A gente muitas vezes se depara com um mercado que não favorece o florescimento de algumas marcas, um mercado que enxerga a diversidade como algo segmentado, que enxerga a nossa regionalidade como algo negativo” – Pedro Batalha

Como toda revolução, a Dendezeiro também nasceu de um descontentamento. Caminhando pelas ruas da periferia de Salvador, os jovens Pedro Batalha e Hisan Silva não se viam representados pela indústria da moda. Os meninos viraram estilistas. Os estilistas viraram ativistas. Costuraram diversidade, estamparam pluralidade, tingiram inclusão e venderam representatividade e possibilidade.

A Dendezeiro nasceu em 2021 e em pouco tempo conquistou seu espaço não só no guarda-roupas, mas na consciência de seus apreciadores. Na noite do dia 3 de dezembro, a marca teve sua luta reconhecida também pelo Instituto C&A, braço social da gigante de moda, que através da premiação anual Fashion Futures, exaltou a baianíssima Dendezeiro na categoria Marca de moda autoral do ano.

Pedro Batalha, sócio ao lado de Hisan Silva, já viveu algumas vidas, apesar de apenas 27 anos. Ao comemorar o reconhecimento, admite que quando criança nunca imaginou que seria esse seu caminho. “Fui uma criança que cresceu em condições econômicas precárias. Nunca imaginei que a moda me impactaria”.

Harper’s Bazaar Brasil – Quando e como o projeto começou?

Pedro Batalha – A Dendezeiro começou em 2019, um projeto idealizado por mim e pelo meu sócio, Hisan Silva, onde a gente não enxergava um espaço pertencente no universo da moda, e por isso a gente teve essa iniciativa, né, desenvolver o nosso próprio negócio, onde a gente pudesse imprimir mesmo a nossa identidade, a forma como a gente enxergava a moda, como a gente enxergava ela enquanto ferramenta, enquanto linguagem. Isso começa lá em 2019, a partir da nossa junção de trabalho.

HBB – O reconhecimento através do Fashion Futures é uma grande vitória?

PB – Com certeza! O Fashion Features é uma premiação que envolve uma curadoria de pessoas que estão na moda há muito tempo. Existe um respeito muito grande também pela produção de conteúdo, estudo, entrega e legado que essas pessoas têm deixado também no universo da moda.

Para além também de ser feito pela C&A e com a parceria da Bazaar, que também são duas instituições que estão no mercado de nome, que para além do universo da moda enquanto produto, também são empresas que têm trabalhos que envolvem sustentabilidade, tecnologia, impacto social. Então é muito bom você perceber que a marca foi avaliada por empresas que têm isso como critérios importantes também. Eu acho que reflete muito mais quando se fala sobre a marca do ano, eu acho que passa a análise de todos esses pontos, né? Então, pra gente isso foi muito bom!

HBB – Quais são os maiores desafios e prazeres de ser autoral no Brasil?

PB – Em relação a esses ônus e bônus em ser autoral no Brasil, eu acho que é muito bom quando você tem o poder de decisão e a possibilidade de passar a sua própria visão criativa sobre qualquer coisa. Então, ter essa autonomia, ter essa direção é muito bom, é muito importante para a minha autoestima enquanto criador, para o Hisan, é muito importante para uma marca nordestina aqui de Salvador que consegue imprimir os valores que a gente tem enquanto cultura aqui para o mundo. Então, eu acho que é uma possibilidade que a gente tem mesmo de imprimir a nossa identidade numa vitrine para o Brasil e para o mundo inteiro.

E a gente encontra muitos desafios, inclusive estruturais e não estruturais, porque a gente vem de uma sociedade que não te traz um ensinamento de gestão financeira, de gestão empresarial, do universo do CNPJ que isso envolve. Então, assim, a Dendezeiro acaba sendo uma escola muito grande enquanto criativo e enquanto empresário, que a gente sempre tem que dividir e navegar entre esses dois papéis.

