Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Anna Carolina Negri/Valor / Anna Carolina Negri/ValorKiko Smitas: canais mais fortes são lojas de brinquedos e de artigos para festas, com respectivos 33% e 35% das vendas

É razoavelmente fácil encontrar fadas e super-heróis pelo Brasil: eles podem ser vistos em shoppings, festas de aniversário, pontos de ônibus. Às vezes de mãos dadas com seus pais. Também não é difícil achar bruxas e monstros, especialmente em 31 de outubro, dia do Halloween, quando eles percorrem ruas e corredores de prédios ameaçando com travessuras quem não oferecer balas e outras gostosuras. Mas não era assim 18 anos atrás, quando Henrique Márcio (ou "Kiko") Smitas, 51 anos, começou a fabricar em sua empresa, a Sulamericana, as roupas que transportam milhões de crianças para o mundo da fantasia. A empresa sequer era uma confecção.

Instalada no bairro da Água Branca, em São Paulo, hoje ela tem praticamente o monopólio do mercado de fantasias adultas e infantis no Brasil, graças à insistência de seu fundador em trabalhar com artigos exclusivos e a uma estratégia que incluiu sucessivos contratos de licenciamento e ações de marketing nos pontos de venda dos clientes. Hoje, seus maiores concorrentes são fabricantes informais espalhados pelo país.

A Sulamericana tem 40 licenças, fabrica 3.200 itens diferentes e está em cerca de 5 mil pontos de venda, de um total aproximado de 4 mil clientes.

Embora não revele o faturamento da empresa, o presidente da Sulamericana admite que já ultrapassou R$ 18 milhões anuais e que o crescimento anual tem sido muito superior ao do PIB: em 2013, foi de 13,3% e a expectativa para este ano é de mais de 14%.

O sucesso no mercado de fantasias é o ápice de um percurso profissional iniciado por Smitas como office boy de uma corretora de seguros: ele tinha 15 anos e esse foi o seu primeiro emprego. Foi logo após a morte de seu pai, fato que o forçou a interromper o curso colegial. "Meu pai tinha uma loja de automóveis na alameda Barão de Limeira. Comércio era uma coisa que já estava no meu sangue", conta Smitas.

O emprego na corretora durou pouco. Um tio, que tinha uma empresa na área de confecções, convidou-o para trabalhar. "Comecei como promotor de vendas, cheguei a supervisor, depois assumi um cargo de representante comercial. A empresa fabricava moda praia infantil. Fiquei ali uns cinco anos, e adquiri experiência tanto na área comercial quanto na industrial."

De família judia, ao fazer 21 anos Smitas entrou num programa de voluntariado em Israel - deveria durar seis meses, mas se prolongou por dois anos.

Ali, viu a oportunidade para aprender línguas: "Quando cheguei lá, me colocaram num programa onde só havia brasileiros. Mas eu pedi para me trocarem de grupo, e me colocaram num onde não havia brasileiros. Acabei saindo de lá falando mais três idiomas: inglês, hebraico e espanhol. Isso me deu a oportunidade de conhecer pessoas e de me relacionar com gente do mundo inteiro. Durante muito tempo fiz negócios com Israel apenas pelo fato de falar hebraico", revela.

Ao voltar para o Brasil, não foi procurar um emprego - sua vocação empreendedora havia emergido e ele já tinha conhecimentos suficientes para abrir uma confecção: "Minha nova empresa se chamou Pitfall. Ela produzia moda jovem e chegou a fornecer para outros fabricantes como Mr.Kitsch, NDA e até para a M.Officer, que estava começando. Fomos muito bem até o começo dos anos 90. Mas com a entrada do governo Collor a vida de quem produzia ficou muito difícil. Em compensação, ele abriu o caminho das importações", lembra Smitas. Antes que a Pitfall quebrasse por causa da conjuntura econômica ele decidiu fechar a empresa.

Ao procurar uma nova oportunidade de negócios, descobriu que a importação de brinquedos podia ser um bom caminho: havia a abertura das importações, o fato de falar outros idiomas e o conhecimento de um sócio que vinha do ramo de brinquedos. "Decidimos abrir a distribuidora Sulamericana, para trabalhar com brinquedos importados. Na verdade, abrimos naquele momento várias frentes comerciais em importação: brinquedos, bichos de pelúcia para aquelas gruas que pegam bichinhos em parques de diversões. Havia também alguns produtos da área industrial - favorecido pela língua, eu me tornei amigo de um israelense que fabricava correias e esteiras para a indústria alimentícia e de cerâmica. Eu importava e fornecia para reposição em cerâmicas de Santa Catarina e para indústrias alimentícias como Sadia e Perdigão ", relembra.

Estratégia é comprar licenças para fabricar fantasias do maior número possível de personagens

Quase quatro anos depois, quando veio o Plano Real, a importação e distribuição de brinquedos já representava 90% do faturamento da Sulamericana. Mas os fabricantes nacionais, que haviam perdido mercado para as mercadorias chinesas, estavam reagindo, explica Smitas: "A Abrinq, associação dos fabricantes, conseguiu medidas do governo para poder salvar a indústria nacional, que não conseguia competir com os importados. Houve um aumento de impostos e a entrada de outros mecanismos para dificultar a importação, incluindo a certificação do Inmetro. Isso atrapalhou bastante, porque o custo para certificar um produto é bastante alto".

