Em discussão há quase 20 anos, o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia pode estar mais próximo do que nunca de sair do papel. Uma vez concluído, a expectativa é que no médio prazo as vendas de manufaturados do Brasil à Europa possam triplicar.
No ano passado, as exportações brasileiras aos países do bloco europeu somaram US$ 34,9 bilhões, dos quais US$ 11,8 bilhões foram de manufaturados. Nessa conta, porém, entram produtos como suco de laranja e açúcar, que apesar de industrializados, têm sua base produtiva no campo. Ou seja, a pauta exportadora é composta principalmente por produtos básicos, exatamente o que o acordo tem possibilidade de modificar.
“Não é nenhum exagero imaginarmos que podemos triplicar as exportações de manufaturados para a Europa em um prazo de dois a cinco anos após o fechamento do acordo”, diz o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, José Augusto de Castro.
Segundo ele, porém, isso só irá ocorrer caso o País avance nas reformas tributária e previdenciária, além de melhorar a questão logística. “Não exportamos mais para a Europa por conta da questão tarifária, mas porque não temos preço competitivo. Somos exportadores de impostos”, complementa Castro.
De forma geral, o setor produtivo defende o acordo, mesmo com as preocupações em relação à abertura comercial do Brasil, via Mercosul, aos produtos europeus. O gerente de política industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Fabrízio Panzini, defende que a abertura seja “gradual e planejada”, sobretudo em setores estratégicos e que tenham as tarifas mais elevadas. “O acordo vai ser uma oportunidade de inserir o Brasil no comércio internacional, mas terá que ser acompanhado de uma agenda de reformas internas”, diz Panzini.
OportunidadeEntre os produtos brasileiros manufaturados que podem ganhar espaço na Europa estão calçados, autopeças e móveis. “São artigos relevantes, mas que o Brasil perdeu espaço nos últimos anos”, avalia Castro, acrescentando que, pelo lado inverso, o País poderia incrementar as compras, sobretudo, de bens de capital. “O Brasil é um país em desenvolvimento, que vai precisar comprar muita máquina e equipamento”, acrescenta. Dos vinte itens mais relevantes da pauta exportadora brasileira, atualmente, apenas dois completamente industriais – tubos flexíveis de ferro ou aço e torneiras e outros dispositivos para canalização – estão entre os mais exportados. As maiores compras europeias são de café, soja e minérios de ferro.
De acordo com levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), já foram identificados cerca de 1.000 produtos em que apenas o Brasil teria vantagens competitivas no mercado europeu. Desse total, aproximadamente 64% contam com alguma espécie de tarifa de importação, o que seria eliminado com o fechamento do acordo entre os blocos.
“O acordo não deve ser visto apenas do ponto de vista tarifário, mas pelas vantagens ao setor industrial no acesso ao mercado de compras governamentais e pelo incremento das oportunidades de investimentos bilaterais”, acrescenta Panzini, reforçando que quase dois terços do comércio global se dão por meio de transações intercompany, ou seja, realizadas entre empresas instaladas em países diferentes. “Com certeza, esse vai ser o acordo mais relevante que o Mercosul poderá fazer”, diz.
Entre as associações que esperam pelo encerramento das negociações estão as indústrias química (Abiquim), eletroeletrônica (Abinee), têxtil e confecções (Abit), proteína animal (Abpa), veículos (Anfavea), componentes automotivos (Sindipeças) e também cana-de-açúcar (Unica).
Segundo o presidente da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), Fernando Figueiredo, o setor é favorável à abertura comercial tanto pelas possibilidades de incremento das exportações quanto pela redução dos custos de importação, como de insumos importados usados pelas indústrias. Na corrente de comércio entre UE e Brasil, o setor químico e suas indústrias correlatas estão entre as que registram os maiores déficits da balança. Em 2017, enquanto o Brasil vendeu US$ 1,525 bilhão aos europeus, comprou da UE outros US$ 9,159 bilhões, gerando um saldo negativo de US$ 7,6 bilhões.
Outra área interessada é a de veículos. O déficit comercial brasileiro no ano passado na categoria de automóveis, caminhões, tratores e suas partes e acessórios com a UE somou US$ 1,927 bilhão – resultado de US$ 313,5 milhões em exportações, mas de US$ 2,241 bilhões em importações. Recentemente, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antonio Megale, defendeu o acordo, mas com uma abertura gradual do mercado. A avaliação é de que o Brasil, por outro lado, precisaria aperfeiçoar questões como especificações técnicas de segurança e de emissões de poluentes para poder atender à Europa.
Na área têxtil, as expectativas também são positivas. Segundo o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções (Abit), Fernando Pimentel, o Brasil poderia se beneficiar do acesso ao mercado com produtos como “moda praia”, mas poderia ter, por exemplo, o incremento das compras de roupas de “grife”, de maior valor agregado. “Vemos com bons olhos, mas não podemos fechar um acordo a qualquer custo”, diz Pimentel.
Em 2017, as exportações de materiais têxteis como seda, algodão, fibras, tecidos e vestuário e acessórios somaram US$ 122,7 milhões, mas as importações chegaram a US$ 304,02 milhões – gerando um déficit de US$ 181,3 milhões.
ReuniãoEntre hoje (29) e amanhã (30), em Bruxelas, a Comissária de Comércio da União Europeia (UE), Cecília Malmstrom, receberá os ministros do Mercosul, ocasião em que os europeus deverão complementar suas ofertas destinadas ao fechamento do acordo. Entre os principais entraves estão aqueles relacionados à abertura do mercado europeu à carne (onde os países do Mercosul são competitivos) e ao etanol e ao açúcar, onde o Brasil tem maiores vantagens.
Segundo informou ao DCI o Itamaraty, foram concluídos os capítulos de concorrência, cooperação aduaneira, facilitação de comércio e solução de controvérsias. Adicionalmente, estão perto da conclusão os capítulos de compras governamentais, questões sanitárias e fitossanitárias, desenvolvimento sustentável e defesa comercial. “A avaliação é de que houve progresso significativo nas negociações do acordo de associação Mercosul-UE, com a realização de oito reuniões negociadoras ao longo de 2017”, informou o Ministério das Relações Exteriores.
Em nota ao DCI, o ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Jorge de Lima, informou que o Mercosul aguarda a sinalização europeia sobre temas agrícolas para definir os próximos passos. Na avaliação do ministro, há a expectativa de avanço das negociações. “O MDIC trabalha duramente para que o acordo enfim seja assinado”, garante.