«O verdadeiro grande condutor é a digitalização proveniente da era da Internet», afirmou Lutz Walter, secretário-geral da Plataforma Tecnológica Europeia para o Futuro dos Têxteis e Vestuário (ETP na sigla original) – a maior rede de pesquisa e inovação têxtil europeia – em declarações ao portal Just-style à margem do evento.
«A distribuição e as vendas online voltaram a indústria de cabeça para baixo. Os jogadores estabelecidos vão enfrentar dificuldades, porque os custos de stock [que precisam de manter nos armazéns] vão matá-los», continuou Walter, que é também responsável de pesquisa e desenvolvimento, inovação e projetos na Confederação Europeia de Têxtil e Vestuário (Euratex).
Walter defende que a mudança será impulsionada pelo retalho de moda, cada vez mais dominado pelas plataformas online que, segundo ele, conhecem os perfis de compra dos clientes e podem, de forma muito precisa, prever ou orientar aquilo que o consumidor vai comprar e quando.
«As redes sociais, as reviews do consumidor, os websites de feedbacks e o histórico de compras já ultrapassam os assistentes de loja e há ainda a conveniência das compras online e móveis», enumerou, ressalvando um estudo de maio 2015 do Fung Business Intelligence Centre que relatava que os portais Zalando, na Alemanha, e o showroomprive.com, na França, tinham aumentado as vendas em 94,7% e 47% a partir de 2009 e 2014, respetivamente.
«Para compreender este potencial, é preciso “diminuir o zoom” na etapa de fabrico de vestuário e olhar para o processo de criação de valor como um todo, desde o design até ao momento em que o consumidor recebe a peça», explicou.
Mesmo para as marcas de moda rápida como a Zara e a H&M, «este processo é longo, extremamente complexo, propenso a falhas e acarreta desperdícios», enfatizou Walter.
Todavia, graças a um processo digital e completamente integrado será possível providenciar produtos totalmente “à medida”. A estamparia digital é também muito influente no sector, disse Walter, com «cada vez mais oportunidades para produtos rapidamente customizados».
Vários oradores concordaram. «Daqui a quatro anos, será possível as empresas reorganizarem-se, uma mudança nas cadeias de valor e uma renovação do sector», atestou Jesse Marsh, sócio da consultora italiana Atelier Studio Associato.
Já Hervé François, diretor comercial da Mitwill Textiles Europe, afirmou que «o rosto do futuro é o modem».
Keith Hoover, vice-presidente dos processos materiais e inovações de cor na Under Armour, considera que a mudança tecnológica se coaduna com lead times mais pequenos e melhor planeamento.
«Temos lojas e salas de stock em vez de armazéns. O novo local para venda é o smartphone», afirmou.
Para Hoover, a digitalização é impulsionada pela tecnologia, bem como pelas vendas online. «Temos vindo a colocar sensores em roupas nos últimos cinco anos, particularmente no sportswear, para monitorizar a atividade, com os dados enviados para os smartphones dos clientes ou para uma cloud. Isso abriu um mercado que não existia antes». Hoover enfatizou ainda que a nova tecnologia há muito superou as meias respiráveis e os tecidos que combatem o mau cheiro.
Competências digitais
Apesar de muitos defenderem que a nova tecnologia se vai limitar a cortar postos de trabalho, Francisco Ibáñez, diretor científico da direção-geral da DG Connect da Comissão Europeia ressalvou que 90% dos empregos exigem um certo nível de competências digitais e que, até 2020, dentro da União Europeia, vão ficar disponíveis cerca 800 mil vagas nas TIC’s.
Considerando estes dados, Paolo Canonico, diretor técnico e de R&D da empresa italiana de vestuário Saati Group, instou a Comissão Europeia a dar prioridade à digitalização, modelagem virtual e aos modelos de negócio digitais no financiamento da investigação no âmbito do programa Horizonte 2020.
Canonico, também presidente da ETP, acrescentou que, face à concorrência externa, «se a indústria estiver no topo da tecnologia avançada, ainda estamos a salvo».
Vestuário inteligente
A sessão sobre saúde e bem-estar e sportswear inteligente enfatizou os resultados da digitalização em «novos níveis de produtividade e na criatividade na confeção».
O COO da empresa francesa de vestuário de saúde BioSerenity, Marc Frouin, espera que os têxteis inteligentes conduzidos pelos sensores “segunda pele” da empresa sejam capazes de prever ataques epiléticos no prazo de três a cinco anos, enquanto Rosa López, responsável de projetos internacionais do Aitex, mostrou como as t-shirts inteligentes para adolescentes podem ajudar a reduzir o comportamento sedentário, rastreando a atividade do utilizador no smartphone.
Voltando-se para o desporto, João Gomes, diretor de RTD do Centro de Nanotecnologia e Materiais Técnicos, Funcionais e Inteligentes (CeNTI), introduziu sensores de fibra em artigos de outdoor e proteção.
Enquanto Rickard Rosendahl, CEO do grupo Inuheat, Suécia, mostrou uma plataforma de aquecimento wearable: «um ecossistema com todos os componentes e materiais necessários para um fabricante de vestuário produzir roupas com aquecimento alimentado por bateria embutida».
Já Marco Dal Lago, CEO e cofundador da CLARA Swiss Tech, apresentou inovações têxteis inteligentes para a prática de ciclismo. «Morrem, por ano, cerca de 2.000 ciclistas são em acidentes no trânsito», informou, descrevendo como os premiados casacos com sistema de iluminação podem ajudar, «fundindo o têxtil com a eletrónica».
Em última análise, a digitalização impulsionou a indústria têxtil e a produtividade do vestuário da União Europeia em 36% desde 2004, com um aumento de 37% nas exportações em valor, de acordo com a nova “Strategic Innovation and Research Agenda” da ETP, revelada na conferência.