Da Agência Globo
Economia da China está muito ligada à da NigériaFoto: AFP
Emeka Ezelugha estava animado para abrir um centro de treinamento em computação. Ele poderia ensinar aos conterrâneos algumas habilidades e ainda ganhar a vida. Mas logo depois que o centro abriu as portas em um prédio precário de dois andares em Lagos, na Nigéria, um incêndio tomou conta da principal sala de aula. As chamas incineraram 30 computadores, além de televisores e aparelhos de ar condicionado. Não havia dúvida de quem fosse o culpado: um dos doze filtros de linha que enchiam a sala. O equipamento defeituoso foi feito na China, embora o vendedor jurasse que fosse britânico.
— O cara tentou me convencer que o equipamento era da Inglaterra. Fiquei surpreso quando tudo aconteceu — afirmou Ezelugha.
Em todo o país, produtos chineses de baixo custo estão em toda parte, mostrando o poderio crescente de Pequim no mercado global. Isso ajudou a manter o custo de vida baixo para milhões de famílias nigerianas, em um momento em que o país enfrenta a estagnação econômica, a queda do preço de commodities e o custo mortal da insurgência do Boko Haram.
Mas os produtos mal feitos ou falsificados são um problema nacional na Nigéria, a maior economia da África, onde consumidores de baixa renda têm poucas alternativas. Alguns produtos de segunda linha são benignos, como as camisas, calças e vestidos feitos na China que enchem as bancas das lojas populares com suas costuras tortas e fios soltos. Mas fios elétricos, tomadas e filtros de linha chineses, presentes em todas as casas e escritórios do país, estão ligados a dezenas de incêndios todos os anos apenas em Lagos.
O relacionamento entra a China e a Nigéria é uma rede complexa de dependências, replicada em dezenas de países em desenvolvimento ao redor do planeta, como o Chile, a Etiópia e a Indonésia. Essas conexões são fundamentais para as ambições globais do país asiático. O presidente chinês Xi Jinping separou US$ 60 bilhões para assistência ao desenvolvimento no continente africano.
Entretanto, essas iniciativas também trazem desafios novos e imprevisíveis para Pequim. A China emprestou muito dinheiro para países exportadores de commodities, que agora enfrentam dificuldades com o baixo preço de seus produtos no mercado global. Ao mesmo tempo, o setor industrial supercompetitivo da China devastou concorrentes de menor escala na África, Ásia e América Latina.
Para financiar o comércio com a Nigéria, os chineses investem bilhões de dólares na construção de rodovias, linhas de trem, terminais aéreos, usinas elétricas e outras infraestruturas fundamentais para o país africano. A China é a principal credora da Nigéria, onde a instabilidade política e a violência afastam os investidores ocidentais.
A Nigéria, por sua vez, tornou-se o maior cliente internacional das construtoras chinesas. Trata-se de um mercado importante para Pequim, em um momento de desaceleração do crescimento na China. Mas o alcance político e econômico chinês começa a enfrentar resistência na Nigéria, tornando-se um risco para a estratégia global de Pequim.
NIGERIANOS CULPAM CHINA POR DESEMPREGO - Na capital Abuja, o novo governo está realizando investigações anticorrupção em grandes contratos de construção chineses assinado pelo governo anterior. Os governos dos estados nigerianos enfrentam dificuldades para pagar muitos desses projetos, expondo a China à possibilidade de perdas consideráveis.
Em Kano, manifestantes enfurecidos tomaram as ruas e culpam a China pela falta de empregos. Os tecidos coloridos ao estilo africano agora são fabricados pelos chineses por valores muito mais baixos, levando o número de vagas no setor têxtil nigeriano a passar de 600 mil há duas décadas para apenas 20 mil atualmente.
Em Lagos, as autoridades estão tentando acabar com produtos elétricos de segunda linha vindos da China. Os filtros de linha e fios elétricos importados são feitos com uma liga de cobre inadequada para lidar com o sistema nigeriano de 240 volts, afirmou Wanza Kussiy, diretor de segurança do Instituto Nacional de Metrologia do governo nigeriano.
Zhang Sen, o vice-secretário-geral da Associação de Produtos Eletrônicos controlada pelo governo chinês, afirmou que o grupo está analisando os incêndios ocorridos na Nigéria.
— Ainda precisamos fazer mais investigações antes de dizer que os culpados são os produtos chineses.
