Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

A paisagem da rua Rodolfo Miranda, no Bom Retiro, região central de São Paulo, está diferente. Mais chique e elegante. Entre galpões sem muito cuidado com a fachada, chama atenção um prédio cheio de personalidade, com as paredes impecáveis, portões novos e a cor marrom. Ali, no número 476, já funciona a nova sede da empresa do estilista Ricardo Almeida. Um dos maiores nomes da moda nacional, pioneiro na alta costura sob medida para homens, ele agora centraliza nesse endereço praticamente todas as etapas da produção de suas coleções masculinas e femininas. Só não toda porque uma parte do maquinário fica num galpão do outro lado da rua.

Para se ter uma ideia da dimensão do que significa esta nova etapa da marca, a fábrica antiga tinha 2.600 metros quadrados e condições de produzir 5.700 camisas e 4.000 peças de alfaiataria por mês. A atual, com a camisaria, que não fica neste novo prédio, soma 7.800 metros quadrados, onde serão produzidas 7.700 camisas e 6.000 peças de alfaiataria. Tudo isso para suprir a demanda crescente.

Em 2009, a marca tinha apenas duas lojas. Hoje, tem 17, das quais só uma é dedicada ao público feminino. A meta, a partir do ano que vem, é chegar a 30 masculinas e 30 femininas. Tudo isso em tempos de crise, que ano a ano retrai a economia do país, mas que, graças ao foco no mercado de luxo, tem feito a Ricardo Almeida crescer a passos largos e sequer sentir os efeitos da recessão. Desde 2009, a marca cresceu 40% ao ano, e aumentou o faturamento em 10 vezes. No ano passado, registrou 33% mais vendas, com previsão de aumento entre 20% e 24% em 2016. O segredo? Repita-se: não perder o foco no mercado de luxo. E, principalmente, na qualidade de seus produtos.

Todos os tecidos de suas roupas, tanto da linha de alfaiataria como da casual, são importados e vêm em mais de 600 tipos de padronagem. As máquinas, de primeira linha, também vêm todas de fora. Tudo isso para manter o padrão que há mais de 30 anos conquistou os mais exigentes clientes do país e do mundo.

“Eu vendo qualidade. Perdemos alguns clientes nesses últimos anos. Em geral, gente que comprava uma peça de vez em quando. Por outro lado, ganhamos muitos clientes que viajavam com frequência para comprar no exterior, e agora compram comigo. E quem compra uma peça minha sempre volta, porque percebe a qualidade”, diz ele, que não vende a prazo ou parcelado. “Meus produtos são exclusivos. Se desse para comprar uma Ferrari em parcelas de 300 reais, a marca perderia o status que tem.”

Qualidade do começo ao fim

É justamente para garantir o alto nível de suas roupas que Ricardo resolveu centralizar praticamente todas as etapas da produção no mesmo endereço. “Prefiro ter tudo por perto para poder acompanhar o processo do começo ao fim e garantir o alto padrão que eu espero das roupas que levam meu nome”, conta o estilista, em sua nova sala, ainda não totalmente mobiliada, mas já cheia de personalidade. Isso, claro, fruto do toque de Almeida, que colocou seu dedo em praticamente todas as etapas do processo de reforma.

Três escritórios de arquitetura foram chamados para fazer o projeto. Todos foram rejeitados. “Nenhum conseguiu entender exatamente o que eu precisava. Preferi fazer tudo eu mesmo”, diz ele, que já havia feito o mesmo em sua principal loja, na rua Bela Cintra, onde desenhou até o mobiliário para adaptar o espaço e a funcionalidade às suas necessidades. O melhor exemplo vem de seu novo showroom, localizado à esquerda da recepção, onde os mostradores, todos pretos, contrastam com o branco do chão, das paredes e do teto, e são móveis. “Desse jeito, consigo moldar o espaço à minha necessidade. Posso deixar assim como está, com dois ambientes, ou abrir tudo e fazer o desfile de minhas coleções”, explica o estilista, pouco depois de empurrar um dos mostradores para exemplificar o que queria dizer.

No amplo espaço onde ficará o maquinário, a impressão é de estar na fábrica de uma montadora de carros de luxo no exterior. O chão branco brilha, à espera de peças de roupa que vestirão gente elegante Brasil e mundo afora. “Temos que dar condições de trabalho. Quando percebemos que tudo está limpo, a gente transmite qualidade tanto para nossa equipe como para quem vê de fora”, resume.

A iluminação interna também tem detalhes importantes com o toque de Almeida. Ao lado da sala de criação, onde sua equipe trabalha nos modelos de coleções futuras, aproveitou-se a luz natural para não deixar que as lâmpadas atrapalhassem a percepção das cores nos tecidos. No extenso corredor que interliga a recepção a todos os departamentos e sua própria sala, ele implicou com o ângulo e o tipo das lâmpadas. “Do jeito que estavam, machucavam os olhos, incomodavam. São pequenos detalhes que às vezes passam despercebidos, mas não a mim”, resume ele, sempre um dos primeiros a chegar no prédio, por volta das 6 horas da manhã.

