Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Madame Wang tirando fotos em um desfile da Lanvin: baronesa da imprensa em Taiwan, ela se tornou senhora de uma das mais importantes grifes francesas

Madame Wang entra na sala com uma certa pressa. A primeira coisa que noto são suas sobrancelhas grossas e arqueadas, acima de suas pálpebras pesadamente maquiadas. Então, olho para seu elegante corte de cabelo, curto e com uma franja repicada. Seus cabelos estão pintados de castanho escuro, com pequenos tufos cinzentos. Em seguida registro seu qipao com gola mandarim e motivos que imitam pele de leopardo, com uma fenda aberta até a coxa. Sei que é um qipao porque mais tarde ela me diria enfaticamente com sua voz áspera: "Sempre uso meus vestidos chineses. Não sou japonesa. Isto é um qipao chinês, e não um quimono". Sobre ele há um colete preto de gola alta. O traje é concluído - se é que se pode dizer assim - com um volumoso colar.

Normalmente, quando os jornalistas escrevem sobre as roupas que as mulheres usam, eles recebem cartas de leitores reclamando que eles nunca tratam os homens da mesma maneira. Isso pode ser verdade. Mas Madame Wang, 70, é a dona da Lanvin, a mais antiga casa de moda francesa em atividade, que ela comprou em 2001 e ajudou a revitalizar. Falar sobre o que ela está vestindo parece apropriado e até mesmo essencial. Só para registrar, estou usando um terno cinza, ligeiramente amarrotado após dois voos apertados, um deles durante a noite, e uma camisa com motivos florais da Marks and Spencer.

Estamos em Taipé, onde Shaw-Lan Wang foi criada após se mudar da China continental para Taiwan, aos sete anos. Mais especificamente, estamos no 34º andar, no refeitório de um prédio nas cercanias luxuosas do Taipei World Trade Center Club. Cheguei antes da hora marcada e fui conduzido para a sala reservada por um grupo de mulheres de taillers cinza. Na sala, pequena mas perfeitamente mobiliada, há uma mesa redonda já posta para duas pessoas.

Depois de recuperar o fôlego, Madame Wang, como ela se refere, tira da boca uma goma de mascar. Ela esconde a pequena bola verde em sua bolsa, Lanvin obviamente. Wang raramente dá entrevistas. Ela parece insegura com a maneira como esta se materializou. "Como você entrou em contato? Através de meu relações públicas de Paris?", pergunta ela. Também não tenho muita certeza, uma vez que também para mim o encontro foi arranjado. Mesmo assim, aqui estamos, juntos nesta pequena sala sem janelas em um espigão de Taipé.

Madame Wang nasceu em 1941, o Ano da Serpente. Embora sua família seja da Província de Zheijiang, ela começou a vida em Chongqing, a capital chinesa na época da guerra após a queda de Nanquim para os japoneses. Seu pai, um coronel do Exército de Chiang Kai-shek, o líder do Kuomintang, veio para Taiwan em 1947. Dois anos depois, o próprio Chiang liderou uma retirada total para a ilha, após ser derrotado pelos comunistas de Mao Tsé-tung.

Sobre o governo de Pequim: "Eles são disciplinados. Você precisa ensinar as pessoas a respeitar a lei, mesmo ela seja ruim"

Em 1951, seu pai fundou o "United Daily News", um defensor leal do governo autoritário do Kuomintang. Wang, que estudou jornalismo em Taipé, trabalhou como repórter do jornal. Ela se casou com um piloto da Força Aérea e foi viver na Suíça com o marido, onde passou de 12 a 15 anos - não se lembra exatamente. Certo dia, recebeu um telefonema do pai em que ele pedia sua volta para Taiwan para tocar o jornal. "Não tive como recusar."

"O que você gosta de comer? Prefere frango ou carne vermelha?", pergunta ela. Fico com a primeira opção. O inglês de Madame Wang, falado de forma recortada e com uma pitada de sotaque francês, deixa a desejar, embora esteja léguas à frente do meu chinês terrível. Ela fala com poucas concessões à gramática inglesa, omitindo pronomes, tempo e até mesmo verbos e substantivos. Os "brancos" são preenchidos com as mímicas mais esplêndidas. Ao longo do almoço ela se finge de cega, míope, atordoada, feliz, bêbada, morta, ferida, louca, aterrorizada e outras coisas mais. Grande parte disso via expressões faciais. Em várias ocasiões, em vez de dizer "good", ela aponta o polegar voltado para cima em minha direção. Em uma das vezes, de uma maneira menos magnânima, ela junta as mãos e as torce como se estivesse estrangulando uma galinha.

