Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Discurso Da Beyoncé No CFDA Awards Reflete A Realidade Da Moda Para Profissionais Negros

Na noite de segunda-feira (6), aconteceu mais uma edição do CFDA Awards, o prêmio mais importante do mundo da moda. Esse ano, você provavelmente ficou sabendo do prêmio porque a nomeada como “ícone fashion” foi ninguém menos que Beyoncé. A cantora apareceu de surpresa no evento para aceitar a estatueta e dar um lindo discurso sobre a importância da ancestralidade e sobre o racismo nas indústrias da moda e da música.

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Depois do álbum Lemonade, com conteúdo muito pessoal e emocional, Beyoncé aparentemente tem abandonado a postura reservada para dar mais detalhes de sua vida e das dificuldades que encontrou pelo caminho ao estrelato. No discurso do CFDA, Beyoncé perdeu um pouco o status de deusa “flawless”, constantemente atribuído a ela, para se mostrar mais humana, mais real. Ela deu detalhes de como superou as dificuldades, incluindo a falta de dinheiro e a rejeição de grandes estilistas, no começo de sua carreira.

A história da queen Bey se torna ainda mais real quando se reflete na vida demuitos profissionais negros do mundo da moda, como observou Loo Nascimento, estilista e fundadora da marca Dresscoração. “Eu particularmente me identifico muito, principalmente quando ela fala do esforço da família dela”, conta.

Loo é um exemplo de como o mundo da moda ainda precisa se desapegar de racismos e estereótipos. Em 2005, quando Beyoncé já desfrutava do sucesso de “Check on It“, Loo se mudou de Salvador para São Paulo para modelar e, como uma mulher negra, encontrou muitas portas fechadas.

“Minha mãe e tias de lá da Bahia faziam um esforço enorme pra aumentar seus orçamentos e conseguir me sustentar de alguma maneira. Quando a Beyoncé fala da força, persistência e foco com que as mulheres da sua família se colocaram para alcançar o objetivo de chegar onde queriam, isso é espelho de várias histórias que se repetem com várias mulheres negras pelo mundo inteiro”, avalia a estilista.

Loo Nascimento, da Dresscoração

Ela ressalta a importância do prêmio concedido à Beyoncé em tempos em que a realidade elitista que a cantora contou no discurso ainda não mudou. “Ela já é um ícone em várias vertentes para nós mulheres negras. E ser considerada pela dita “elite da moda” como tal, é um avanço inspirador e necessário”, afirma Loo.

O apoio da família e outros colegas negros no ramo também foi um fator determinante para a estilista carioca Maria Chantal: “É animador ver que ela começou da mesma maneira em que muitos de nís estamos hoje, trabalhando quase sem recursos. Isso mostra o quanto ela é real”.

Maria observa que a imagem de Beyoncé é forte e influenciadora há muitos anos. “Os clipes dela são de uma referência enorme e isso se reflete nas ruas. Lembro que, depois de Flawless, uma hot pant jeans e uma camisa xadrez vermelha e preta ganharam um novo significado pro público”, avalia.

O estilista Isaac Silva também destaca a humildade de Beyoncé ao falar de suas raízes. “Ela lembrou da onde veio e como chegou onde está, além de ter orgulho de dizer isso”, comenta. Para ele, o discurso foi afrontador e condizente com a atual fase da cantora. “Ela foi indicada pelo visual do novo álbum e pela militância, que valoriza sua negritude e as mulheres de sua família”, observa Silva.

O estilista Isaac Silva

Leia o discurso da Beyoncé na íntegra:

“Desde que me lembro a moda faz parte da minha vida. Muitos de vocês não sabem, mas a minha avó era costureira. Os meus avós não tinham dinheiro suficiente, não podiam pagar a educação da minha mãe na Escola Católica, então a minha avó vendia roupa aos padres e às freiras e fazia os uniformes para os estudantes em troca da educação da minha mãe. Ela passou este dom da costura à minha mãe e ensinou-lhe o que sabia.

Quando começamos as Destiny’s Child, as marcas não queriam vestir quatro mulheres negras e com curvas, e nós não podíamos pagar vestidos de designers. A minha mãe foi rejeitada em todos os estilistas de Nova Iorque. Mas tal como a minha avó, ela usou o seu talento e criatividade para realizar os nossos sonhos. A minha mãe, e o meu tio Johnny, desenharam todos os nossos primeiros figurinos e fizeram tudo à mão, pregaram cada pedra e cristal individualmente, puseram muita paixão e amor em cada um dos detalhes. Isto é tão mais profundo que qualquer nome de uma grande marca.

Na verdade a minha mãe desenhou o meu vestido de noiva, o vestido do meu baile de finalistas, o meu primeiro vestido para os CFDA Award, o primeiro que usei no Grammy e a lista continua. Isto para mim é o verdadeiro poder e potencial da moda. É uma ferramenta que nos ajuda a encontrar a nossa identidade, forma de expressão e força. Isto transcende o estilo. É uma cápsula do tempo com todos os nossos momentos marcantes. Por isso agradeço à minha mãe, à minha avó e ao meu tio. Obrigada por me terem mostrado que ter uma presença forte é muito mais do que as roupas que vestimos e do que a nossa beleza física. Obrigada por me ensinarem a nunca aceitar um não como resposta. Obrigada por me mostrarem como correr riscos e à viver a vida segundo as minhas próprias condições.

Também quero agradecer à todos os designers que trabalham incansavelmente para fazerem as pessoas sentirem que podem escrever a sua própria história. São todos fadas madrinhas, mágicos, escultores… Por vezes até um pouco terapeutas. Encorajo-vos a não se esquecerem do poder que têm, não o levando de ânimo leve. Temos a oportunidade de contribuir para uma sociedade onde cada mulher possa olhar para um cartaz ou para uma revista e ver o seu próprio reflexo. A alma não tem cor, não tem forma. Tal como o vosso trabalho, vai muito mais longe do que aquilo que os olhos podem ver. Têm o poder de mudar percepções, de inspirar e de empoderar. Mostrar às pessoas como aceitar os seus defeitos e falhas e a ver a verdadeira beleza e força que está dentro de todos nós”.

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