas tendências podem não ser novas, mas o setor enfrenta agora novas interrogações sobre a possibilidade de restabelecer as altas taxas de crescimento do passado — e, caso não seja possível, há dúvidas sobre qual será a reação dos investidores.

A consultoria Bain & Company diz que, pelas avaliações atuais, o mercado prevê que esses grupos voltem a registrar índices de crescimento orgânico de 5% ao ano até 2020, mas sua própria estimativa é de 2% a 3% nos próximos três anos. A diferença entre as duas projeções pode somar nada menos que US$ 70 bilhões em valor perdido, de acordo com cálculos do “Financial Times”.

“As empresas terão de reexaminar sua maneira de operar, e se transformar”, diz Matthew Meacham, diretor global de produtos de consumo da Bain. “Se elas ficarem com o modelo de marketing de massa, grandes equipes de vendas, grandes investimentos em grandes unidades de produção, enfrentarão dificuldades.”

Não é apenas a proliferação de recém-chegados em áreas que viraram moda — como a Sipsmith e os destilados artesanais —, que representa um problema para as fabricantes de bens de consumo. As pessoas estão mudando a maneira como fazem compras. A tecnologia facilitou o caminho para que mesmo companhias sem grandes orçamentos de marketing possam ter acesso aos consumidores, por meio da internet, eliminando a dependência de canais tradicionais de distribuição.

Uma das maneiras pelas quais as grandes empresas de consumo podem reagir a essas tendências é inovar, por meio da criação de produtos desejáveis, e cobrar mais por eles. Mas elas têm sido vencidas nessa área. “Companhias grandes e ágeis de produtos de consumo são altamente qualificadas na execução de modelos de negócios conhecidos”, diz Richard Taylor, analista do Morgan Stanley, “mas seu histórico de inovações verdadeiramente radicais nos últimos 20 anos é absolutamente terrível.”

Esses grupos têm sido notavelmente lentos em identificar as mudanças de hábitos do consumidor. Os mais jovens hoje tomam café da manhã com barras de cereais Kind ou iogurte Chobani, usam lâminas de barbear Harry’s ou Dollar Shave Club, tomam o café Peet’s, lavam roupa com o sabão à base de plantas Seventh Generation e relaxam à noite com a cerveja artesanal BrewDog ou com a vodca Tito’s e a água tônica Fevertree.

De acordo com o Boston Consulting Group (BCG), US$ 22 bilhões em vendas do setor foram transferidos de empresas grandes para empresas menores na América do Norte entre 2011 e 2016, e a tendência foi semelhante na Europa. A parcela do mercado de produtos de consumo detida por empresas de menor porte cresceu de 23% para 26% no mesmo período, diz o grupo de pesquisa formado pela parceria entre o BCG e a Information Resources Inc. (IRI).

Em decorrência disso, e apesar da crescente demanda mundial, 34 das 50 maiores empresas de produtos de consumo sofrem ou de lentidão no crescimento das vendas ou de lentidão no crescimento dos lucros, ou de ambos, de acordo com a Bain. Suas receitas cresceram à média anual de 7,7% entre 2006 e 2011, mas esse percentual caiu para apenas 0,7% entre 2012 e 2016. O crescimento médio dos lucros operacionais anuais correspondeu, mal e mal, a 25% do era no período anterior, de acordo com a consultoria.

A Nestlé abandonou sua meta de alcançar um crescimento anual da receita de 5% a 6% depois de não conseguir cumpri-la por quatro anos. Sua receita de no ano passado, de 89,8 bilhões de francos suíços (US$ 96 bilhões), foi apenas 2,4% maior que a de 2016 — o percentual mais baixo de crescimento deste século.

Entre as empresas mais prejudicadas estão grandes companhias americanas de alimentos industrializados, como a Campbell, conhecida por sua sopa enlatada; a General Mills, dona do iogurte Yoplait e do cereal Cheerios; a Kellogg’s e a Kraft Heinz.

A Unilever, o grupo anglo-holandês fabricante de produtos que vão desde os desodorantes Axe até a maionese Hellmann’s, tem adquirido empresas pequenas inovadoras e de alto crescimento. Seu executivo-chefe, Paul Polman, gastou € 9 bilhões em 19 aquisições complementares desde 2015, entre as quais as do Dollar Shave Club, uma empresa de lâminas de barbear por assinatura, a Seventh Generation, um grupo de produtos para lavar roupas ecologicamente corretos, e a Carver Korea, uma fabricante de produtos para a pele sediada em Seul.

Produtos mais baratos, de marca própria, aumentaram os problemas enfrentados pela grande indústria de bens de consumo e estimularam o crescimento de varejistas populares, como a Costco, a Aldi e a Lidl, além de fomentarem uma guerra de preços entre os supermercados e o varejo on-line, inclusive a Amazon.

