Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Regis Filho/Valor / Regis Filho/Valor

Montenegro: "Pulverização da cadeia no setor têxtil se mostra vantajosa quando se quer exclusividade"

Antes de chegar ao Brasil como produto acabado, as camisas importadas pela Blackhill Produtos Têxteis passaram por pelo menos três países para completar todas as etapas de fabricação, percurso equivalente a 34 mil quilômetros, somando todos os trechos entre Itália, Índia e China. A coleção de camisaria é idealizada na Itália, o tecido é comprado na Índia e a confecção é feita na China.

A logística entre Europa e Ásia para produção das roupas é apenas um dos elementos usados pelo empresário cearense Cleto Montenegro, presidente do grupo têxtil Blackhill, para abastecer grifes de alto padrão com lojas em São Paulo e outras cidades do Brasil.

No caso das camisas polo, o processo de compra do tecido e fabricação se concentra na América do Sul. Já a compra da malha e a montagem da peça são feitos no Peru, na mesma fábrica que produz para a Lacoste e a Ralph Lauren. A Colômbia e o Paraguai deverão entrar em breve para o conjunto de países com os quais o empresário faz negócio. A pesquisa de coleção - que envolve estudo de cores, tendências e lavagens - tem contribuições dos EUA e Amsterdã.

Na sua carteira de clientes estão nomes como Via Veneto, Brooksfield, VR, Crawford, Siberian e Mandi, entre outras. "Há outras marcas interessadas nos meus produtos. Já fui sondado por outras grandes marcas, como Dudalina, Timberland e Alpargatas ", diz Montenegro, que traduziu o sobrenome para o inglês ao batizar a empresa de Blackhill.

O portfólio de produtos da empresa é composto por camisaria - estilo social, esporte, sportwear e fit; por camisas polo - com ou sem botões; malharia - desenvolvidas com gramaturas diferentes para cada estação e mercado; e shorts.

As peças "da parte de baixo", como se diz no jargão de mercado, ou seja, shorts, bermudas e calças, são produzidas no Brasil, na fábrica do grupo em Fortaleza, mais precisamente no bairro de Manuel Sátiro - periferia da cidade. Essa linha de produtos abastece grifes locais, como Bransk, Hammel, Häufen e Zefirelli. "São peças com alta demanda o ano todo no Nordeste e em outras regiões com similaridade climática", diz Montenegro.

A venda de roupas importadas representa 50% do faturamento do grupo, o restante é gerado localmente. O modelo de negócio híbrido, segundo o empresário, o ajudou a montar uma ampla carteira de produtos - parte deles com baixa influência sazonal e a outra parte com perfil mais exclusivo e com qualidade.

"A pulverização da cadeia de produção no setor têxtil se mostra vantajosa quando se quer trabalhar com exclusividade. Não teria a mesma singularidade de estampas e qualidade de tecido no Brasil", afirma Montenegro.

A primeira importação da Blackhill foi possível porque ele incluiu seu pedido no de um grande comprador

O fato de uma roupa ser feita na China não a impossibilita de ser exclusiva. O empresário cita o caso da camisaria. "Eu já fiz camisas no Brasil, mas elas saíam parecidas com as de outros fabricantes. Isso acontece por que há cerca de meia dúzia de fábricas com qualidade deste tipo no país. Fora isso, os designers são os mesmos", diz.

Atualmente, a Blackhill trabalha com dois designers europeus - um fica na Itália e o outro, na Holanda. Os dois participam das principais feiras de moda da Europa. A profissional de Amsterdã se encarrega de pesquisar a lavagem dos jeans e camisas polo. Na Itália, o designer da cidade de Corio, Alessandro de Milano, cuida da parte de camisaria.

Os desenhos saem de lá para Fortaleza. Depois de aprovados, vão para a Índia, onde o tecido é fabricado. Uma vez pronto, a tela segue de navio para a China, onde as peças serão fabricadas. O produto acabado é exportado para o Brasil. A carga entra pelo Porto de Suape, localizado em Pernambuco.

A organização é crucial neste processo de importação, destaca Montenegro. A decisão relativa à cor, tecido, aviamento, entre outros itens, precisa ser tomada seis meses antes de o produto chegar ao Brasil em sincronia com a estação local. "Dependo do trabalho de pesquisa que é feito lá fora para se chegar aí", afirma o empresário.

O mesmo tipo de engenharia é feito com os parceiros da América Latina. Do Peru, compra as camisas polo feitas com o algodão Pima. A matéria-prima é considerada de altíssima qualidade por uma série de características, entre elas, por ser colhida manualmente, o que ajuda a preservar as características do produto. Outro aspecto é a capacidade de absorção dos corantes de tingimento.

"O custo da tinturaria é um elemento importante na composição do preço", diz Montenegro, ao explicar que os corantes têm solidez que varia de 1 a 5. Os mais simples custam R$ 5 cada 100 gramas. Eles suportam só quatro ou cinco lavagens sem desbotar. Os corantes de solidez 5, que chegam a custar R$ 500 para 100 gramas, são resistentes a alvejantes e praticamente não desbotam.

A experiência acumulada ao longo de 30 anos no setor têxtil faz o empresário falar dos detalhes de cada etapa de fabricação com a propriedade de quem não gerencia o negócio de longe. "Teve um tempo em que eu viajei sozinho para as feiras, fiz as pesquisas, escolhia os tecidos na Índia e orientava as especificações dos meus produtos no chão de fábrica na China. Fazia isso três ou quatro vezes ao ano", conta.

