No ano passado, o punk e suas roupas rasgadas, furadas, cheias de tachas e correntes dominaram as galerias do Costume Institute, a ala dedicada à moda no Metropolitan Museum de Nova York. A exposição foi um reflexo dos anni horribiles na economia do Hemisfério Norte, vergada pela crise financeira de 2008. Neste ano, o Metropolitan, um dos maiores centros de referência de história do figurino do mundo, optou por resgatar o glamour perdido, sinal de que os humores do mercado fashion refletem a lenta recuperação financeira. Nada melhor, portanto, do que homenagear o maior de todos os costureiros americanos, Charles James, para traduzir a mudança.
Maior, não. James foi o único estilista americano a se dedicar exclusivamente à alta-costura, à arte de fazer – caríssimos – modelos sob medida para madames sem limites no orçamento. Durante os anos 1940 e 1950 do pós-guerra, ele também foi o único a rivalizar com seus concorrentes europeus na conquista da abastada clientela do high society nova-iorquino. O espanhol Cristóbal Balenciaga apontou-o como “o maior costureiro do mundo”. Christian Dior definiu sua obra como “poesia”. Em 1946, um ano antes de Dior mostrar ao mundo seu “New Look”, que revolucionou a silhueta feminina, James já apresentara o tailleur acinturado com saia rodada lotada de panos.
Charles James: beyond fashion abre as portas ao público do próximo dia 8 até 10 de agosto. Uma lista de seletos convidados do mundo da moda e de Hollywood poderá conferir dois dias antes a exposição, na gala promovida pela editora de moda da revista Vogue americana, Anna Wintour. Ela batiza a nova e recém-reformada ala do museu – uma homenagem do Met àquela que mais arrecadou fundos para ele nos últimos 20 anos.
Nascido na Inglaterra, filho de um militar e de uma socialite de Chicago, James começou a carreira desenhando e vendendo chapéus sob pseudônimo, para não macular a imagem do pai, extremamente conservador. Logo se pôs a criar roupas em Paris e Londres. Deu-se conta de que não conseguiria brilhar ante a concorrência europeia. Abriu seu negócio em Nova York, e o sucesso foi retumbante. Vestiu socialites como Babe Paley, Millicent Rogers, Austine Hearst, a senhora Cornelius Vanderbilt Whitney e Doris Duke. Até concorrentes, como Chanel e Elsa Schiaparelli, usaram suas roupas, atraídas pelo sucesso de um dos gênios de seu tempo.
Gênio indomável, é bom frisar. James podia demorar anos para finalizar a manga de um vestido ou mandar embora uma candidata a cliente por considerá-la cafona demais. “Você não sabe andar”, disse cruamente à amiga de uma condessa que ele não considerava à altura de um vestido. As mulheres sempre lhe perdoavam os ataques de estrelismo. Seus vestidos de baile eram minuciosas obras arquitetônicas, batizadas com temas da natureza: cisne, trevo de quatro folhas, diamante, borboleta. Peças de alfaiataria combinavam-se a drapeados levíssimos, e as formas ganhavam contornos inusitados, como bainhas coladas, bordados espiralados e capas-laçarote. Ao percorrer a exposição, percebe-se é que a verdadeira revolução de James aconteceu no interior de suas roupas: os arames e barbatanas eram dispostos matematicamente, para sustentar suas invenções. Às vezes, para total desconforto de quem as usaria. “Não me preocupo com conforto, mas com a imagem. Dou às mulheres o corpo que elas jamais teriam naturalmente. A alta-costura lhes devolve uma idade que o tempo lhes roubou, e isso tem um preço”, dizia James.
Um preço altíssimo, com que ele mesmo não conseguia arcar. Seu narcisismo criativo era proporcional à incapacidade de gerir seu negócio. James fechava empresas assim que elas faliam e abria outras, com diferentes razões sociais. Para sanear suas dívidas, casou-se aos 46 anos com uma multimilionária americana, que lhe deu dois filhos. Nem ela aguentou a sangria financeira. “Ele preferia trabalhar e retrabalhar um belo vestido encomendado para uma grande festa a vê-lo aparecendo na festa”, afirmou a lendária editora de moda Diana Vreeland. Não raro, sua obsessão por aperfeiçoar suas criações superava o preço cobrado às clientes – a conta simplesmente não fechava.
O sucesso de James não sobreviveu à avalanche jovem dos anos 1960, em que praticidade e conforto substituíram o glamour. Num mundo que trocou os vestidos de baile pelo jeans, não havia mais espaço para seus devaneios oníricos. Ele não teve a sorte de achar um sócio capitalista que transformasse seu nome em marca. Quando encontrava um candidato, a relação terminava nos tribunais. Brigando com meio mundo, processado e perseguido por credores, James fechou seu ateliê e se enclausurou num hotel em Nova York. Lá, vez por outra, dava “master classes” durante as madrugadas, para jovens interessados em aprender suas técnicas. Morreu em 1978, de pneumonia, esquecido e magoado por não ter sido mencionado numa grande exposição, no mesmo Metropolitan, sobre o guarda-roupa de suas famosas clientes. Consciente de sua genialidade, James pedia a elas que doassem seus vestidos a museus para que eles fossem preservados. Graças a essas doações, boa parte deles chegou incólume à exposição do Metropolitan.
http://epoca.globo.com/vida/noticia/2014/05/em-busca-do-bglamour-pe...
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