Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Desenvolvimento de Produto - Quanto é Que Vale o Trabalho Criativo?

A cliente liga e pergunta sem cerimônia: "Posso levar minha mãe? Ela vai me ajudar a escolher." Claro, que pode. Quem negaria a uma noiva o prazer de dividir com a mãe uma decisão tão crucial? A estilista, que tinha uma loja até recentemente, optou por ficar só com o atelier em casa e fazer atendimento personalizado para vender seus vestidos sob medida. Foi assim que construiu seu nome e é assim que quer mantê-lo.

Na hora marcada, a moça chega com uma acompanhante. A mulher segura o braço da filha de uma forma esquisita, sem intimidade. Elas se sentam e a senhora chama a atenção da estilista. "Olha, tem um furinho aqui no sofá." Que "deselegante", pensa a criadora, mas pega o papel e o lápis para o esboço do modelo. A observação impertinente não estraga sua inspiração. Vai conversando e desenhando.

A mãe demonstra um conhecimento técnico surpreendente. Pergunta de chuleado, caseado. Faz uma investigação minuciosa de acabamentos. Questiona a proporção e o corte enviesado do tecido. Estranho, muito estranho. Muitos cafezinhos depois -vá você ter um ateliê para atendimento olho no olho e não oferecer Nespresso-, a consulta termina e a noiva sai com um ar vitorioso arrastando aquela senhora tão ávida de informação.

Essa seria a primeira, mas não a última vez que a estilista atenderia clientes que carregam a costureira disfarçada de mãe prestimosa. As nubentes querem um modelo exclusivo, ambicionam ser o centro das atenções na data especial, mas não querem pagar pelo valor da criação. Levam a consultoria de graça para casa e fazem o modelito com a tal senhorinha fantasiada de genitora.

A estilista atende clientes de todo o Brasil, da classe C aos bem-nascidos. De gente informada e conhecedora do ritual aos estreantes nesse serviço tão customizado. Mas em qualquer situação, todo mundo quer seu conteúdo de graça. "E ainda pisam no rabo do meu gato quando vão embora."

A questão não está restrita ao mundo da moda. É bem ilustrativa de como os protagonistas da indústria criativa sofrem para galgar seu espaço no país. Sabe-se que o trabalho autoral, o conhecimento especializado ou o conteúdo, se você preferir, é estratégico e que faz diferença na vida das pessoas, mas são poucos que estão dispostos a colocar a mão no bolso por isso.

Vá a uma butique digital, dessas que confeccionam blogs e sites corporativos. Converse com os especialistas, os engenheiros da navegação. Eles são capazes de "domesticar" todos os recursos das redes sociais, concebendo formas sedutoras para cativar a audiência. Mas sempre ressaltam que o que interessa mesmo é um conteúdo de qualidade. Os clientes, da multinacional à madame candidata a "it girl", sabem disso, é evidente. Procuram profissionais para que possam suprir essa necessidade. Só que acreditam que esse deve ser o menor custo do pacote.

Passe para a indústria do entretenimento. Com R$ 1 bilhão - esse é o cálculo das produtoras - no mercado para produção nacional para os canais à cabo, nunca se buscaram tantos roteiros relevantes. Conteúdo, por favor, e rápido. Afinal, como diria Billy Wilder, a "história é a mãe de tudo". Os roteiristas acreditaram que, enfim, iam ser reconhecidos, valorizados. Not yet.

Recentemente um experimentado roteirista, com mais de 20 anos de carreira, com filmes e documentários no mercado, foi convidado para escrever episódios para uma minissérie em produção e lhe ofereceram R$ 2 mil por episódio. Um disparate para não dizer uma grande cara de pau. À medida que essa indústria começa a ganhar corpo, já começa a reproduzir o raciocínio perverso de desvalorizar os autores, aqueles que fazem o conteúdo.

O roteirista conta a história, refaz quantas versões forem necessárias, coloca o castelo de pé. Se for para um filme, por exemplo, demora no mínimo um ano nesse processo. Mas não recebe um tostão além do que ganha pelo texto original que entrega. Não leva nada pelos DVDs que forem vendidos nem pela reprodução em "outras mídias que possam vir a ser criadas".

Há uma confusão entre compartilhar e se apropriar. Entre, acesso democrático e chute na porta. Entre colaboração e vampirismo. As corporações falam da importância da qualificação da mão de obra, mas não querem assumir o que consideram um ônus por esse aprimoramento. Justamente quando seus profissionais estão no auge da formação, plenos a oferecer o conteúdo de qualidade que os diferencia da concorrência, são dispensados. São considerados caros. Os exonerados têm de arcar com o ônus de seu próprio conhecimento e se reinventar como consultores na mais diferentes áreas.

No atelier, na cozinha ou no estúdio, o autor é demandado a surpreender. Ele tem de ser capaz de fidelizar, seduzir, multiplicar a audiência. Mas seu empenho criativo é tratado como sabão em pó, precisa fazer espuma e ser o mais barato. O consumidor não pode piratear um vestido de noiva. A indústria não pode trair quem faz seu coração bater.

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Respostas a este tópico

Ah! Agora entendi porque somente 10% dos orçamentos a que respondo voltam a me contatar. Não se dão nem siquer ao trabalho de "trazer a mamãe" a tiracolos.

Isso não é Espionagem Industrial. É burrice cibernética minha... vou repensar essa "tár de internet"

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