Ela pede vários pratos. A garçonete volta com suculentos cortes frios de frango, porco e pato. Enquanto Madame Wang dá uma mordida no kimchee que vem de acompanhamento, pergunto a ela como seu jornal está sobrevivendo com a concorrência da internet. "Buscar informação na internet não é algo que dê satisfação", diz ela. "Um bom livro pode tocar seu coração. Mas nunca nada me tocou o coração na internet." Mas a internet afetou suas vendas? Como o jornal está se saindo diante da competição online? "A qualidade da imprensa está caindo no mundo todo", prossegue ela. "As pessoas perderam o respeito pela imprensa."

Dois pratos de bife grelhado chegam. "Ao estilo chinês", anuncia ela. Desisto de fazer perguntas sobre a internet - ela não sabe dizer se seu jornal cobra pelo acesso à sua versão online - e mudo para sua paixão mais recente, a Lanvin. Como ela comprou a deficitária casa de moda e como, em particular, ela contratou Alber Elbaz, o estilista cuja nomeação transformou sua sorte? A compra da Lanvin é fácil. "Tenho um amigo em Hong Kong e ele usa roupas da Lanvin há mais de 30 anos. Pensei: 'Ele ficaria muito orgulhoso se eu fosse a dona'."

Quanto a Elbaz, o estilista nascido no Marrocos foi demitido da Yves Saint Laurent depois que ela foi comprada pela Gucci. Ao partir por uma jornada espiritual pelo mundo, Elbaz pensou em desistir do mundo da moda para se tornar médico. Em vez disso, ele ligou para ela num ímpeto, implorando para que ela o levasse para a Lanvin. "Por favor, acorde a Bela Adormecida", disse ele. "Eu estava em Cannes com um amigo em um grande iate", lembra Wang. "Alber ligou e disse: 'Posso me encontrar com você?' Eu disse, é claro. Irei até Paris." Ela nunca tinha ouvido falar de Elbaz, mas já foi mencionada como se tivesse dito que "senti algo substancial e agradável" nele. Para mim ela diz: "Ele me mostrou seu book. O primeiro desfile de moda, que ele chamou de 'Homenagem a Yves Saint Laurent'. Bom, eu pensei. Ele impõe respeito. Fui apresentada a muita gente. Mas com essas pessoas eu não tive esse sentimento".

Sendo ou não a "sensação agradável", o instinto de Wang vem atendendo muito bem à Lanvin. Sob Elbaz, sua reputação e vendas prosperaram. Ele faz roupas de cortes clássicos, para serem usadas ano após ano, e não apenas para uma única estação. "Os vestidos de Alber fazem as mulheres se sentir maravilhosas e confortáveis. O primeiro desfile que ele fez foi de uma coleção de inverno. Os tecidos nesse caso são sempre grossos, mas todos os vestidos eram esvoaçantes. Tudo por causa dos cortes. Normalmente os tecidos grossos são bastante rígidos. Mas ele faz você dançar com os vestidos que cria."

Um peixe cozido é servido, evidentemente cedo demais. Wang o manda de volta. Os vestidos de Elbaz não revelam muita coisa, diz ela, imitando a pele que "escapa" de vestidos muito decotados. "Eles não mostram tudo." Li que Elbaz não gosta que suas roupas sejam vistas como sensuais, certamente não da maneira associada às criações de Tom Ford, da Gucci, o homem que o tirou da Yves Saint Laurent. "Acho que não", diz ela. "É bom ser sensual. É um elogio. Mas é preciso ter classe. Não…" Ela não termina a sentença, mas faz um gesto que indica seios saltando para fora de um vestido.

O peixe volta. Desta vez cortado em dois, com a parte com a cabeça ficando para ela e a parte com o rabo para mim. "Todo mundo adora os vestidos de Alber", diz ela. "Antes, eu costumava dizer que as criações de Alber são para qualquer mulher dos 18 aos 81 anos." Mas recentemente ela viu uma artista chinesa de 85 anos usando um vestido da Lanvin. "Estava linda." A neta de Wang, que tem apenas 11 anos e evidentemente está sendo preparada para a grandiosidade, também veste Lanvin. "Os vestidos são muito elegantes e simples, de modo que a faixa de nossas clientes é muito grande."