Problemas cíclicos, como as flutuações cambiais, a desaceleração dos mercados emergentes e a dificuldade de aumentar os preços devido à baixa inflação nos Estados Unidos e em boa parte da Europa, contribuíram para tornar “o ambiente atual um dos mais voláteis e incertos que eu já vi em meus 35 anos no setor”, disse Irene Rosenfeld, antes de deixar o cargo de executiva-chefe da Mondelez, em novembro.

A produtora dos biscoitos Oreos e do chocolate Cadbury, obteve, a duras penas, um crescimento de apenas 0,9% nas vendas orgânicas líquidas no ano passado, inferior ao já modesto 1,5% registrado em 2016.

Esse desempenho financeiro relativamente fraco tornou mesmo as maiores empresas vulneráveis a investidores ativistas que fazem barulho por mudanças a fim de aumentar a lucratividade, entre os quais Nelson Peltz, do grupo de investimentos Trian, na Procter & Gamble, e a Third Point, de Dan Loeb, na Nestlé.

Muitas se sentiram obrigadas a reduzir os custos com o método usado pela 3G Capital na Kraft Heinz. O “implacável corte de custos” capitaneado pelos investidores brasileiros teve um “impacto revolucionário” sobre o setor de alimentos, disse Peter Brabeck-Letmathe, ex-CEO da Nestlé e atualmente presidente emérito de seu conselho de administração.

Na Kraft Heinz, controlada pela 3G e pelo grupo de investimento Berkshire Hathaway de Warren Buffett, os lucros dispararam mas as vendas caíram, o que desencadeou uma acalorada discussão sobre como alcançar o equilíbrio certo entre os lucros e o aumento da receita.

O modelo da 3G parecia imbatível — até o ano passado, quando registrou uma rara derrota. A Kraft Heinz foi obrigada a desistir de uma audaciosa tentativa de compra, por US$ 143 bilhões, da Unilever, após ter encontrado maciça resistência da parte do grupo anglo-holandês. Mas o fato de a Kraft Heinz ter se mostrando suficientemente confiante a ponto de ter como alvo uma empresa com o dobro das vendas chamou a atenção para a vulnerabilidade apresentada até mesmo pelos maiores nomes do setor.

A Reckitt Benckiser, empresa britânica que produz o alvejante de roupas Vanish e o analgésico Nurofen dividiu seus negócios em duas subsidiárias sob o guardachuva do grupo no ano passado, cada uma com sua própria contabilidade de lucros e perdas, a fim de aumentar a transparência.

Rakesh Kapoor, executivo-chefe Reckitt Benckiser, diz que a aquisição da americana Mead Johnson, de leite para bebês, por US$ 18 bilhões, precipitou a mudança: “As grandes empresas estão tendo dificuldades em superar o desempenho da média do mercado. E o motivo disso é o fato de as grandes companhias estarem enfrentando uma competição de nicho, menor e mais habilidosa. O ‘enfoque tamanho único’ é um enfoque ultrapassado.”

Os grandes grupos tentaram combater as novas ameaças de formas distintas. Mas todos, virtualmente, adotaram alguma forma de “orçamento base zero”, o programa de redução de custos popularizado pelo modelo da 3G, que prevê justificar e discutir integralmente os custos a cada ano. Isso ajudou a aumentar a lucratividade.

Muitas adaptaram seus produtos. Outras tentaram crescer por meio de aquisições. O movimento das fusões e aquisições aumentou e alguns grupos compraram as próprias startups que puseram sua hegemonia em xeque. A Unilever comprou 19 pequenas empresas nos últimos dois anos, enquanto a Danone gastou US$ 12,5 bilhões na empresa americana de alimentos naturais e saudáveis WhiteWave. Também se desfizeram de divisões de baixo crescimento — a Unilever vendeu sua divisão das margarinas Flora e Becel em 2017.

Há ainda a mudança estrutural de mais longo alcance. A Procter & Gamble, o segundo maior grupo de produtos de consumo, dona do lava-roupas Tide, das fraldas Pampers e das lâminas Gillette, reduziu o número de marcas que fabrica de 170 para 65 desde 2004. Jon Moeller, o diretor financeiro da P&G, disse num simpósio setorial em fevereiro que “a P&G é [agora] uma companhia profundamente diferente do que era há apenas alguns anos atrás”. Mas Chas Manso, analista da Société Générale, diz: “No geral, a empresa ainda está perdendo participação mundial e tendo um desempenho abaixo da média em termos de crescimento orgânico das vendas.”

Diante disso, será que essas grandes organizações, estruturadas para a produção em massa, poderão efetivamente atender à maior customização exigida pelos consumidores atuais? Será que seus problemas poderão ser resolvidos por meio da adaptação à nova tecnologia e da recuperação dos mercados emergentes?

