Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

As mais reluzentes grifes estão no país e mais uma porção está chegando. Num cenário competitivo e com o agravante de que os brasileiros fazem mais da metade de suas compras de bens pessoais de luxo no exterior, chega a ser surpreendente que haja empreendedores em busca de espaço justamente neste universo. Afinal, esses consumidores não fazem parte de um mesmo e coeso grupo de privilegiados já muito bem atendido?

Um estudo do Boston Consulting Group sobre o mercado de luxo, publicado em janeiro, mostra que o setor deve continuar crescendo até 7% ao ano, superando o PIB de muitos países, estimulando o surgimento de startups e aquisições em vários segmentos. Porém, os players estão meio passo atrás das mudanças, precisam enfrentar um cenário bem mais complexo e, como destaca o relatório, "encarar os novos tipos de consumidores engajados em novos comportamentos de compra".

No Brasil, o pagamento parcelado amplia ainda mais as possibilidades de quem está olhando para o setor. "Muitos consumidores podem fazer uma compra de luxo mesmo não sendo o cliente tradicional e assíduo. É um erro olhar o público potencial só pela estratificação social, pelo topo da pirâmide, como se fossem todos iguais e quisessem as mesmas coisas", diz Luis Rasquilha, CEO da consultoria de tendências e inovação AYR.

Foi com esta convicção que as sócias Michelle Lima, Paula Proushan e Fernanda Buschmann lançaram há nove meses a marca de calçado Blue Bird. "Somos uma startup de luxo acessível, com viés cultural e compromisso social focada na mulher contemporânea", explica Michelle. Depois de cinco anos trabalhando na indústria calçadista, ela identificou um nicho muito específico para atuação, o de sapatos sofisticados e "flats" feitos para acompanhar a mulher o dia todo.

Para estabelecer bem o conceito, começaram com um único modelo, o loafer, com forro e solado de couro. Uma fita de gorgurão de arremate é a assinatura da marca. A máquina para construir o cabedal (a estrutura do sapato) foi importada da Itália. O trio contratou mão de obra especializada em sapatos masculinos para garantir o conforto. A palmilha interna tem o dobro da espessura do que é usado no mercado. "Nosso conceito é para a mulher que se sente confiante e elegante sem precisar subir no salto. É um novo estilo de vida. Somos anti-Louboutin."

Ana Paula Paiva/Valor / Ana Paula Paiva/ValorJuliana Affonso Ferreira, uma das sócias da Isolda, que moram em três países diferentes: marca com concepção globalizada, mas de identidade brasileira

Mesmo estreantes no mercado, planejaram a distribuição inicialmente só pelo e-commerce de etiquetas bacanudas, mas acabaram sendo convidadas para expor em multimarcas de luxo no Brasil e na Itália, como a Luisa Via Roma, em Florença. Já estão em showrooms no Japão e Nova York. Elas também apostam na venda pelo Facebook, onde contam com 6 mil seguidoras, na doação de parte da arrecadação para uma instituição, e, em especial, no aspecto cultural de cada coleção. Na última, trouxeram para os sapatos um episódio envolvendo a arquiteta Lina Bo Bardi e sua defesa do jogo do bicho quando ele foi declarado ilegal. "Luxo também está em contar uma história para o cliente que ele não sabia, envolvê-lo num contexto mais relevante", diz Michelle.

Quando montou a gestora de marcas internacionais Acaju do Brasil, Dimitri Mussard, integrante da família fundadora da Hermès, queria justamente trazer para o país um frescor na concepção tradicional do luxo. Reuniu grifes para conversar tanto com o bem nascido jogador de polo (Vicomte A) quanto com a executiva poderosa e com senso de humor (Le Petit Jouers e Le Specs). "Qualidade, inovação e design fazem mais sentido hoje neste setor", diz ele.

Os principais atributos da indústria ficaram diluídos com o processo de globalização das grifes e o impacto tecnológico. A exclusividade entrou em cheque com a expansão geográfica. A tradição ficou abalada com a volatilidade das marcas. A distribuição antes restrita não resistiu ao e-commerce. E o posicionamento de preço sucumbiu aos apelos do fast fashion. Assim, os consumidores reavaliam seu entendimento do luxo e exigem a incorporação de novos valores. "O setor tem hoje eixos de representatividade diferentes como a autenticidade, que pode vir da proximidade local com o cliente; o 'empowerment', que é o direito de escolha e customização do consumidor; e a experiência que pode estar numa projeção social ou numa viagem", explica Rasquilha.

A grife feminina Isolda tem vários ingredientes para fazer parte dessa nova safra. Lançada em 2011 pelas irmãs Alessandra e Juliana Affonso Ferreira, e a amiga de infância, Maya Pope, a grife é o que se pode chamar de uma marca de luxo "glocal": tem concepção globalizada, mas uma identidade brasileira.

