Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Como o vestir está refletindo as mudanças no ambiente político

Mulheres se vestem com mais pessoalidade e casualidade, desbancando o estilo engessado usado pelos homens, que por anos foi necessário para que políticas pudessem ser levadas a sério.

Se fizermos uma experiência pedindo para que as pessoas fechem os olhos e pensem em uma figura política, a maioria pensará em um homem de meia idade, branco e provavelmente usando um terno.

No Brasil, o atual índice de mulheres na Câmara dos Deputados é de 15% e é o recorde do país — em grande parte graças às leis de cotas de gênero. Em 2018, foram eleitas 77 deputadas federais, representando 51% de aumento na representatividade da bancada feminina.

Mas como a política sempre foi vista como um campo majoritariamente masculino, quando as mulheres começaram a fazer parte desse círculo, muitas delas, mesmo que inconscientemente, foram buscar no armário masculino signos de poder que pudessem ser associados a elas também, como calças de alfaiataria e ternos.

"Uma grande característica para a mulher progredir no âmbito dos negócios nos anos 1980 era usar roupas com formatos quadrangulares. Contudo, os ombros em destaque denotavam ousadia política feminina, poder e autoridade"', pontua a consultora de imagem Cris Dorini.

Na década de 1980, o power dressing sugeria que as pessoas deveriam "se vestir para o trabalho que desejavam alcançar e não para o que tinham". Dorini explica que a origem do power dressing pode fazer referência ao terninho da Chanel, criado por Coco Chanel, em 1920, composto por uma saia mais apertada de lã, casaco sem colarinho, geralmente com acabamento de trança, botões metálicos e mangas ajustadas.

Com a ascensão das mulheres na política, principalmente as mulheres negras, o cenário anda mudando e ganhando uma cara menos sisuda no imaginário coletivo. Para Carol Coêlho, consultora de imagem e estilo, a moda se desconstruiu muito e a prova disso é a influência que a rua tem na passarela. "E aí, as mulheres que estão na política, percebem que isso comunica a favor delas no que tange a proximidade com o eleitor".

Mulheres como a deputada estadual pelo Rio de Janeiro Dani Monteiro rompem com a forma tradicional de se fazer política, pautando novas experiências de organização e resistência, e seu ato de vestir reflete isso. A deputada, que foi assessora de Marielle Franco, aposta em saias, blusas e vestidos com cores vivas, combinações que não passam despercebidas. O jeans que vai além da calça também está presente no estilo de Dani.

E os acessórios irreverentes, como brincos de peças de dominó ou melancias, contribuem com a imagem fresh, de alguém que anseia por mudanças na política tradicional liderada por homens brancos de meia idade. É o retrato da ocupação de cada vez mais mulheres no cenário político e se conecta diretamente com o movimento antirracista e feminista.

A deputada estadual pelo Rio de Janeiro Dani Monteiro

Julia Passos /Ascom Alerj

"Eu quero ser eu mesma, usar o que gosto e o que me alegra porque roupa tem essa função também, de alegrar a gente. A forma como me visto nesses espaços [políticos] pode causar algum incômodo a quem reproduz lógicas de aprisionamento em padrões preestabelecidos, mas penso que isso não é sobre moda. É sobre uma pessoa comum estar ali, à vontade com quem é e segura de que não deve mudar", afirma a deputada. Ela ainda conta que começou sua militância política na universidade e, naquela época, suas roupas refletiam a fase: "jeans rasgado, camiseta desbotada e colorida por excelência (risos)".

Nomes internacionais também andam desafiando o status quo na hora de se vestir, seja com tênis e jaquetas nas cores da bandeira LGBTQI+, como fez a senadora e candidata à vice-presidência dos Estados Unidos, Kamala Harris, ou um batom vermelho potente, como sempre usa a congressista democrata Alexandria Ocasio Cortez. "Vivemos uma mudança de era que traz muito mais pessoalidade e personalidade para o vestir"', destaca Carol Coêlho.

Alexandria Ocasio-Cortez

Getty Images

O fato é que as mulheres estão parando de tentar se encaixar em moldes pré-estabelecidos por homens e criando seus próprios símbolos de poder e suas interpretações. "Corpo negro, jovem e feminino é uma grande novidade na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, uma casa tradicionalmente branca e masculina'', aponta a deputada carioca Dani Monteiro. "O que espero, e pelo que trabalho, é para que esse movimento se expanda, que mais jovens pretos como eu ocupem espaços institucionais que são legítimos também para nós''.

Hoje, mulheres como Talíria Petrone, Dani Monteiro, Manuela D'Ávila e muitas outras fazem frente aos homens brancos pasteurizados com seus ternos e gravatas nas assembleias no Brasil. "Algumas candidatas mais jovens, como a Shéridan Oliveira, têm uma pegada mais clássica para o momento em que está na Câmara, mas quando ela vai para o interior do estado de Roraima, ela vai de jeans e camiseta", observa Carol Coêlho. "No passado, a gente não via isso, a imagem do político era uma coisa distante, ele está no meio do povo mas vestindo uma camisa".

A deputada estadual Talíria Petrone já relatou em suas redes sociais que costumava ser barrada dos acessos parlamentares com frequência. "Eu uso broche e vou às sessões, como todo parlamentar. É difícil pra eles entenderem, mas nós, mulheres pretas, somos tão deputadas quanto os outros. Não aceito esse tipo de tratamento", diz ela.

A jornalista e política Manuela D'Ávila, por sua vez, já teve vários momentos marcantes relacionados ao seu modo de vestir e diz que a roupa foi, por algum tempo, a sua ferramenta de proteção, como um escudo, contra ofensas misóginas e machistas.

Se hoje ela tem um estilo mais despojado, prezando pelo conforto e gostos pessoais, com t-shirts estampando mensagens feministas, modelagens mais justas e o que mais ela tiver vontade, antes não era assim, a gaúcha costumava mostrar pouco a pele usando peças sem ou com pouco decote. A modelagem também era outra, os vestidos eram mais no estilo ladylike e com mangas longas.

A jornalista e política Manuela D'Ávila.

Reprodução Roda Viva

"Hoje, a forma como eu me visto tem muito a ver com a dinâmica da minha vida. Sou uma pessoa que trabalha 17 horas por dia, que tem uma filha pequena, que cuida da própria roupa sozinha, com meu companheiro, então eu escolho roupas mais práticas, que são mais fáceis de cuidar e, ao mesmo tempo, que deem conta das ocasiões nos espaços que eu ocupo'', afirma a candidata à prefeitura de Porto Alegre.

Hoje, um batom vermelho é considerado um ato político e o simples fato de uma candidata não deixar seu estilo de lado também.

Em 2019, pela primeira vez, o Brasil passou a ter representantes transexuais eleitas nas assembleias legislativas do país. Elas são: Robeyoncé de Lima, deputada estadual eleita pela chapa coletiva Juntas, em Pernambuco, Erika Hilton, do mandato estadual coletivo da Bancada Ativista, de São Paulo, e Erica Malunguinho, deputada estadual também por São Paulo.

"Elas perceberam que a imagem precisa comunicar a essência do que elas propõem, precisa comunicar uma plataforma junto com elas, então, hoje, vemos muito mais essa inserção de casualidade e de pequenas modificações em corte, um jeans mais claro, uma camiseta, uma jaqueta, um blazer com jeans e elementos que fazem com que essa imagem tão séria e tão distante seja mais próxima de quem está ali por perto. Isso faz com que as pessoas confiem em você", conclui Carol.

https://elle.com.br/moda/como-o-vestir-esta-refletindo-as-mudancas-...

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