Meses após implementação da ‘taxa das blusinhas’, José Luís avalia que importados ainda são uma incógnita em relação às questões trabalhistas e ambientais, dificultando equidade no varejo brasileiro.
Das 10 milhões de peças produzidas pelo Grupo Hope, 50% foram produzidas com insumos recicláveis, naturais ou biodegradáveis. A iniciativa da empresa, que fabrica roupas íntimas, em usar matérias-primas de menor impacto ambiental, ainda que mais caras, se junta aos esforços do setor no Brasil para estar alinhado a uma produção com boas práticas em ESG, diz o CEO da empresa, José Luís.
Segundo o gestor, por outro lado, os esforços sustentáveis do setor têm como entrave no País o chamado fast fashion, segmento do mercado de moda caracterizado pelas roupas produzidas em larga escala e com matérias-primas mais baratas e com maior impacto ambiental, originado em países com a China. No Brasil, as peças ganharam grande popularidade tendo como atrativos o preço baixo e a facilidade de compra em plataformas de e-commerce.
Como pontos negativos, diz Luís, os produtos oriundos do formato têm difícil rastreabilidade quanto à sua origem para checar boas práticas ambientais e trabalhistas. Além disso, apesar de o governo federal ter instituído o Programa Remessa Conforme, com a conhecida “taxa das blusinhas”, que tributa em 20% as compras internacionais de até US$ 50, o que chega até o Brasil ainda representa uma concorrência não equitativa para os demais varejistas de moda.
“Houve uma correção parcial dessa questão tributária, mas, honestamente, não se praticou ainda uma equidade, pelo menos uma equidade tributária. Não estou falando (apenas) da equidade trabalhista e socioambiental, pois não conseguimos ter uma visão sobre isso. Essa situação acaba gerando uma competição bastante desastrosa.”
Abaixo os principais trechos da entrevista:
Introduzimos o produto biodegradável na Hope em 2018. Isso não exigiu grandes mudanças no processo produtivo. Foi uma substituição de um tecido por outro. É um produto um pouco mais caro, e esse custo nós absorvemos, porque o nosso mercado é bastante competitivo, mas entendemos que a preocupação com a sustentabilidade é uma mensagem importante para incorporar ao dia a dia da companhia. Um ponto importante é que a introdução deste produto não nos levou a perder duas características fundamentais: a qualidade e o conforto. Fizemos uma série de testes do ponto de vista do conforto, (para saber) se o produto seria um pouco mais rústico ou não, se teria algum problema na lavagem e na vida útil. E não. É um produto que não perde as características e os valores que a marca tem. Hoje, o biodegradável representa algo como 30% do volume total da companhia. Ele se agrega a algumas outras fibras que são ou recicladas ou naturais, que representam 20% do total da nossa produção. Ou seja, 50% da nossa produção tem um endereçamento de produtos que são ou de fibras recicladas e naturais ou de biodegradáveis.
Nossa cadeia de fornecedores é praticamente estável, não tem grandes mudanças. Temos uma relação de longo prazo. Estamos sempre muito abertos na busca de soluções que não sejam só ambientalmente adequadas, mas também sejam soluções tecnológicas. O que temos é um processo constante de visita, de acompanhamento desses fornecedores. Isso já nos garante uma visão técnica que fazemos questão de visitar e entender. Manter um histórico de relacionamento ajuda muito nesse processo.
No caso dos produtos biodegradáveis, eles são um pouco mais caros do que os sintéticos. A nossa opção foi não repassar para o consumidor final. O que fazemos é tentar redesenhar os processos. Uma das questões muito importantes, no nosso caso, é reduzir ao mínimo possível as perdas no processo de corte. Quanto mais conseguirmos maximizar o uso, menos material desperdiçado. Além disso, há a busca por eficiência. Quanto mais se trabalha com equipe e máquinas eficientes, é possível amortizar impactos de preço. No produto biodegradável, conseguimos absorver as diferenças. Mas alguns produtos são um pouco mais caros, e não conseguimos manter dentro da estrutura de custo, como no caso dos tecidos de fibras recicladas. Esses são um pouco mais desafiadores.
