Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Empresário dobrou faturamento da Riachuelo, mas ainda é pouco para conquistar a liderança

Com mudanças profundas na tecnologia e na distribuição, Flávio Rocha conseguiu triplicar o número de lojas da marca. Ganhou corpo, mas falta vencer a concorrência

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Rocha em sua mansão, em São Paulo: seu conceito de “democracia da moda” também vale para a decoração da casa. Ali, clássico e moderno se misturam (Foto: Fabiano Accorsi)

Matéria originalmente publicada na edição de fevereiro de Época NEGÓCIOS


Flávio Rocha não teve pressa. Há uma década, adotou um discurso ambicioso ao assumir a presidência da Riachuelo, uma das maiores varejistas de moda do Brasil. Ele indicou, na época, que daria um salto mortal triplo. O movimento incluía (1) transformar em referência de moda uma empresa definida por consultores como “apagada”, (2) tornar os produtos atraentes para consumidores de todas as classes sociais e (3, o lance mais ousado) conquistar a liderança do mercado. O problema é que as metas, diante dos fatos, soavam como um delírio. Entre 2006 e 2008, por exemplo, o lucro líquido da companhia chegou a cair 38%. “Os funcionários achavam que eu estava louco e levaria a empresa a desaparecer”, diz Rocha. Aos poucos, porém, o aparente desvario deu lugar a indícios palpáveis de ganhos de eficiência. Nos últimos anos, o lucro líquido da Riachuelo ultrapassou o da Renner, a sua principal concorrente entre as companhias de capital aberto. O número de lojas mais do que triplicou na última década. Foi de 77 para 260. A “loucura” de Rocha, enfim, passou a ser chamada de “visão de futuro”.

O grande alvo das mudanças promovidas pelo empresário pernambucano, de 57 anos, foi criar um modelo de negócios dotado de agilidade implacável e o mais afinado possível com os consumidores. O ideal, nesse esquema, é fazer com que uma calça igualzinha à usada pela Madonna, em um show em Nova York, no fim de semana, esteja nas vitrines das lojas da Riachuelo no menor prazo possível. Essa é a essência da indústria chamada de fast-fashion. Nesse terreno, Rocha deu um passo monumental. Na Riachuelo, hoje, o intervalo de tempo gasto entre o pedido do modelo e a sua colocação nas araras das lojas pode chegar a ser entre três e dez dias. Cinco anos atrás, esse mesmo período era similar à média do setor – dois meses. Ou seja, era um tremendo slow-fashion.

Mudanças de imagem: a loja-modelo, aberta em 2013, na nobre rua Oscar Freire (SP); e a Riachuelo nos anos 80 e 90 (Foto: Demian Golovaty; Divulgação)

Da indústria para o varejo
Na corrida contra o relógio, o principal trunfo da Riachuelo é ter, na sua estrutura, três fábricas de roupas integradas. Ela é a única empresa do ramo de fast-fashion no Brasil que conta com toda a cadeia têxtil à disposição – ainda assim, compra metade de suas peças de fornecedores externos. A fabricação própria confere maior controle e rapidez à produção. Permite, inclusive, que Rocha realize manobras inesperadas. Pode, por exemplo, interromper a fabricação de uma linha de produtos para passar na frente um pedido de última hora – como a calça da Madonna. Os concorrentes, como C&A, Renner e Marisa, que compram 100% de suas mercadorias de fornecedores nacionais ou estrangeiros, não têm essa flexibilidade. Em contrapartida, Rocha tem de arcar com o custo fixo de uma estrutura pesada como a industrial.

A empresa foi fundada por seu pai, há 59 anos, como uma indústria. As lojas só vieram mais tarde e, ainda assim, cumpriam a função de escoar as mercadorias produzidas. Como o ponto de vista era o fabril, o mais rentável era cortar e costurar grandes quantidades de uma mesma peça, ao invés de investir na variedade das roupas. O resultado, nas lojas, era uma sensaboria geral, com araras e estoques abarrotados de produtos similares. Rocha virou essa lógica de ponta-cabeça. Inverteu a dinâmica da companhia. As fábricas, hoje, trabalham para o varejo. Com isso, as roupas adquiriram cortes mais elaborados, seguindo as tendências de moda. São confeccionadas com maior variedade de tecidos, cores e modelos. As coleções são produzidas em volumes menores e, não raro, assinadas por nomes como Oskar Metsavaht e Donatella Versace. O que vender bem, ganha nova produção. O que não vender, sai de linha. Essa guinada mudou toda a operação da Riachuelo.

