Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Dudu Bertholini fala sobre moda, tendências e redes sociais

Em entrevista exclusiva, o stylist abordou o futuro do consumo.

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Dudu Bertholini (Foto: Reprodução/ Divulgação)

Não é difícil reconhecer que tendências sinalizam os desejos do tempo em que vivemos. Para Dudu Bertholini, o conceito não é apenas verdadeiro, como também muito pertinente aos dias de hoje. Na semana passada, a convite do Senac Pindamonhangaba, cidade do interior paulista, o stylist comandou o talk Moda pra quê? e trouxe reflexões sobre as transformações que estão tornando a moda e o mundo cada vez mais plurais, éticos e inclusivos. 

Em entrevista exclusiva à L'officiel Brasil - e minutos antes de comandar a noite -, Dudu Bertholini explicou sobre os desejos de um novo mundo, redes sociais e a dinâmica das tendências. “Já não dá mais para definirmos a moda de hoje por silhuetas, estampas, cores e formas”, afirmou o stylist sobre os novos caminhos do consumo de moda.

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Dudu Bertholini (Foto: Reprodução/ Divulgação)

L’OFFICIEL: Em meio à diversidade de estilos hoje, é possível falar de tendências?

DUDU BERTHOLINI: Faz sentido falar em tendência no mundo tão diverso, onde a gente incentiva que a moda seja cada vez mais livre e plural. A gente entende que as tendências vão muito além da moda, ou das propostas para a gente vestir. Se a moda é esse grande sistema de renovação constante e que traduz os desejos do mundo, as tendências representam esses desejos coletivos que vão muito além da roupa. Há a tendência da moda, mas tem a tendência do carro, da viagem, do meme, do aplicativo, da doença, do remédio. Ela nos ajudam a entender o pensamento vigente das pessoas e do mundo. Então, quando olhamos por esse lugar antropológico, as tendências ainda fazem sentido.

Quando pensamos em uma ditadura que diz que como você deve se vestir, ou que uma cor é a cor do ano, ou que você tem que ter uma determinada peça de roupa para estar inserido no contexto de moda, sem dúvida, essa ideia está super ultrapassada. Hoje, a moda está aqui para te oferecer muitos caminhos para você aprimorar o seu estilo pessoal de acordo com a sua personalidade. Entendemos que, por trás de uma predominância, existe um desejo maior, um movimento humano por trás disso. É muito importante que a gente coloque um viés crítico e aprendamos a usar as tendências de acordo com a nossa personalidade de uma forma livre para que você use a tendência e não ela use você.

L’OFFICIEL: Qual é a cara da moda hoje?

DUDU BERTHOLINI: Plural, diversa, múltipla, ética, responsável. Eu acho que já não dá mais para definirmos a moda de hoje por silhuetas, estampas, cores e formas. A gente continua amando o design, a possibilidade radical de expressão que a moda nos oferece, mas isso só faz sentido se for uma ponte para uma transformação maior. Roupa bonita já tem muito no mundo e - como estamos defendendo que a cara da moda é a cara da sua moda -, qual é a moda que fala com a tua verdade? Qual é a moda que valoriza as diferenças e não mais tenta eliminá-las? Espero que a cara da moda esteja no porquê de uma roupa existir, em pensar quais são os valores que existem por trás daquela roupa, quem fez aquela peça, como vai ser descartada e qual o impacto que tem no mundo.

L’OFFICIEL: O Instagram chegou ao Brasil em 2015 e, de lá para cá, muitos pontos de vista mudaram, inclusive a nossa perspectiva de moda. Sendo assim, o que a moda deixa para as redes sociais e o que as redes deixam para a moda?

DUDU BERTHOLINI: É impressionante como isso é paradoxal. Como as redes sociais conseguiram, e ainda conseguem, mediar as nossas relações de uma forma tão presente, parece que foi ontem. É até difícil imaginar e lembrar como era a moda e a vida antes das redes sociais. O melhor que as redes sociais trazem é a democratização da informação e a pluralização do ponto de partida. Se antes apenas poucos veículos podiam falar sobre moda e tínhamos um filtro que vinha dos poucos canais de comunicação e das poucas editoras, hoje, somos todos canais e pontos de partida. Nós vemos os desfiles ao mesmo tempo que todas as editoras de moda. Antes, esperávamos meses para ter acesso a essa informação que já vinha destrinchada por poucas perspectivas. Então, ocorre essa democratização maravilhosa e a troca de saberes. A moda não só é difundida por várias pessoas, como também se constrói a partir delas. Não dá mais para dizer que a moda sai das passarelas, pois, hoje, no seu feed, você tem contato com esse mundo todo.

A moda é um espelho do mundo, uma manifestação do jeito como pensamos e as redes sociais pluralizam isso. Na era em que “eu acho” vale tanto quanto o “eu sei”, também criamos uma percepção exacerbada de que a nossa opinião importa e temos que opinar sobre tudo, o que não é verdade. Na era em que a cultura do hating e da opinião se misturam de uma forma tão louca, ela é uma ferramenta tão problemática quanto poderosa. Parafraseando nosso grande Spiderman: “grandes poderes vêm com grandes responsabilidades”. Temos que assumir as responsabilidades da informação que consumimos e, principalmente, da que disseminamos. As redes sociais trazem conhecimento e ensinamento.