A gente muitas vezes se depara com um mercado que não favorece o florescimento de algumas marcas, um mercado que enxerga a diversidade como algo segmentado, que enxerga a nossa regionalidade como algo negativo. E a gente tem que estar o tempo todo reafirmando esse nosso local como um local de qualidade, como um local de boa execução, como um local de respeito à nossa criatividade. As empresas aqui em Salvador, elas não têm o mesmo investimento que existe em São Paulo, por exemplo, então os acessos aqui são muito restritos. A gente tem que estar sempre saindo de Salvador para poder ter acesso a uma matéria-prima mais extensa. Isso e uma série de coisas.

HBB – O que te motiva a continuar desenvolvendo um projeto com tanto impacto?

PB – O que me motiva é ver o impacto que a gente tem direto nas pessoas do dia a dia. É muito bom quando a gente tem contato, né? E a gente troca com outros artistas, com outras pessoas que estão na mídia, e a gente vê usando a roupa, a gente vê que as pessoas acreditam e compram a marca, entendem… mas sempre que a gente realiza projetos que causam impacto social direto na vida do cotidiano das pessoas, isso com certeza alimenta muito a nossa vontade de continuar, como o nosso projeto dos capelos, onde a gente desenvolveu quatro modelos de capelos para diferentes tipos de cabelos. E para a gente isso foi icônico, porque a gente sarou uma ferida também que era ancestral e que tinha como racial político. Então eu acho que são esses projetos que fazem com que a gente continue.

HBB – Qual a importância da mídia especializada para que se alcance uma moda mais sustentável e inclusiva?

PB – Olha, eu acho que a gente precisa parar de falar sobre diversidade, inclusão, sustentabilidade de maneira… em datas, calendários. Eu acho que são fundamentos essenciais para qualquer marca. Qualquer marca atual que queira se levantar, para qualquer marca que já existe no mercado há muito tempo, a gente não pode mais tratar esses valores como valores negociáveis. Então eu acho que a mídia também entender isso de uma forma que ela também é responsável pela cobrança, ela também é responsável pelo fomento, pela presença ou pela escassez também desses valores nas instituições.

É importante a mídia entender que a gente precisa também modificar a forma como a gente da determinados créditos, assuntos, da determinados tipos de notícias que as empresas têm. E a gente redireciona um pouco o nosso foco, a nossa comunicação, para pontos que realmente têm um impacto cultural, um impacto social, e que vão crescer a empresa, e que vão crescer o universo da moda.

A moda é o segundo setor que mais polui no mundo. A gente tem que unir forças, a instituição junto com a mídia. Acho que todo mundo precisa mesmo constantemente passar por reavaliações, até porque esses são valores que não são estáticos, eles são mutáveis o tempo todo. A nossa noção de sustentabilidade há 10 anos atrás não é a noção de hoje, nem de inclusão. Então é algo que a gente não para de estudar nunca.

HBB – Como você enxerga o futuro da moda no Brasil?

PB – Eu acho que a moda está caminhando para um futuro cada vez mais democrático, cada vez mais criativo. Eu acho que é um mercado saturado, sim, mas que é um mercado que quando dá a possibilidade de novos criadores, novos ideais, novas visões de mundo entrarem, é um mercado que muda muito a vida das pessoas, tem um impacto direto na vida das pessoas.

E eu acho que a gente está se atentando cada vez mais para assuntos que realmente importam também dentro da moda, o nosso planeta, a nossa biodiversidade, que é a moda como ferramenta de emancipação e de autoestima e de construção pessoal, e não como uma ferramenta de exclusão, de destruição inconsequente. Então eu acho que a forma como a gente tem utilizado a moda, ela vem cada vez mais sendo consciente, sendo responsável, sendo humana, que é o que eu acho que ela tem de mais importante.

Por Diogo Mesquita 

https://harpersbazaar.uol.com.br/moda/dendezeiro-moda-brasileira-pa...

Para participar de nossa Rede Têxtil e do Vestuário - CLIQUE AQUI