Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Suzete Sandin/ValorAlexandre França e Marcelo Oriani, da Sharkle: "Nossa intenção é trabalhar com artistas do underground, trazendo suas criações para streetwear"

Quem acompanhou os movimentos da moda, durante os anos 90, certamente não passou incólume pelas campanhas assinadas por Oliviero Toscani para a marca italiana Benetton. Para divulgar o slogan "United Colors of Benetton", Toscani foi atrás de personagens nada banais, que posaram para fotos surpreendentes - algumas vezes, chocantes. Pacientes consumidos pelo vírus HIV, vítimas de guerra, crianças miseráveis e prisioneiros no "corredor da morte" foram alguns dos personagens retratados em anúncios de revista e outdoors. Freiras e padres e até líderes políticos rivais apareceram trocando beijos apaixonados na publicidade da Benetton. Toscani expôs mazelas e conflitos onde todo mundo estava acostumado a ver glamour.

Em uma escala mais modesta, porém com uma disposição semelhante para "fazer barulho", a campanha da recém-nascida grife masculina Sharkle, de Florianópolis, vai pelo mesmo caminho. A sua coleção de estreia traz moradores de rua como modelos. Alguns deles aparecem consumindo drogas, sem disfarce. Eles foram fotografados pelo fotojornalista Eduardo Valente e pelos próprios sócios da grife: Marcelo Oriani Júnior e Alexandre França. No lugar de rapazes bonitos e sarados, a marca vestiu em figuras marginalizadas a sua linha de camisetas com trabalhos de artistas alternativos. Com isso, fugiu dos padrões de beleza infinitamente repetido pelo universo da moda.

Suzete Sandin/ValorFoto da campanha "Modelos de Vida", da Highstil, que tinha como modelos empresários, músicos, atletas e outras pessoas com trabalhos sociais

"A marca existe há dois meses", diz Oriani, que é artista plástico e psicólogo. "Nossa intenção é trabalhar com artistas do circuito underground, trazendo suas criações para o universo do skate e do streetwear". Nesse início de carreira, a marca se resume a camisetas de diferentes modelagens - "que foram feitas para homens, mas têm várias mulheres usando". Para a próxima coleção, a linha de roupas e acessórios deverá ser ampliada. Tudo vai depender do quão bem-sucedidas serão as vendas da Sharkle nessa sua primeira incursão pelo "streetwear-com-discurso-social". "Queremos fazer uma roupa com valor artístico, sem fazer releitura de nada".

Por trás da campanha de estreia da Sharkle, está a vontade da dupla de chocar, fugir do tradicional e chamar a atenção para a arte alternativa, às vezes agressiva, que não está nas galerias e tem pouco espaço para se divulgar. "Quisemos separar a arte do glamour", diz Oriani, que usou trabalhos de artistas de São Paulo e Curitiba. E para reforçar esse discurso, nada melhor do que convocar quem está à margem da sociedade.

DivulgaçãoPessoas observam cartaz da Benetton, com fotomontagem do ex-presidente francês Nicolas Sarkozy beijando a chanceler alemã, Angela Merkel

Para conseguir que posassem para as fotos, os sócios da grife fizeram uma aproximação cuidadosa. "Alguns desses homens já eram conhecidos por nós, pois estão sempre pelas ruas da nossa região", diz Oriani. Em troca das poses, os moradores ganharam roupas e, em alguns casos, uma "ajuda de custo" em dinheiro. "Todos que concordaram em posar, disseram estar felizes por poderem chamar a atenção do governo para a sua situação".

Usar gente real em anúncios de grifes de moda e beleza não é uma novidade. Ainda assim, são raras as marcas que se arriscam nessa discussão espinhenta a respeito dos padrões de beleza - como fez Oliviero Toscani, como está fazendo a Sharkle nesse momento. Para Caio Esteves, sócio-diretor da CEB+D, empresa de branding e design, todas essas iniciativas têm por objetivo humanizar a marca, fazê-la descer do pedestal. "O mundo real gera mais credibilidade", diz Esteves. Nesse tipo de publicidade, que usa o 'storytelling' (contar histórias), são pessoas de verdade que passam a mensagem que a empresa gostaria de passar. Há aí uma associação de propósitos, uma história entre semelhantes, que soa menos publicitária. "Pessoas reais criam vínculos e chegam mais perto do consumidor", diz Esteves.

Mas para desconstruir a imagem da "família perfeita de propaganda de margarina", é preciso ter coerência e clareza de propósitos. "Do contrário, a ação soa como exploração", diz Esteves. O que, do ponto de vista do branding, não é nada bom para a credibilidade de uma marca. O discurso emitido por grifes como a Sharkle precisa realmente fazer parte de um propósito mais amplo e verdadeiro em termos de posicionamento, valores e missão. Como fez lá atrás a Benetton. "As campanhas causaram muito ruído e fomentaram discussões".

DivulgaçãoUma das fotos da campanha da Sharkle

Para a consultora de marketing Marilene Ramos, o consumidor de moda mudou e a publicidade deveria alterar o padrão que se repete há mais de 30 anos. "Esse consumidor não é mais o mesmo, está mais maduro e com novos anseios", afirma. No ano passado, Marilene esteve à frente da campanha "Modelos de Vida" da grife masculina Highstil (grupo Plié). Por meio de filmes e publicidade impressa, a campanha trouxe como modelos empresários, músicos, atletas e outras pessoas com trabalhos sociais importantes e histórias de vida inspiradoras. "A moda pode mudar o comportamento, ir além de vender roupas, inspirar e semear o engajamento".

Mas, novamente, a consistência do discurso é essencial. "Não pode ser uma coisa pontual, a ação tem de ter continuidade", diz Marilene, que cita o exemplo da marca Patagonia, da Califórnia, que estimula a preservação do ambiente e o consumo consciente. A marca se dispõe a consertar as roupas velhas de seus consumidores, incentiva a compra de coisas usadas e utiliza materiais "eco friendly" em suas coleções. Sair do padrão, portanto, tem um custo e requer responsabilidade. "E eu espero que seja esse o caminho que está sendo tomado pela Sharkle."


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