Assim como a recuperação econômica prevista para este ano deve elevar a demanda pelos mais diversos bens de consumo, também acende o alerta para o aumento das importações em detrimento da produção local, acentuando o processo de desindustrialização.
A perda de participação da indústria sobre o Produto Interno Bruto (PIB) é um processo que se intensifica desde os anos de 1990, mas ganhou força com a recente recessão econômica, que gerou três anos consecutivos de retração da atividade fabril. Em relação a 2007, quando a participação da indústria no PIB era de 16,6%, houve um recuo a 11,8% até o terceiro trimestre de 2017, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para piorar este quadro, uma recuperação da produção a níveis semelhantes aos observados no melhor momento do setor, em 2013, poderia vir apenas em 2024, estima o economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin. “Precisamos virar a página da crise e começar a colocar em pé e a todo vapor um novo arranjo para o setor produtivo”, explica. Segundo ele, enquanto a indústria brasileira definhava, os demais países ampliavam sua capacidade produtiva, com a intensificação do uso de tecnologia.
E este é exatamente um dos maiores problemas do período recessivo: a retração dos investimentos em bens de capital, necessários para a modernização dos parques fabris, responsáveis por garantir mais produtividade e competitividade. Com os empresários fortemente preocupados em reduzir despesas, os aportes em ativos fixos foram deixados de lado.
Importações
No entanto, com a recuperação econômica e o consequente retorno do consumo, parte deste abastecimento deverá ser abocanhada por produtos importados. “Devemos observar a volta das importações absorvendo parte do consumo interno”, prevê o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel.
De acordo com ele, a recuperação da demanda garantiu uma expansão de aproximadamente 3,5% da produção de vestuário no ano passado, mas este resultado deverá ser menor este ano – de 2,5% –, mesmo com um cenário macroeconômico mais positivo, em razão das importações.
Na indústria elétrica e eletrônica, as expectativas são semelhantes. “O avanço do setor [que fabrica celulares e computadores] implica em mais importações, pelas características da nossa base produtiva”, destaca o presidente-executivo da Associação Brasileira da indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato.
Para o professor de economia da PUC-SP e sócio-diretor da consultoria AC Lacerda, Antonio Corrêa de Lacerda, é bem provável que a indústria continue perdendo representatividade no PIB. “Conjunturalmente estamos melhor, mas estruturalmente pioramos”, diz, ressaltando que o acesso a recursos de longo prazo, como os obtidos pelas empresas no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ficaram mais escassos. “Isso afeta muito o desempenho da indústria. As políticas industriais deveriam ser perenes, independentemente do governo. São poucos os países que se desenvolvem sem a indústria acompanhar”, completa.
Mudança de estratégia
Para o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Guto Ferreira, o que ocorre no Brasil não é uma desindustrialização, mas um nova configuração econômica, pela maior participação do setor agrícola, especialmente como fornecedor global. Além disso, ele reforça que o Brasil também vem ganhando mercado em cadeias como a automobilística e de bens de consumo, como no caso da Havaianas, que é um produto praticamente sem concorrência. “Não é uma questão estatística, mas de retórica. A indústria precisa se acostumar com o novo momento da economia mundial”, avalia Ferreira.
Segundo ele, o governo vem elaborando uma agenda estratégica para ganhar competitividade, não só interna como externa, em setores como têxtil, agro, medicina e defesa. “Competitividade não é abrir o mercado de forma irrestrita, mas priorizando áreas”, completa.
Paraguai
Junto com a perda da competitividade interna, o Brasil passou a sofrer também com a intensa concorrência do Paraguai, que passou a atrair empresas por meio de incentivos fiscais, além de uma oferta de energia com preços mais baixos. Estima-se que nos últimos cinco anos, cerca de 80 empresas deixaram o Brasil para se instalar no país vizinho. Entre elas estão companhias com perfis distintos, como a rede a varejista Riachuelo e a fabricante de brinquedos Estrela. “É um processo de atração quase irresistível”, comenta o consultor do Centro das Indústrias do Estado do Amazonas (Cieam), Alfredo Lopes.
Segundo ele, a Zona Franca de Manaus passa por um intenso processo de desindustrialização por falta de competitividade, em razão de questões como ineficiência logística, energética e tributária. “Há falta de investimentos na agregação de valor, reduzindo a capacidade de inovação tecnológica”, afirma, exemplificando que dos quase R$ 2,4 bilhões arrecadados pelo fundo nacional de desenvolvimento científico e tecnológico, recolhidos por empresas de informática entre 2012 e 2017, menos de 10% foram repassados às empresas.
“Não há como inovar e agregar valor à produção sem usar verbas para pesquisa e desenvolvimento. Há um confisco desses valores, que impedem as empresas de se diversificarem”, completa Lopes.
Como consequência da retração da produção fabril e da perda de representatividade sobre o PIB, os postos de trabalho industrial também perdem força. “Essa é outra maneira de medir a desindustrialização: pela perda de participação sobre o emprego gerado”, alerta Cagnin. Ele pondera que um recuo de participação da geração para o setor de serviços poderia ser algo normal, porém, essa retração no Brasil se dá pelo aumento de vagas de baixa qualificação. No ano passado, cerca de 15,5% do emprego estava na indústria de transformação, ante 17,9% de 2010 e 18,5% de 2005.
https://www.dci.com.br/impresso/desindustrializac-o-pode-piorar-dia...