No TikTok, conhecido como a rede das dancinhas, também percebemos conteúdos mais aprofundados. Então, existe esse lugar e uma tendência - eu não estou generalizando - de se manter esse conhecimento de uma forma mais superficial. Quanto mais rápido o seu scroll, mais rasa a informação. Não acho que é só isso, pois depende muito de como cada um de nós se relaciona com as redes sociais. Acredito também que vai ser um perigo para o qual temos que estar alerta. Estamos em uma instituição de ensino que aprofunda as suas pautas por um viés bem diferente do que você aprende nas redes sociais. Em uma instituição, da mesma forma que ela é uma ferramenta a favor, há também um perigo, pois há acesso à informação rasa. Se não tomar cuidado, com um Chat GPT, ninguém escreve mais duas linhas.

L’OFFICIEL: Considerando a sua carreira dentro da moda como stylist, figurinista e diretor criativo, como é trabalhar com moda a partir de vários pontos de vista no mercado?

DUDU BERTHOLINI: Essa é a minha maior motivação. Eu falo que eu sou uma polva com os meus tentáculos que não param de se abrir em possibilidades. Nesses diferentes campos de atuação, tudo parte de um mesmo cerne criativo. Hoje, a mensagem me interessa mais do que o meio. Se a plataforma for coerente, e eu achar que a comunicação pode fazer a diferença e acontecer, vejo que tem mais um novo desafio. Ontem, eu também anunciei que serei jurado da primeira temporada do Drag Race Brasil, uma coisa que eu já fiz na vida também que é ser jurado. Parece que a bancada sempre me chama, mas é um novo desafio também.

Estar inserido numa cultura Drag e na cultura LGBT do nosso país e ter isso muito forte, para mim, também foi um desafio super novo. Não estou só interessado nos campos de atuação que eu já conheço, mas em todos os outros que estão por vir. Tenho certeza que, com as mudanças exponenciais e tão aceleradas pelas quais o mundo está passando, certamente vêm coisas novas para todos nós nos próximos anos no mundo.

L’OFFICIEL: Para você, qual é a identidade da moda brasileira?

DUDU BERTHOLINI: A pergunta de milhões! Eu estava fazendo uma palestra com a Glória Kalil na semana passada, e essa pergunta apareceu. Ela contou que o Alexandre Herchcovitch respondeu para ela que é a moda é feita no Brasil. Parece um pouco simplista, mas não é. Na verdade, traduz valores do nosso país e tem uma conversa com a nossa cultura e responde às urgências do nosso país. Isso faz dela única e traz suas características, mas temos que tomar cuidado para que não nos transformemos em estereótipos daquilo que é entendido como a nossa identidade. Existem estilistas brasileiros que trabalham com uma moda tropical e colorida como eu, e outros com uma moda urbana, dark, ou com alfaiataria. O mundo é tão diverso e encolhido pelas não fronteiras digitais que, hoje em dia, é ainda mais difícil falar em uma única característica. Quando olhamos para essa perspectiva do nosso tempo, gosto de pensar que é uma moda que vai valorizar cada vez mais a procedência, a nossa ancestralidade artesanal, fazendo com que o design expanda ainda mais essas possibilidades. Que a moda dê continuidade ao seu legado da estamparia, das cores, da forma, de um jeito nosso de lidar com o corpo, mas que isso nunca vire uma caricatura ou um estereótipo de nós mesmos. A moda brasileira é tão diversa como o mundo que a gente luta para que seja hoje. 

L’OFFICIEL: E você acredita que as novas marcas estão trazendo essa perspectiva? 

DUDU BERTHOLINI: Eu vejo com bons olhos. Por exemplo: a valorização dos trabalhos artesanais e das manualidades. Vemos uma descentralização da moda que se pautou no eixo Rio-São Paulo por muito tempo ou de marcas que migraram de seus estados para que pudessem ter relevância. A gente vê essa moda acontecer. A moda do Nordeste, do Sul, do Centro-Oeste, do Norte, e temos respostas maravilhosas de pessoas que conversam com a identidade dos seus estados, mas não se limitam e conversam com o mundo. A descentralização é um momento, assim como para o mundo, para a moda brasileira pluralizar o ponto de partida. Hoje, temos muito mais raças, corpos, gêneros, estilos, classes sociais, fazendo e pensando moda. Espero que essa seja a identidade da moda brasileira, e que ela seja o mapa desse continente lindamente plural que é o nosso Brasil.

L’OFFICIEL: O que uma boa coleção ou marca deve ter para conquistar o mercado?

DUDU BERTHOLINI: Tem que ter um porquê da marca ou do negócio existir. Hoje, as pessoas querem se ver representadas nas marcas que compram. Romper uma lógica perversa da moda que lucrou com o nosso sentimento de não pertencimento por tanto tempo. Fez criarmos padrões difíceis de consumir para tentar pertencer a regras cada vez mais excludentes. Então, no século 21, graças à reivindicação das pessoas - e não da indústria -, queremos nos ver representades nas marcas que compramos e nos produtos que escolhemos. O consumidor está muito mais esperto, pois quer saber de quem está comprando, onde está investindo o dinheiro. É preciso haver verdade, sinergia com o seu público-alvo e pertinência. As antigas ferramentas de marketing e de branding também estão em crise. Foi-se o tempo em que ter uma top model e um grande fotógrafo para fazer uma campanha era a garantia de engajamento no posicionamento da marca. Com a popularização dos canais de comunicação e dos pontos de partida, as estratégias são outras. A comunicação e o posicionamento são tão importantes quanto o produto. Vou ser bem categórico: quanto menos marcas existirem e mais preciosas elas puderem ser, mais bem sucedidas elas serão. Acredito que o mundo vai ser assim daqui para frente.

por Ivan Reis

https://www.revistalofficiel.com.br/moda/dudu-bertholini-fala-sobre...

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