E no fim de 1994, conta ele, um fato mudou de vez o rumo da empresa: "Meu sócio estava numa feira na China e lá encontrou todos os nossos principais clientes, fazendo compras diretamente com os nossos fornecedores - o que significava que não comprariam mais conosco. O que aconteceu é que com as salvaguardas e com a variação cambial a importação só era viável sem a margem do intermediário, que éramos nós. Comprando direto do fabricante, ainda era viável importar, e era isso o que eles estavam fazendo", relata o presidente da Sulamericana.

Ao descobrir esse fato, o sócio e responsável pela área de vendas entrou em depressão: a empresa tinha exclusividade de distribuição de uma das maiores fábricas de brinquedos da China, trazendo para o Brasil um total de 20 contêineres por ano, mas naquele momento a exclusividade havia terminado: "Os chineses explicaram que um dos nossos clientes havia contratado a importação de 40 contêineres direto da fábrica. Meu sócio concluiu que o nosso negócio estava sendo estrangulado."

Smitas vislumbrou uma saída para permanecer com a vantagem de distribuir produtos exclusivos: "Eu falei a ele por telefone, 'por que você não procura produtos licenciados?' Isso nos daria uma certa exclusividade. Naquele momento, eu percebi que o diferencial seriam os produtos licenciados: seria uma forma de nos mantermos no mercado. Todos aqueles clientes, que eram os grandes magazines, poderiam comprar os brinquedos 'genéricos' diretamente na China. Mas os licenciados eles teriam de comprar conosco. Eu achei que talvez fosse esse o caminho para que pudéssemos continuar a nossa distribuição", acrescenta.

Mas não adiantou: o sócio decidiu abandonar o empreendimento. Smitas ficou com a empresa e uma charada: o que fazer com uma estrutura que servia para importar e distribuir mercadorias. "Eu conhecia os clientes, mas não tanto quanto ele. Eu cuidava mais do marketing, do administrativo e do financeiro... No início de 1995, logo após a cisão, fui a uma feira de brinquedos em Nova York. Não encontrei nada interessante e uma noite fui jantar na casa de um amigo israelense. Enquanto jantávamos, a filha dele entrou correndo na sala, vestida com uma fantasia dos Power Rangers. Eu ainda não sabia o que era aquilo, mas a alegria daquela criança brincando, eufórica, imitando lutas marciais... aquilo me comoveu", diz Smitas.

Os Power Rangers eram os personagens que mais faziam sucesso na TV naquele momento, conta ele, e a fantasia era um produto vendido para as crianças na época do haloween: "Depois que eu toquei no tecido da fantasia e senti a textura, percebi que era uma coisa que estava dentro do meu conhecimento, que eu saberia fazer. E concluí que aquilo não era só uma roupa, mas também um brinquedo que eu poderia fabricar e distribuir, vender não só no Halloween, mas também no Carnaval e em outras datas. Naquele momento eu senti que conseguiria dar a volta por cima", conta emocionado Kiko Smitas. Na mesma noite, ele ligou para sua secretária e pediu que no dia seguinte localizasse quem detinha no Brasil a licença para os Power Rangers.

Em abril de 1995, menos de quatro meses depois, as primeiras fantasias de Power Rangers da Sulamericana chegavam à rede de lojas Ri Happy: "O Ricardo Sayon, dono da rede, acreditou em mim. Muitos outros me disseram para voltar perto do próximo Carnaval, porque aí venderiam melhor. Foi duro explicar a todos que eles que poderiam vender em outras datas, e que eu faria as promoções nos pontos de venda", diz. A insistência valeu a pena: a produção inicial, que deveria ficar em 50 mil peças, alcançou 150 mil. Foi preciso, no entanto, vencer outras resistências, inclusive nas ruas: "Certa vez, fazíamos propaganda para as vendas do Halloween usando carro de som num subúrbio do Rio, e outro carro de som, de uma igreja evangélica próxima, berrava que aquilo era coisa do demônio, que as pessoas não deviam comprar", recorda.

A estratégia de crescimento e de ocupação do mercado era mais ou menos óbvia para Kiko Smitas: continuar adquirindo licenças para fabricar fantasias do maior número possível de personagens de sucesso entre as crianças - Disney, Marvel, Mattel, Cartoon Network, de tudo ele licenciou. O que não o impediu de lançar versões para adultos, bebês e até para cães e gatos. Por uma questão estratégica, hoje a Sulamericana vende inclusive pela internet (6% da produção), e por insistência de clientes abriu uma loja de fábrica, na sua sede em São Paulo. Os canais mais fortes, contudo, são mesmo as lojas de brinquedos e de artigos para festas, que respondem respectivamente por 33 e 35% das vendas.

Os próximos passos da empresa ainda estão em planejamento, mas Kiko Smitas já não faz isso sozinho: sua filha mais velha, Julie, e o sobrinho Thomer Elkrief estão progressivamente assumindo funções executivas na empresa, para poderem no futuro administrar a Sulamericana. E para que o fundador possa ter mais tempo para praticar seus esportes preferidos - cavalgar e esquiar na neve do Colorado.


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Por Paulo Brito | Para o Valor, de São Paulo

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