Nos últimos anos, não era difícil encontrar empresários do varejo com um sorriso aberto. Em média, as vendas cresceram 7% no período de 2004 a 2014. A empolgação do setor levou grandes redes, como Renner, Riachuelo e Marisa, a fincarem bandeira até mesmo na badalada – e cara – avenida Paulista, cartão-postal e reduto financeiro dos paulistanos. O boom de crédito e a geração estupenda de empregos formavam uma combinação perfeita. Mas agora, com um cenário econômico em franca deterioração, o quadro mudou. “As consumidoras entram, olham, mas não querem levar nada”, diz Isa Maria, gerente de uma loja de roupas femininas no bairro da Lapa, zona oeste de São Paulo.
O desânimo da funcionária tem uma explicação. A renda real da sua clientela está encolhendo, pela primeira vez em 11 anos. Numa espécie de tempestade perfeita, o mercado de trabalho dá sinais de desaquecimento – a taxa de desemprego subiu de 4,3% em dezembro para 5,3% em janeiro –, no momento em que a inflação anual disparou para patamares superiores a 7%. Com mais trabalhadores disponíveis no mercado, os sindicatos têm menos espaço para negociar reajustes reais, que superem a elevada inflação. Ao mesmo tempo, empresários acabam aproveitando o momento para trocar funcionários com salários mais altos por outros que aceitem ganhar menos.
O resultado é uma renda menor. “Nesse quadro de inflação alta e aumento de desemprego, a renda não resistirá”, diz a economista da Tendências Consultoria Alessandra Ribeiro, que prevê recuo de 0,5%. Há projeções ainda mais pessimistas que apontam uma queda real de até 2% do rendimento do trabalho em 2015. O cenário é muito diferente do registrado entre 2003 e 2014, quando a média salarial acumulou um ganho de 33% acima da inflação. “Com esse choque econômico e a crise, a desaceleração do mercado de trabalho vai se intensificar”, afirma Miguel Foguel, pesquisador do IPEA.
A perda do poder aquisitivo é ainda mais relevante para a população de baixa renda, pois o peso dos itens com as altas expressivas, como energia e transporte, sobre o orçamento domiciliar é maior. Isso ajuda a explicar porque a queda nas vendas pode ser mais intensa no comércio popular. Um indicador recém-criado pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de São Paulo (Fecomercio-SP) para detalhar o efeito do ajuste econômico e da crise hídrica no bolso dos brasileiros mostra um impacto bem superior do que o sugerido por dados gerais de preços.
O “índice da crise”, como passou a ser chamado, mede a evolução dos preços apenas em itens essenciais (alimentos, habitação e transporte), considerando o peso sobre o orçamento familiar por classes. Em janeiro, o índice avançou 2,68% , quase o dobro do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), usado como referência para a negociação salarial. O impacto é maior conforme se olha para as rendas menores – na classe E, chega a 3,11% ao mês. Ou seja, a maior parte dos reajustes está concentrada justamente nos custos mais básicos.
“Cerca de 60% do orçamento familiar, em média, está comprometido com itens essenciais e que têm sistematicamente aumentado de preço”, diz Julia Ximenes, economista da Fecomercio-SP. “O comprometimento da renda está aumentando e a situação tende a persistir.” Para 2016, há um desafio adicional. O reajuste do salário mínimo – rendimento de cerca de 25% dos trabalhadores brasileiros – terá como base o crescimento de 2014, o que significará alta real praticamente nula, ou R$ 1,10 em valores, segundo as últimas projeções. Neste ano, o ganho real foi de 2,49% (R$ 18,47).
Na sexta-feira 13, o IBGE divulgou que, em janeiro, as vendas do varejo acumularam alta de 1,8% em 12 meses, muito pouco para um setor que crescia em ritmo chinês. Do comércio popular aos shoppings, passando pela avenida Paulista, as palavras de ordem são criatividade e promoção para atrair os clientes. “É muito importante estar com um mix de produtos mais ajustado à tendência de diminuição da renda disponível da população”, afirmou Marcio Luiz Goldfarb, presidente das Lojas Marisa, em recente apresentação a investidores. Com a renda mais curta, os comerciantes sabem que será cada vez mais difícil fisgar uma fatia do orçamento domiciliar dos brasileiros.
Fonte: Istoé Dinheiro