Tudo que não tem equidade é muito complicado para trabalhar na ponta. No caso do Brasil, temos uma população com uma renda bem espremida. Então, as pessoas buscam soluções acessíveis. Isso é fato. A mera conscientização tem valor, mas tem uma certa limitação quando ela bate no bolso. Tem uma questão de renda que pouco dá para se fazer. Porém, tem uma questão de equidade dos produtos. Estamos lidando com um mundo que é uma caixa preta. Eu não sei quais são as questões, por exemplo, trabalhistas de como esses produtos são confeccionados lá fora. Eu sei sobre as questões trabalhistas que eu tenho de enfrentar no Brasil. Também não sei sobre as condições ambientais e sociais em que esses produtos estão envolvidos no exterior. E, por último, há a questão tributária. Houve uma correção parcial dessa questão (com o Remessa Conforme), mas, honestamente, não se praticou ainda uma equidade, pelo menos uma equidade tributária. Não estou falando (apenas) da equidade trabalhista e socioambiental, pois não conseguimos ter uma visão sobre isso. Essa situação acaba gerando uma competição bastante desastrosa. Já foi mais desastrosa, (pois) vemos alguns relatos de que, para algumas empresas focadas no atendimento da baixa renda, já há benefício para a empresa. Eu não tenho muita métrica no meu negócio, mas percebemos esse ano que tivemos um comportamento muito bom.
O quanto isso está atrelado às mudanças tributárias não sei precisar. Mas, quando olho as empresas que estão mais focadas nos segmentos populares, elas identificam isso claramente como sendo um fator que tem beneficiado. Vejo que estamos em um caminho de correção de rota. Mas ainda não chegamos na total correção da rota. Espero que não recuemos. Esse é meu grande temor. Espero que consigamos avançar um pouco mais nessas discussões, mas a gente precisa considerar que o bolso do brasileiro é um bolso limitado. Um tema que sempre sobra para discutir é que não necessariamente o produto barato é um produto mais durável. Então, a relação custo e benefício, para mim, é um tema que precisa ser trabalhado. O nosso preço (na Hope) é um preço mais alto. Temos produtos bastante competitivos, mas dificilmente eu serei o produto mais barato. Tenho toda uma cadeia de valor e de desenvolvimento que me mantém em um patamar de preço um pouco acima do que o menor preço praticado. Mas, se for feita a conta do ponto de vista da durabilidade, é um tema que precisa ser mais bem desenvolvido.
Existem temas recorrentes de todo o setor industrial que precisa buscar sua eficiência. Quanto mais a cadeia de suprimentos estiver próxima, mais ganhos de custos, inclusive dos custos atrelados à estocagem. A outra questão que eu vejo é a equidade tributária. Temos de se perguntar o seguinte: a massa de tributos que eu faço frente é compatível com a massa de tributos que esses produtos fazem quando chegam ao Brasil? Não, não é. Então, não vamos tirar o mérito do avanço, mas existe alguma coisa ainda para se repensar nessa área.
Uma das questões que a gente tem olhado com muita atenção é a de reduzir o máximo possível os desperdícios, não necessariamente no processo produtivo, mas também nas embalagens, nos materiais que vão para as nossas lojas e que podem retornar para nós. É criado um ciclo de aproveitamento desses materiais, em vez de simplesmente descartá-los no final da jornada de venda. Também há a inquietação. Nós precisamos ter uma constante inquietação na busca de soluções. Por exemplo, 50% da nossa produção é com produtos biodegradáveis e produtos com fibras recicladas ou naturais. Como é que conseguimos chegar nos outros 50%? Precisamos ter essa inquietação, buscando solução constantemente. Os negócios não param. Quem para de pensar no futuro do negócio cava sua sepultura. Precisamos estar sempre pensando nas inovações, naquilo que podemos agregar, focando na melhoria do ambiente como todo.
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