As autoridades nigerianas estão frustradas. A corrupção é um problema generalizado, dificultando a aplicação dos padrões de qualidade. Além disso, os produtos chineses são tão dominantes no mercado que os consumidores não têm muita escolha. Ezelugha precisou emprestar muito dinheiro para reabrir seu centro de treinamento após o incêndio. Mas os filtros de linha continuam sendo chineses. Não havia nenhuma outra opção no mercado. Em teoria, a Nigéria deveria ter alguma vantagem no mercado, especialmente em setores que contam com muitos trabalhadores, como é o caso da indústria têxtil.
Com os altos índices de desemprego na Nigéria, os donos de fábrica não têm dificuldade de encontrar trabalhadores dispostos a receber o salário mínimo, de apenas US$80 ao mês. Em comparação, fábricas de roupas na China pagam cerca de US$ 550 ao mês aos funcionários e ainda assim não encontram trabalhadores em número suficiente.
Apesar dos custos mais altos, ainda é mais barato e mais fácil produzir roupas em massa no país asiático. Um dos obstáculos para a construção de uma indústria de larga escala em países como Bangladesh é que a Nigéria impõe tarifas bastante altas sobre tecidos importados, um legado de seu passado como grande produtora de algodão e tecidos feitos a mão. Outro desafio é que sua rede elétrica não é confiável. Por isso, as fábricas dependem de geradores a diesel, comprando combustível a um preço seis vezes mais alto que o quilowatt-hora pago pelas concorrentes chinesas.
O governo nigeriano deseja reavivar a indústria nacional, especialmente com a queda do preço do petróleo. Abdulkadir Musa, o recém-aposentado secretário permanente do ministério da Indústria, do Comércio e do Investimento da Nigéria, afirmou que o governo pensava em reduzir as tarifas sobre materiais para a indústria têxtil que não são fabricados na Nigéria, possivelmente incluindo botões. “Queremos dar um novo começo para nossa indústria, agora que o petróleo está em baixa”, afirmou Musa, acrescentando que apostar todos os ovos na exportação de petróleo “foi um erro, ao invés de uma solução”.
Por enquanto, os nigerianos não conseguem competir. O colapso da indústria é mais que uma questão simplesmente financeira. O processo também gera temores de um possível crescimento do Boko Haram, o grupo insurgente condenado pelos sequestros e a escravização sexual de mulheres e meninas. O Boko Haram tem atraído jovens no nordeste da Nigéria, a região mais pobre do país.
Emir Muhammadu Sanusi II, o chefe tradicional de Kano no norte da Nigéria, viu a devastação de perto. Em frente a seu palácio há uma grande marca de incêndio. Em 2014, um grupo ligado ao Boko Haram jogou três bombas em meio à multidão e usou armas automáticas para atirar nos sobreviventes. Cerca de 500 pessoas morreram.
— Os chineses basicamente copiam todos os produtos têxteis da Nigéria. Eu me preocupo com o que poderia acontecer a Kano com tantos jovens e tantos setores da indústria em crise — afirmou Emir Sanusi.
Os projetos de infraestrutura financiados e construídos pela China deveriam representar uma grande esperança para a Nigéria.
A Nigéria passou por uma série de golpes e uma guerra civil nos anos 60, nacionalizando boa parte das empresas estrangeiras nos anos 70. Com isso, o país ficou com fama de quebrar ou renegociar contratos, afastando inúmeros parceiros estrangeiros. Os riscos levaram as empresas ocidentais a exigir lucros consideráveis antes de investir qualquer dinheiro no país — retornos na ordem de 25 a 40 por cento ao ano. Por outro lado, os parceiros chineses estão dispostos a receber menos de 10%.
O novo governo nigeriano está começando a se perguntar se todos esses projetos de construção são positivos para o país. Muitos deles, como a construção ou a reforma de terminais de aeroportos nacionais e internacionais em Lagos, Abuja, Kano e Port Harcourt, ajudam a elite do país, mas representam muito pouco para os mais pobres.
Agora, o governo recém-eleito está em busca de sinais de fraude, corrupção e outros problemas nos contratos atuais. O presidente Muhammadu Buhari anunciou no dia 10 de agosto que seu governo já havia descoberto que milhões de dólares haviam sido misteriosamente desviados de um projeto ferroviário financiado pelos chineses e de outros projetos do governo anterior, embora ainda não seja possível determinar se o desvio foi fruto de corrupção.