Ditado sem regras

[Romildo de Paula Leite]

Nada imprime mais personalidade a um coordenado, seja ele composto por um vestido ou jeans, do que um blusão de cabedal. Peça resgatada do universo motard, tem sido embainhada pelos bons rebeldes da música, grande e pequeno ecrã, moda e street style ao longo dos anos, como simples conclusão de um look ou como início de uma assinatura de estilo impossível de ultrajar.

De Marlon Brando em “The Wild One” (1953) a todo o elenco da série televisiva Sons of Anarchy (2008-2014), passando por Michael Jackson no videoclip “Beat it” (1982), Sid Vicious nos Sex Pistols, pela figura de Elvis Presley ou ainda pelo portefólio “Wild at Heart” fotografado por Peter Lindbergh para a Vogue (1991), o blusão de cabedal, em estilo motoqueiro (ou “perfecto” – assim é designado o clássico blusão de cabedal preto), aviador, punk ou mais ou menos vintage dependendo do seu desgaste e apontamentos, marcou os anos, os estilos e a imagem que ficou de muitas personagens icónicas da cena cultural mundial.

 Ala masculina

Uma história sem começo definido e sem fim esboçado que é contada em diferentes atos de rebeldia, que por serem assim, se recusam a desfechos.

Os últimos anos viram chegar ao pequeno ecrã uma série marcante em torno do estilo de vida motard e do obscuro universo do tráfico de armas, em Sons of Anarchy, uma produção assinada por Kurt Sutter que levou o ator Charlie Hunnam (Jackson “Jax” Teller) ao estrelato.

E um documentário centrado no retrato de Charles Falco, um homem que, a fim de evitar a prisão, se sujeita a infiltrar-se no seio dos “Vagos”, um clube motard com diferentes tipologias de negócios obscuros no seu currículo.

As duas histórias afastam-se na dose de realidade que tomam no desenrolar dos acontecimentos, para se encontrarem num retrato de estilo inconfundível, onde as regras ficam para trás num caminho de transgressão.

Mas o passado tem muitas outras histórias que imortaliza a peça clássica, e tantas vão além da vida de estrada e dos exércitos. O totem dos “bad boys” teve também na 7ª arte destacada forma de expressão.

Na película “The Wild One”, com direção de Laslo Benedek, Marlon Brando é Johnny, o leader de um gangue de motociclistas na Califórnia e permanece como uma das imagens incontornáveis na hora de se procurar inspiração para um look irreverente.

No musical “Grease” (1978), o figurinista Albert Wolsky conseguiu brindar à peça nas duas alas, masculina e feminina, com John Travolta e Olivia Newton John em blusões de cabedal preto.

Nos anos 90, o filme “The Rocketeer” (1991) trouxe nova abordagem à peça, com Billy Campbell no papel de piloto.

Em “Fight Club” (1999), Brad Pitt interpreta Tyler Durden, que tem no seu blusão de cabedal vermelho sangue uma importante ramificação da personagem. A escolha de figurino ficou a cargo de Michael Kaplan.

Numa versão de olhos postos no futuro, o casaco de cabedal do ator Laurence Fishburne em “The Matrix” (1999) traz ainda mais dramatismo à peça que apresenta a personagem Morpheus.

Ala feminina

Os editoriais de moda (onde a produção “Wild at Heart”, fotografada por Peter Lindbergh para a Vogue em 1991, figura entre os intemporais) e as galerias de street style veiculam também esta peça que foge à ditadura do tempo.

 

Para quem carrega o peso das tendências, nesta temporada o blusão de cabedal surge com franjas, em corte blazer numa nostalgia dos anos 90 e numa paleta de cores que vai do clássico preto ao marsala.

A peça continua a mostrar-se eclética, podendo ser combinada com skinny jeans, boyfriend jeans, calças estampadas, vestidos soltos ou jumpsuits.

Armadura de figuras como Françoise Hardy, Madonna, Cara Delevingne, Rihanna e Miley Cyrus e reinventado por criadores como Alexander McQueen, Jean Paul Gaultier e Karl Lagerfeld, o blusão de cabedal ultrapassa a barreira do tempo (incluindo a idade) e adapta-se (com tachas, pelo, algodão, franjas, desgaste ou cor) para sobreviver.

Talvez se possa estabelecer aqui alguma intertextualidade com os lemas do asfalto.

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