A arquiteta e estilista Alessandra estudava tecido em Londres quando apresentou a primeira coleção da Isolda como trabalho final de curso. O processo de criação sempre teve a ajuda da irmã, Juliana, que também morava em Londres, onde estudou documentário. Maya, designer gráfica, juntou-se a elas em seguida. Hoje, cada uma mora num canto: Alessandra em Nova York, Juliana em São Paulo e Maya na Espanha. Reuniões são feitas, diariamente, via Skype.

Com o apoio das redes sociais rapidamente a marca caiu no gosto de consumidores ao redor do mundo. O público que veste Isolda se identifica com os vestidos, saias e blusas de modelagem impecável e matéria-prima de primeira. O crepe de seda triplo (importado) caiu no gosto das brasileiras. As estampas nacionalíssimas - a última coleção, batizada de Rouge, tem antúrios e pimentas - são desenhadas à mão por Alessandra, o que dá um caráter de peça única à roupa.

O primeiro evento "real" no Brasil foi um desfile fechado na casa de uma prima, em São Paulo. Ano passado elas fizeram um desfile patrocinado pela Samsung. Em apenas três anos, a marca já está presente em 70 multimarcas no Brasil e 15 no exterior. A intenção é chegar a cem em dois anos. Elas já têm convites para desfilar no SPFW, fizeram uma parceria de muito sucesso com a Converse, vão participar, em maio, do Salão +B (feira de negócios) e montar uma pop up store no Rio, durante a Copa do Mundo. "Nós conseguimos propor algo novo ao mercado de luxo. Na era do digital e descartável, ter uma roupa cuja criação passa pelo desenho à mão proporciona calor humano. Além da identidade brasileira sem ser caricata", afirma Juliana.

As irmãs Lilly e Renata Sarti estrearam há oito anos fazendo peças que faziam sentido para suas amigas, seu círculo social. Foram apadrinhadas por Eliana Tranchesi e Donatta Meirelles, da Daslu, e começaram a trilhar um caminho profissional. O respaldo do cluster inicial de consumidoras foi fundamental para que a Lilly Sarti pudesse se consolidar e transpassar fronteiras. O tíquete médio em suas lojas supera os R$ 4 mil, e a abordagem corpo a corpo pelo Instagram faz com que as moças voltem toda semana. "Fomos amadurecendo e hoje temos conexão com a classe 'triple A' em qualquer lugar do mundo", explica Lilly.

Depois de estrear na São Paulo Fashion Week e prestes a abrir sua loja carioca, Lilly acredita ver com mais clareza sua trajetória. "Começamos de forma despretensiosa sem pensar que faríamos uma marca de luxo. Eu tinha 19 anos. Hoje, entendo que neste setor é preciso mais que design, qualidade da matéria-prima e do acabamento, tiragem limitada, distribuição seletiva", explica Lilly. "Nossas clientes estão acostumadas com as melhores marcas do mundo há muito tempo, mas nós criamos proximidade com elas, sabemos passo a passo seus desejos e interesses." E esse é um dos aspectos decisivos junto a um consumidor tão exigente. "É um dos nichos que mais demandam empatia e perfil similar de estilo de vida", atesta Lígia Dutra, fundadora da UpaLupa, empresa de capacitação de empreendedores.

O empreendedorismo no luxo não se restringe ao setor de moda. Os investidores têm identificado o desejo crescente dos consumidores por mobiliário e serviços sofisticados. Mas não nos mesmos moldes de antigamente. Os sócios fundadores do e-commerce de móveis e artigos para casa Mobly, Marcelo Marques, Victor Noda e Mario Fernandes, por exemplo, acabam de lançar uma plataforma só para produtos grifados, a Keva. Com um faturamento de R$ 180 milhões no ano passado, atendendo principalmente as classe B e C, a Mobly decidiu conquistar também quem buscava peças assinadas.

"O luxo representa 15% do mercado de decoração e não podíamos ignorar este público, nem a demanda dos varejistas", explica Victor Noda. Para tanto, o trio criou um novo site com identidade visual capaz de abrigar as peças mais sofisticadas. Para adequar o negócio às demandas peculiares desse setor, Noda contratou um especialista para fazer a curadoria dos itens. A expectativa dos sócios é que a Keva chegue a 10% do faturamento da Mobly no prazo de um ano.

Mesmo com cada vez mais consumidores de luxo demandando acessibilidade, a arquiteta Juliana Llussá prefere atender aqueles que valorizam produtos em pequena escala e sob medida. Designer e proprietária da Marcenaria Llussá, ela trabalha com madeira, grande parte certificada, para construir seus móveis sem parafusos ou pregos, só com encaixes. Uma mesa de centro pode demorar 15 dias para ficar pronta. O preço de uma de suas peças assinadas pode chegar a R$ 18,5 mil, caso do buffet Damunt.

