Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Como me tornei estilista. E a vida entre desfiles e fornecedores

Profissão

‘As pessoas têm uma ilusão de que trabalhar com moda é uma coisa de glamour, de superficialidade, mas eu sempre soube que é um trabalho muito exigente’

Carolina Gold é estilista e cofundadora da Amapô Jeans, grife lançada em 2004. Depois de largar a graduação em moda, deu início a sua carreira montando figurinos para revistas e peças de publicidade. Ao conhecer Pitty Taliani, sua sócia, elas passaram, juntas, a desenvolver as próprias roupas.

Desde 2008, a Amapô está na programação da São Paulo Fashion Week. Gold e Taliani organizam o desfile – o grande momento de expressão artística (e ansiedade) do ano.

Na 48ª edição do evento, apresentaram uma colaboração com o Senac do Ceará: o trabalho foi resultado de uma imersão no sertão do Cariri. “Tem muita verdade, tem muito envolvimento. É muito perto”, diz Gold.

Nesta entrevista, ela reflete sobre a longevidade da marca, desmistifica o “glamour” da carreira de estilista e discute a importância de elaborar seu próprio universo criativo quando se está começando.

Como você chegou a essa carreira? O que te motiva? Por que você a escolheu?

CAROLINA GOLD Eu fiz a faculdade de moda, na Santa Marcelina, em São Paulo. Saindo de lá, comecei a trabalhar com figurino de publicidade para revistas. Depois de um tempo, conheci a Pitty, que é minha sócia. Ela já fazia umas camisetas, e a gente resolveu fazer algumas roupas juntas, de tecidos que eu garimpava ali na Rua 25 de Março, de lojas de tecidos antigos, que estavam lá abandonados, empoeirados. A gente começou a fazer meio que de brincadeira e estamos aí até hoje.

Conseguimos levar a Amapô à posição onde está agora com muita persistência e sendo muito fiéis ao que acreditamos, em termos de universo criativo. E, claro, nós somos uma dupla. É diferente de ser um estilista sozinho. A gente tem uma força de realização maior. Das pessoas que eram novos estilistas junto com a gente, poucos sobreviveram até hoje como marca. Eles estão, em maioria, inseridos em grandes marcas, trabalhando com estilistas em outros lugares, porque sozinho é difícil. Como somos uma dupla, uma segura a outra, e a gente vai em frente.

A sensação que tenho quando estou trabalhando é de que não estou trabalhando. Parece que estou fazendo uma coisa muito natural, com a qual me identifico muito… Claro que tem os problemas, os percalços, mas a sensação é de estar no lugar certo.

Como sua formação está presente no trabalho que você faz hoje?

CAROLINA GOLD Eu não me formei, comecei a trabalhar na metade da faculdade e ao final já não ia muito às aulas. O que mais teve significado para mim dentro da faculdade foram as amizades que fiz, que tenho até hoje – vai fazer uns 20 anos. A gente criou juntos a nossa identidade de moda, nossa linguagem, nosso método de criatividade, nosso processo. É uma ligação bem forte que eu tenho com essas pessoas, e isso é o que eu mais lembro da faculdade. Era muito no início dessa coisa de faculdade de moda, ainda não tinha uma estrutura muito forte. Hoje em dia é bem mais legal.

O que mudou entre a sua expectativa e a realidade?

CAROLINA GOLD As pessoas têm uma ilusão de que trabalhar com moda é uma coisa de glamour, de superficialidade, mas eu sempre soube que é um trabalho muito exigente. Você tem que ter muita dedicação, administrar relações com fornecedores; tem uma parte logística muito grande, que as pessoas acham que não existe. É a cada hora um desafio. Você tem que se reinventar, tem que observar o que está acontecendo ao seu redor, tem que estar com um radar – uma coisa da subjetividade – ligado o tempo inteiro, para conseguir passar aquilo para suas criações. Eu virei estilista depois de fazer figurino, que é um trabalho muito pé no chão, por isso já tinha essa noção. 

Qual a maior dificuldade da profissão que você escolheu? E o melhor aspecto?

CAROLINA GOLD A maior dificuldade é fazer as pessoas cumprirem prazos [risos]. De tudo: os fornecedores, os colaboradores, entrega de tecido, entrega de aviamento, entrega de peça-piloto, entrega de produção... O meu dia a dia funciona basicamente em torno de cobranças de prazos. A parte dos desfiles, do glamour, é uma coisa que acontece uma vez no ano, porque hoje em dia a gente faz um desfile só. Você tem que reger os fornecedores, e sempre tem algum que dá problema. A primeira vez que isso acontece, você acha que o mundo vai acabar. Depois, você vai pegando a engrenagem do negócio e já sabe que, em algum lugar, vai dar problema. Você tem que criar uma almofadinha no seu estômago e já ter uma solução para cada vez que acontece um probleminha. É esse jogo de cintura que você tem que ter.

Acho que o melhor aspecto é sentir que não estou trabalhando, que estou fazendo uma coisa natural. Os desfiles também me trazem satisfação, porque essa é a parte artística do meu trabalho. Aqui dentro da Amapô, a gente tem isso muito bem definido, e assumimos um formato em que temos a nossa coleção comercial, que é 100% de jeans, e no desfile a gente faz o que quiser. Não está ligado diretamente ao comercial. Então, no desfile, a gente faz nossa obra de arte. A gente fica bem livre, viaja na nossa cabeça, e ver isso virar realidade é muito legal.

O que você diria para alguém que está pensando em trabalhar como estilista?

CAROLINA GOLD Se você quer ser estilista, para começar, em termos de universo criativo, comece por o que está perto de você. Comece a criar por sua memória afetiva de infância, pelo que está perto da sua casa, por seu lugar comum. Não vá buscar inspiração em coisas que você não conhece direito. Primeiro, estruture seu processo criativo com coisas com que você já tem uma ligação, desenvolva seu processo – porque cada pessoa cria de um jeito. E, depois disso, você pode aplicar esse processo criativo em cima de coisas que você vai buscar lá longe, sei lá, na Antuérpia, como as pessoas gostam de fazer.

Por que você está fazendo um trabalho sobre a Antuérpia? "Porque eu super pesquisei no Instagram" – ai, amiga. Não vai rolar. Volta. A sua vó é de onde? "É de Mossoró". Então faz seu trabalho sobre Mossoró, o primeiro. Começa a se exercitar pelas coisas que estão perto, para depois você soltar. Essa é uma dica que eu deveria estar cobrando um milhão de reais para dar. Isso dá resultados mais genuínos, é mais natural, e se você não tiver uma ligação afetiva com aquilo que está trabalhando, fica difícil de criar um universo. Fica meio de mentira, fica sem emoção.

 Por: Carolina Gold

https://www.nexojornal.com.br/profissoes/2019/11/29/Como-me-tornei-...

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