Tudo isso, diz ele, em função do bem-estar dos atuais 356 funcionários — futuramente 400 — que trabalharão diariamente no prédio. Com os 200 que trabalham nas lojas, a meta é fechar o ano com 600. Todos contratados com carteira assinada, benefícios e uma enorme oferta de atividades de lazer que podem ser realizadas no próprio prédio. Mesas de bilhar, pebolim e pingue-pongue — um dos jogos preferidos de Almeida —, biblioteca, churrasqueira e uma quadra poliesportiva estão à disposição dos trabalhadores tanto nos dias úteis (nos horários de folga) como nos finais de semana. “Todo empresário gosta de dizer que seu negócio é sustentável, mas sempre esquece da sustentabilidade do ser humano. Eu quero que as pessoas que estão aqui comigo sintam o mesmo tesão que eu ao vir trabalhar”, resume ele, que veste sua própria marca dos pés à cabeça, e parece ao menos dez anos mais jovem do que seus atuais 61 anos. “Até a cueca fui eu que desenhei”, ri.

A reforma, que deveria durar seis meses a partir de novembro de 2014, quando fechou o contrato de locação dos dois prédios, se estende desde então. A estrutura estava prejudicada e cheia de infiltrações, com o risco de acidente até mesmo quando alguma partida fosse disputada na quadra localizada na cobertura.

Quanto custou a reforma dos prédios? Ricardo se esquiva da mesma maneira elegante com que se veste e veste os outros. “São muitas reformas na empresa ao mesmo tempo, ainda não separei todos os números”, diz. Mas se orgulha do resultado. “Pedi empréstimo para banco, sim, mas preferi fazer isso a ter um sócio que ia ficar me questionando a cada gasto que eu fizesse.”

Mão na massa

Quem conhece a carreira de Almeida sabe que colocar a mão na massa sempre fez parte de seu estilo autodidata. Ainda criança, aos 11 anos, ajudava o pai na loja da família, a Casa Almeida e Irmãos, de cama mesa e banho. Ajudava a controlar o estoque e atuava na área de vendas. Fã de motocicletas, foi atrás de um patrocínio que bancasse suas corridas, e acabou conseguindo um emprego como representante de vendas de uma confecção. Anos depois, trabalhando numa camisaria, começou a se interessar pelo processo de produção das peças, modelagem e tecidos. Para compensar a falta de formação específica — não havia cursos de moda no fim dos anos 1970, começo dos 1980 —, viajava para o exterior para observar tendências, comprava algumas peças e as desmontava para entender os cortes, moldes e como eram montadas.

Em 1983, o estilista começou dentro de sua casa seu próprio negócio, e montava roupas para outras marcas, de C&A a Brooksfield, com coleções masculinas e femininas. Preocupado com a qualidade de seus produtos, ele nunca poupou esforços para ter em suas peças os melhores tecidos, o que incomodou as marcas com quem ele trabalhava. Ricardo uma vez mais radicalizou. Parou de vender para outros lojistas e abriu sua primeira loja própria, no Morumbi Shopping, em 1991. Um ano depois, inaugurou a unidade no Shopping Iguatemi.

O estilista causou alvoroço em 1995, quando decidiu dedicar sua marca exclusivamente à alfaiataria masculina. “Naquela época, o homem brasileiro era muito careta e não se ligava muito em moda. E quem tinha algum tipo de cuidado, era estigmatizado e sofria preconceito”, lembra. Aos poucos, à base de muito trabalho, conseguiu reverter isso.
Seus traços chamaram a atenção no figurino do personagem de Edson Celulari na novela Explode Coração, da Globo. Depois, foi convidado para a primeira edição do Morumbi Fashion, que, anos mais tarde, se tornaria a São Paulo Fashion Week. Ricardo tornou-se, então, queridinho de famosos, como Caetano Veloso e Neymar. No dia em que recebeu FORBES Brasil na nova fábrica, numa manhã de agosto, Ricardo acabara de atender Tite, técnico da seleção brasileira.

A procura pelo serviço do estilista, que já fez mais de 25 mil peças sob medida e hoje cobra 15 mil reais por um terno com sua assinatura — um feito por sua equipe custa a partir de 2.700 reais — aumentou quando o publicitário Duda Mendonça o convidou para repaginar o visual do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Naquele momento, ele provou que até um homem com uma silhueta comum pode ficar elegante.

Hoje, Ricardo tenta convencer seus clientes de que sua equipe está tão capacitada quanto ele a atender os pedidos sob medida. “É um trabalho que demanda muito tempo e ainda há muito o que fazer aqui na fábrica”, diz o estilista, que acredita ter cumprido sua missão com o público masculino. “O homem brasileiro evoluiu muito no que diz respeito à maneira de se vestir nesse período.”

Por isso, os olhos do estilista e sua equipe se voltam agora também para o mercado feminino. “Sinto falta de alguém que vista uma mulher com elegância para o dia a dia sem que ela tenha de mudar o figurino para depois do expediente”, diz. A expansão da marca e o novo foco da empresa passam, portanto, pela nova fábrica. Ele sabe que terá muito trabalho pela frente, e preparou bem o terreno para colher os frutos no futuro. Mas, se alguém em sua empresa gosta desse desafio, essa pessoa é Ricardo Almeida.

Fonte: Universo Varejo

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