Por dez anos ela acreditou que seu público estava no bairro boêmio da Vila Madalena, mas descobriu que podia seduzir os consumidores mais diversos. "Bastou eu mudar para a região da Gabriel Monteiro da Silva, ficar mais próxima dos especificadores (arquitetos e decoradores) para triplicar as vendas nos três primeiros meses."

Divulgação / DivulgaçãoMario Fernandes, Victor Noda e Marcelo Marques (da esq. para dir.), da Mobly: plataforma de grifes para ampliar faturamento de R$ 180 milhões com base nas classes B e C

Lígia Dutra, da UpaLupa, diz que cerca de 60% dos participantes de suas oficinas de empreendedorismo hoje querem atuar no setor de luxo. O amadurecimento do mercado, com consumidores mais bem informados e exigentes, que poderia significar dor de cabeça para alguns, é encarado como uma oportunidade para outros. "A vantagem desse nicho é a previsibilidade e a estabilidade. A maior dificuldade é a falta de mão de obra qualificada" acredita Cláudio Goldberg, professor do MBA de varejo da FGV.

Nos últimos dez anos, diz Luiz Fernando Turatti, coordenador do centro de pesquisa em estratégia do Insper, o mercado brasileiro de alto padrão ganhou musculatura. "Mas, ao mesmo tempo, um erro de atendimento tem muito mais impacto porque é um público que olha para os detalhes", diz ele.

O engenheiro português Pedro Marques resolveu arriscar. Ele chegou ao Brasil há sete anos para fazer uma pós-graduação em marketing na PUC do Rio. Era um sabático depois de ter trabalhado na consultoria Deloitte. Seu projeto de curso desenhado para o ramo imobiliário se transformou há quatro anos no resort exclusivo Kenoa, em Barra de São Miguel, Alagoas. "Eu nunca trabalhei com hospitalidade, mas sentia a deficiência de hotelaria de luxo no Nordeste e resolvi empreender", conta ele.

Sua família tinha uma casa na região e por isso ele conhecia bem a praia "deserta" onde instalou o hotel. Mas desde o início o projeto foi pensado para um público específico. "Eu nunca quis a ostentação, o exibicionismo. O que busco é lidar com o tempo dos hóspedes com tranquilidade e respeito. Não sou fundamentalista, mas a natureza é o maior atributo do lugar, uma experiência que precisa ser valorizada." O projeto arquitetônico exprime a proposta de sofisticação em sintonia com o lugar. Para a piscina, por exemplo, Marques trouxe uma pedra de Bali no mesmo tom do mar para criar a sensação de infinito.

Com 23 suítes, o hotel tem registrado uma taxa de ocupação anual de 70%, atendendo principalmente o público de São Paulo. Em média, os hóspedes passam ali quatro dias gastando R$ 8 mil. Bom, e o serviço? "São 36 funcionários para 23 quartos que passam por um treinamento que nunca acaba. Essa é a diferença. Não é fácil porque só um sorriso caloroso não basta." E esse, claro, é o maior desafio para que Marques possa franquear sua bandeira para outras cidades. "Não quero arriscar sem ter certeza que posso oferecer uma experiência de qualidade."

Luis Ushirobira/Valor / Luis Ushirobira/ValorJamey Barbour: SUVs de luxo Lincoln Navigators foram transformados em escritórios

O empresário americano Jamey Barbour, que mora no Brasil há dez anos, também sentiu que havia uma oportunidade para atuar no segmento de serviços de luxo. Ele não se conformava de não haver em São Paulo um sistema VIP de transporte. Em fevereiro, lançou a Opulentia, com os SUVs de luxo Lincoln Navigators avaliados em R$ 1 milhão cada, depois das modificações feitas. Eles foram transformados em escritórios ambulantes com computador, conexão à internet banda larga, impressora, monitor LCD, televisão, DVD. Há poltronas com massageador e o cliente pode escolher as leituras de seu interesse e as bebidas preferidas. Os motoristas têm treinamento em segurança, permissão para andar armados e são fluentes em uma outra língua. Mas se o executivo exigir um papo em mandarim, a empresa dispõe de intérpretes para a estadia.

No próximo ano, Barbour quer levar a Opulentia para o Rio. O transporte VIP custa R$ 600 por hora, com contrato mínimo de quatro horas. Mas há também pacotes semanais e mensais. Em dois anos, ele espera que sua frota não fique um segundinho sem um passageiro de estirpe. "Configuramos o carro como se fosse um jato particular. É uma empresa que presta um serviço exclusivo, portanto, o mais importante é ter credibilidade para ser recomendada a clientes tão especiais", afirma Barbour.

http://www.valor.com.br/empresas/3525598/construtores-de-nichos

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