A primeira viagem à China aconteceu após uma palestra motivacional feita por Montenegro para seus 80 funcionários. "Eu falava sobre a importância da competitividade para combater a invasão de produtos chineses. A última frase foi: a China está na nossa porta. Fiz as malas e viajei para participar de uma feira têxtil." O único contato do empresário era um amigo inglês que tinha um escritório em Xangai.

A primeira importação só foi possível porque adicionou o pedido dele ao de um grande comprador. "As quantidades na China são gigantescas, eu era muito pequeno. Mesmo assim, comprei 15 mil camisas polo sem ter cliente certo", diz.

Só conseguiu vender tudo porque importou peças exclusivas e prontas para personalização de marcas sem conflito de interesses. "Eu posso dizer que é um segredo industrial. Pedi para fabricarem a camisa com a gola descosturada na altura da etiqueta para que as grifes adicionassem os seus nomes", conta. Na época, o comum era prensar a etiqueta com o calor. "Se passasse um segundo do tempo, queimava a roupa", lembra. A estratégia da gola aberta eliminava este risco.

"Este foi o ponto de inflexão no meu modelo de negócio. Foi quando ganhei escala e desenvolvi um formato híbrido", diz Montenegro. O passo seguinte foi criar um grupo de clientes de cidades diferentes para evitar o conflito de interesses nas peças. "Isso me deu escala para voltar a comprar na China", destaca.

Aos poucos ganhou a confiança de marcas como Crawford, Siberian, TNG e Brooksfield - seu principal cliente. Chegou a vender dois ou três anos para a Daslu. Como uma marca grande chama a outra, passou a exportar camisas polo para a marca argentina La Martina e se tornou fornecedor da mesma grife no Brasil.

Depois de quase vinte anos desde a sua criação, Montenegro prepara a Blackhill para entrar em uma nova fase: entrada de investidores. Para isso, conta com a assessoria da Fundação Dom Cabral para realizar a reestruturação contábil, montar o plano de negócios e realizar o estudo dos mercados potenciais de venda.

O grupo Blackhill é formado pelas empresas BR Têxtil e Mercor. "No curto prazo, vou aglutinar as três empresas em apenas uma, a BR Global, que já foi constituída", diz. A opção pela entrada de investidores não representa uma intenção futura de venda.

O empresário diz que não há muitas opções para fazer uma alavancagem financeira no médio prazo. "Os bancos, além de caros, impõem um nível de dificuldade muito grande para oferecer crédito. É preciso ter um rating impecável e a contabilidade em dia", afirma.

Pela análise de potencial de mercado feito pela escola de negócios, a Blackhill tem capacidade de crescer três vezes em relação ao tamanho atual. Por ano, o grupo fatura R$ 35 milhões e apresenta crescimento médio de 10% ao ano. O seu volume de vendas está em torno de 900 mil peças por ano, somando os itens importados e os produzidos localmente.

Boa parte das perspectivas positivas do empresário se baseia na projeção de crescimento do Nordeste. "A região é a que apresenta maior potencial de expansão em 2014", afirma, citando estudo feito pela Tendências Consultoria, que mostra que o ciclo de expansão acima da média nacional no Nordeste se estenderá ao menos até 2018. Montenegro ressalta ainda que o Ceará está entre os cinco maiores produtores do setor de vestuário do país, segundo o levantamento de Perfil Setorial Vestuário de 2013, feito pelo Instituto de Desenvolvimento Industrial do Ceará.

A Blackhill foi criada em 1995, em um galpão de 40 metros quadrados, ocupado por dez costureiras que produziam basicamente camisas de malha para o varejo local. Hoje a companhia, que já mudou de endereço três vezes para comportar o crescimento físico e empregar atualmente de forma direta 150 funcionários.

"Eu já paguei meus cursos de Harvard" - frase usada com frequência para lembrar como os erros foram importantes na construção da sua experiência profissional. Formado em engenharia têxtil pela Universidade Federal do Ceará, Montenegro iniciou no setor como estagiário na Tomás Pompeu Fiação Tecelagem. "Tive de trabalhar desde cedo. Casei aos 17 anos. Tive três filhos do primeiro casamento. Do segundo, outros dois", conta. Hoje, aos 53 anos, pretende seguir trabalhando. "Eu poderia passar a bola para meus filhos e aproveitar mais a casa de praia, mas ainda há mais cursos de Harvard a serem feitos", conclui.


© 2000 – 2014. Todos os direitos reservados ao Valor Econômico S.A. . Verifique nossos Termos de Uso em http://www.valor.com.br/termos-de-uso. Este material não pode ser publicado, reescrito, redistribuído ou transmitido por broadcast sem autorização do Valor Econômico.

Leia mais em:

http://www.valor.com.br/empresas/3499854/camisas-de-grife-montam-re...
Por Tatiana Schnoor | De São Paulo

Exibições: 634

Responder esta

Respostas a este tópico

A venda de roupas importadas representa 50% do faturamento do grupo, o restante é gerado localmente.

"Eu já fiz camisas no Brasil, mas elas saíam parecidas com as de outros fabricantes.

A Blackhill foi criada em 1995, em um galpão de 40 metros quadrados, ocupado por dez costureiras que produziam basicamente camisas de malha para o varejo local.

Formado em engenharia têxtil pela Universidade Federal do Ceará, Montenegro iniciou no setor como estagiário na Tomás Pompeu Fiação Tecelagem.

Responder à discussão

RSS

© 2024   Criado por Textile Industry.   Ativado por

Badges  |  Relatar um incidente  |  Termos de serviço