John Zealley, diretor-executivo sênior de produtos de consumo e serviços da consultoria Accenture, diz que os grupos têm de assumir mais riscos a fim de equilibrar “o investimento em inovações, que tem retornos mais voláteis” com o restabelecimento dos produtos principais. Mas argumenta que eles têm também de aproveitar sua escala para explorar áreas como análise de dados. “Da mesma maneira pela qual o ‘fast-fashion’ reinventou o mercado de moda de massa, os atuais grupos de consumo têm de reinventar o mercado de consumo de massa”, acrescenta.

As avaliações em termos de relação preço-lucro têm se revelado resistentes, e isso sugere que os investidores acreditam que as empresas têm capacidade para fazer isso. “Um contingente significativo dos investidores não parece terrivelmente preocupado”, diz o analista James Edwardes Jones, da RBC Capital Markets. “Consideramos isso um erro.”

Edwardes Jones calculou que o retorno sobre o investimento entre empresas europeias de produtos básicos de consumo caiu 60% nos cinco últimos anos, comparativamente aos sete anteriores, o que encarece para as grandes empresas a tarefa de impulsionar o crescimento das vendas.

“Isso reflete uma alta alarmante do custo da competição que ainda não foi assimilada pelos preços das ações. Essas companhias tinham uma segurança comparável a dos bônus do governo suíço, acrescida de algum crescimento e algum retorno; isso não ocorre mais. Em vista do baixo crescimento e da perda de participação de mercado, o setor está superavaliado”, diz Jones.

“Acho que a Halo-Top não teria conseguido existir há, digamos, 20, 25 anos”, diz Justin Woolverton, o fundador da marca de sorvete sem açúcar com adição de proteínas, de Los Angeles.

Lançada em 2012, em cinco anos a marca passou a vender mais potes pequenos de sorvete que a Ben & Jerry’s da Unilever e a Haagen-Dazs, da Nestlé, nos Estados Unidos. Woolverton diz: “Com a tecnologia e a internet, o empreendedor pode fazer render seu volume limitado de dólares. Antes disso seria preciso pôr um anúncio no jornal ou fazer propaganda pelo rádio ou pela TV — e, se tivesse US$ 10 milhões para começar, poderia fazer alguma coisa. Atualmente, se ela tiver US$ 100, pode ter acesso a pessoas que vão ser muito mais receptivas.”

Alguns investidores concordam. Raphaël Pitoun, diretor de investimentos da Silern Investment Management, diz: “A reação dessas empresas é realmente notável: elas estão incorporando mais dívidas, fazendo mais fusões e aquisições com altos riscos de execução e aumentando as recompras de ações. Tudo isso é reminiscência do setor de telecomunicações antes do colapso de 2001.”

A Silern vendeu a maioria de suas participações na área de produtos básicos de consumo e está “se concentrando em algumas poucas marcas bem-posicionadas que parecem prestes a acelerar suas perspectivas de crescimento e margens por meio da transformação digital”, afirma Pitoun.

Alguns grupos, notadamente o de cosméticos Estée Lauder e o de bebidas Heineken, estão apostando na tendência e usufruindo de um sólido crescimento. Jamie Isenwater, sócio-fundador do Ash Park Capital, um fundo dedicado a produtos básicos de consumo, diz que o setor não é mais vulnerável à desestabilização do que outros.

“Um dos muitos motivos pelos quais o setor de produtos básicos de consumo fez investimentos de longo prazo de tamanha excelência é que as pessoas sempre tendem a querer comer, beber, lavar [roupa] e ter uma aparência atraente. Boa parte do falatório sobre desestabilização como grande ameaça é exagerado e boa parte da atividade competitiva que está sendo citada é completamente normal.”

No entanto, Isenwater acha que algumas empresas efetivamente têm problemas — em especial grupos americanos de alimentos. “Cinco anos atrás, se podia escolher aleatoriamente entre empresas de produtos básicos de consumo e seria possível ter um desempenho muito bom. Isso não ocorre mais — você tem de ser mais seletivo no que vai investir. Mas as empresas do quartil mais alto vão gerar exatamente o mesmo tipo de retorno que antes”, diz ele.

Por enquanto, as grandes empresas estão acompanhando suas concorrentes emergentes com muita atenção. Hall diz que a Sipsmith conseguirá se expandir para outros países com muito mais rapidez do que se tivesse permanecido independente. “Vamos continuar a dirigir a empresa da maneira pela qual começamos. Crescemos imensamente, mas somos minúsculas em termos mundiais.”

Em cinco anos, foram transferidos US$ 22 bi em vendas de empresas grandes para pequenas na América do Norte Estudo mostra que 34 dos 50 maiores grupos de consumo sofrem de lentidão no crescimento das vendas ou do lucro.

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  Em cinco anos, foram transferidos US$ 22 bi em vendas de empresas grandes para pequenas na América do Norte Estudo mostra que 34 dos 50 maiores grupos de consumo sofrem de lentidão no crescimento das vendas ou do lucro.

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