Pergunto se ela gosta de desfiles de moda, as festas o glamour. "Alber e meu diretor participam das festas. Eu não", diz ela separando algumas espinhas do peixe com a mão. "Não gosto desse tipo de festa e das pessoas que as frequentam. Não sou uma pessoa do jet-set." Ela diz que tem muitos amigos famosos, mas se encontra com eles em ocasiões reservadas. Cita rapidamente nomes de atores, atrizes e astros do kung-fu. Ela divaga, contando uma história sobre quando Jackie Chan irritou os taiwaneses ao sugerir que o povo chinês precisava ser controlado e que a democracia em Taiwan é caótica. "Jackie é muito honesto e franco. Eu telefonei para ele e disse: 'Você é o maior. Tem um mercado muito grande. Se as pessoas aqui são estúpidas, não apareça'."

Falamos sobre a melhoria recente nas relações entre Taiwan e a China continental. Embora seja anticomunista e tenha entre seus amigos vários dissidentes da Praça da Paz Celestial, ela diz que o governo mudou em Pequim. "Agora, eu concordo com o que eles estão fazendo. Eles são disciplinados. Antes, você tinha a lei, não tinha muita liberdade", diz ela, sacudindo o dedo. "Você precisa ensinar as pessoas a respeitar a lei, mesmo que a lei seja ruim."

A garçonete traz deliciosos favos de ervilhas crocantes e escalope de batata. O espaço na mesa fica pequeno. Ela dá sequência ao tema China-Taiwan, dizendo que a separação entre as duas ocorreu há mais de 60 anos. Mas a unificação não é uma coisa fácil, continua ela, referindo-se ao forte sentimento de independência dos taiwaneses. Veremos o que vai acontecer na próxima geração. Acho que algum dia, se a China tiver liberdade de imprensa e liberdade para realizar eleições, poderemos negociar a criação de uma grande China.

"Não temos motivos para nos odiar. Os japoneses mataram muitos, muitos chineses e outros asiáticos. Por que as pessoas não odeiam os japoneses?", pergunta ela, referindo-se às relações relativamente calorosas entre os taiwaneses e os ex-colonizadores japoneses. "A guerra mata, mas não da maneira que os japoneses matam. Eles usam..." (aqui, ela imita uma baioneta em ação). "Eles matam mulheres e crianças com seus métodos cruéis. As pessoas dizem que eu devo perdoar, mas digo que não posso."

Ela afirma que até hoje se recusa a se encontrar com japoneses, não obstante o fato de estar no momento negociando a recompra da licença japonesa da Lanvin, vendida anteriormente para a companhia trading Itochu. "Não importa o título que tenham. Se as pessoas dizem 'Madame Wang, este é fulano de tal', eu nunca os cumprimento. Nunca digo alô para um japonês." Ela sacode a cabeça de maneira desdenhosa. "Sinto muito. Não ligo para o que eles pensam."

A garçonete se oferece para embrulhar o que restou do almoço. "É para o meu motorista", diz Wang. Dois pastéis de Santa Clara e duas porções de pudim de taioba são servidos. O pastel de Santa Clara, com uma massa crocante divina, é o melhor que já provei. Li em algum lugar que ela compara a função dupla de magnata de imprensa e baronesa da moda a ter um marido e um amante. Qual é qual? "Quem lhe disse que eu falei tal coisa? Desde que meu marido morreu nunca tive mais ninguém. Portanto, como posso comparar meu marido com um amante?"

O importante é se jogar nas duas coisas. "Se você administra uma empresa, precisa amar aquele negócio de todo coração. Antes, quando eu comandava um jornal, dormia três ou quatro horas por dia. Ficava muito entusiasmada". Agora ela tirou o pé do acelerador e transferiu a administração do dia a dia para seu sobrinho. Com a Lanvin sua estratégia também tem sido desacelerar e conceder a Albaz liberdade pra criar.

A garçonete traz pera e mamão papaia. Um pouco nervoso, toco no assunto sobre quem vai pagar esse banquete. O assistente de Wang havia alertado de antemão que sob nenhuma circunstância Madame Wang permitiria que o "Financial Times" pagasse a conta. Mesmo assim, eu tento. "Eu pretendia convidar a senhora", digo timidamente. "O 'FT' realmente insiste em pagar." A resposta é rápida e brutal. "Aqui na China, não. Jamais, jamais, jamais", diz ela em voz alta. "Este é o meu domínio. Mesmo que você fosse chinês, não poderia pagar."

Vejo que é inútil. Além disso, ela já está fechando a conta, me dizendo que sob nenhuma hipótese eu devo me referir a ela como uma empresária taiwanesa. "Não me considero tai-wa-ne-sa", diz ela enfatizando a palavra. "Sou chinesa. E também não me considero uma mulher de negócios", acrescenta sem explicações. Então, ela se acalma. "É verdade que sou uma mulher. A esse respeito não posso pedir nada."

Fonte:|http://www.valor.com.br/impresso/eu-estilo/como-madame-wang-ressusc...

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