Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI


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Por Eduardo Vilas Bôas
Professor de Moda do Senac SP


"O sentido original de fashion refere-se também à ideia de fetiche, ou de objetos que são fetiches, uma vez que facere é também a raiz da palavra fetiche. E pode bem ser que os itens de moda e indumentária sejam os produtos mais fetichizados entre os fabricados e consumidos pela sociedade capitalista." (BARNARD, 2003, p. 23).

Ainda que a palavra moda seja uma adaptação para a Língua Portuguesa do termo em inglês fashion, suas raízes etimológicas estão ligadas. A etimologia de moda está no vocábulo francês mode (século XV) que significa modo ou no vocábulo em latim mòdus que tem como significado geral “medida”, o qual, por sua vez, significa “medida que não se deve ultrapassar, cadência, maneira de fazer”, assim como é a moda: uma porção de regras e modos cadentes os quais devem ser seguidos (HOUAISS, 2001).

Numa sociedade globalizada, na qual o idioma inglês rege todas as relações e convenções, as palavras moda e fashion se fundiram. Por isso, a moda pode ser conceitualizada como os produtos manufaturados que despertam desejos e fetiches, concretizando o que Karl Marx afirmara, “uma relação social definitiva entre os homens [...]” que “assume [...] a forma fantástica de uma relação entre coisas” (1954, p.77 apud BARNARD, 2003, p.23).

A moda [...] produz significados, constrói posições de sujeito, identidades individuais e grupais, cria códigos que guerreiam entre si, num fórum que se globaliza progressivamente. Se, por um lado, ela oferece estratégias ao corpo para sua expressão/liberação, por outro, contém mecanismos de controle nas imagens que faz circular. Os recursos estéticos da moda e o acesso ao consumo podem funcionar tanto como elementos de cidadania, democratização e comunicação, como de exclusão elitista, via códigos, simultaneamente rígidos e sutis, que se tornam verdadeiros fetiches [...] (VILLAÇA, 2004, p.02).

A indumentária agrega além da função de proteção física e moral, a função de um mecanismo regulador de distinção social. Bergamo defende essa teoria ao assumir que a roupa possui um papel de intermediação simbólica, isto é, “ela expressa, reproduz e nutre uma série de relações existentes” (p.02) entre os indivíduos. Isso só é possível, continua Bergamo, porque a roupa tem um significado (seja esse qual for), que através de “uma construção racionalizada [...] permite comunicar o sentido da posição do indivíduo dentro da estrutura social, [sendo] seu instrumento de realização” (BERGAMO, 1998, p.02).

As lojas de grifes tanto quanto as de shopping centers atendem a esse interesse específico, [...] de possibilitar que se ostentem os símbolos de uma alta cultura, símbolos que rodeiam e constroem um universo de privilégio ao redor do indivíduo. A roupa é tão somente um dos instrumentos utilizados para integrar esse indivíduo a um conjunto maior, para imprimir em quem a usa uma indissociação entre o indivíduo e um universo social. Ela torna-se traço distintivo de uma posição social privilegiada. (BERGAMO, 1998, p.04).

O poder da moda transgride o (agora) simples ditar de tendências comportamentais e de vestuário. Seu nascimento e sua formatação enquanto sistema remonta a necessidade criada pelo próprio homem de diferenciar-se. A moda tornou-se nos braços do Capitalismo e de suas mercadorias, um objeto desejoso. Personificando-se em produtos capazes de segmentar indivíduos entre “melhores” e “piores”. Um verdadeiro “apartheid” social que alimenta o imaginário coletivo com o ideário de mobilidade social. Enquanto hoje os primeiros degraus da escala social sonham com o mais recente lançamento de uma grife renomada, estrategicamente fetichizado pelos mecanismos de marketing, infelizmente amanhã serão obrigados a consumir produtos pirateados ou cópias sem qualidade para poderem (tentar) saciar seus desejos de consumo/fetiche e, assim, acreditarão serem aceitos pela sociedade capitalizada.

No entanto, estarão solidificando – sem saber – as bases mercadológicas que regem e justificam os preços e níveis de preferência entre as marcas de luxo das classes sociais mais abastadas.

"A moda é um sistema original de regulação e de pressão sociais: suas mudanças apresentam um caráter constrangedor, são acompanhadas do 'dever' de adoção e de assimilação, impõem-se mais ou menos obrigatoriamente e um meio social determinado – tal é o 'despotismo' da moda tão frequentemente denunciado ao longo dos séculos." (LIPOVETSKY, 1989, p.39-40).

A moda por essência nasceu das diferenças sociais e para as elites e por mais que as tentativas contemporâneas tentem democratizá-la, a moda é um processo de “obsolescência programada”, que instaura e antecipa novidades nos usos e nas formas do vestuário e que as sugere como um importante referência de luxo e elegância, ou seja, somente as classes mais abastadas conseguem acompanhar essa efemeridade programada, usufruindo das ferramentas de distinção social que a moda oferece.

Referências:
BARNARD, Malcolm. Moda e Comunicação. Tradução de Lúcia Olinto. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.
BERGAMO, Alexandre. O Campo da Moda. Revista de Antropologia. v.41 n.2 São Paulo, ago. 1998.
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. Tradução Maria Lucia Machado. São Paulo: Cia. das Letras, 1989.
VILLAÇA, Nízia Maria Souza. A Cultura do Fetiche: Corpo e Moda. In: Anais do NP 15 - Semiótica da Comunicação no XXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Porto Alegre/RS, 2004. Disponível em: a href="http://hdl.handle.net/1904/18149" target="_blank">http://hdl.handle.net/1904/18149> Acesso em: março 2014.

Por Eduardo Vilas Bôas
Professor de Moda do Senac SP

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