A gestão mais eficiente do estoque é um dos pilares do novo modelo da operação. Para aprimorá-la, Rocha implantou um software israelense de reposição automática de roupas. Até então, o sistema só era usado em livrarias, mas o empresário o adaptou ao seu negócio. O programa calcula quantas unidades de cada peça é preciso ter em cada loja. Nada demais, não fosse o fato de ele atualizar essa média o tempo todo, de acordo com as vendas das 257 unidades da Riachuelo no país inteiro. São 20 milhões de itens espalhados pela rede. A atualização em tempo real é o principal diferencial desse programa em relação aos sistemas usados pelas concorrentes. Os softwares comuns no setor calculam a média de cada item com base na venda de anos anteriores.

Por enquanto, na Riachuelo, o novo sistema faz a comunicação entre as lojas e os três centros de distribuição (CD). A previsão é que, em 2016, a ferramenta esteja totalmente adaptada à cadeia têxtil – das fábricas ao varejo. Isso significa que, quando uma roupa for vendida em uma loja, o software acusará não só quantas peças devem ser enviadas para lá, mas também a quantidade de tecido a ser providenciada para a produção de reposições futuras. A implantação do programa, embora ainda parcial, resultou numa redução de 40 dias no período em que uma roupa fica no estoque, entre 2011 e 2013. A média, de 175,3 dias, passou para 135,4.

Riachuelo mulher 
Em 2012, a empresa lançou um modelo menor de loja, em média de 800 m², voltada para o público feminino

A logística é o outro ponto de sustentação do novo modelo. As mudanças nessa área começaram a ser implementadas em 2009. Até então, a ordem era lotar os caminhões antes de sair do CD em direção às lojas. O total aproveitamento da capacidade do transporte diminuía o custo do frete. Agora, o trabalho de pegar cada mercadoria, uma a uma, no CD, e colocar no equipamento que levará até o caminhão é feito manualmente. Hoje, são colhidas 400 mil peças por dia. Como elas precisam chegar rápido ao ponto de venda, é comum que os veículos viajem com espaço livre. Se antes as saídas demoravam até dez dias para acontecer, hoje se repetem até duas vezes em um mesmo dia. As lojas, que recebiam mercadorias uma vez por semana, agora recebem duas.

O todo antes das partes
Óbvio que o custo logístico da Riachuelo disparou, com o aumento do número de viagens dos caminhões e com a coleta manual no CD para abastecer as lojas. Hoje, essa área responde por 4,5% das despesas do grupo. “A média no setor é 3%”, afirma Rocha.  Segundo ele, contudo, esse gasto cairá para menos de 2,5% até o fim deste ano, com a inauguração de um novo CD, em Guarulhos (SP). O empreendimento, que ocupa 106 mil m², o equivalente a 12 campos de futebol, custou R$ 120 milhões à empresa e será totalmente automatizado. De acordo com a demanda dos estoques, as mercadorias serão levadas por equipamentos até os caminhões. Algumas áreas do galpão dispensarão iluminação, já que parte do trabalho será feito por robôs.

O detalhe é que a implantação do novo modelo logístico teve de ser acompanhada de uma mudança cultural. Os executivos não entendiam a lógica por trás da alteração. Afinal, estavam gastando mais. Jonas Laurindvicius, ex-gerente-geral de logística da companhia, estranhou o esquema de trabalho, quando entrou na empresa, em 2009. “Sempre fui orientado a simplificar os processos, e não a complicar, como tive de fazer na Riachuelo”, diz. “O objetivo de qualquer executivo é aumentar a rentabilidade de sua área. Mas lá, cheguei a gastar 35% acima do orçamento previsto para o setor, e isso com o apoio da chefia.”

Aos poucos, contudo, ele entendeu o que Rocha queria dizer com uma frase que repete à exaustão: “O ótimo local [um setor da empresa] não garante o ótimo global [o resultado da soma dos setores]”. Essa, aliás, é a base conceitual da guinada promovida pelo empresário na Riachuelo. O custo de uma área, portanto, não pode ser visto isoladamente. Seu impacto tem de ser medido dentro da operação como um todo. O aumento da despesa com frete, por exemplo, pode ser bem-vindo. Isso se – e somente se – aumentar a rentabilidade do negócio no fim do processo. Esse raciocínio passou a valer em toda a companhia. Uma das medidas que ajudaram os executivos a assimilar a nova lógica foi vincular os bônus ao resultado total do grupo.

DE APAGADA a DESCOLADA A marca passou anos sem propaganda. Mas desde 2012, investiu em campanhas com top models e uma coleção inspirada em Nova York (Foto: Demian Golovaty)

Arestas familiares
Alterar o curso de uma empresa familiar, com mais de meio século de história, exige ajustes que vão além das questões técnicas. Foi difícil, por exemplo, convencer o “seu” Nevaldo Rocha, de 86 anos, a soltar as rédeas da companhia nas mãos do filho. Nascido em Caraúbas, no Rio Grande do Norte, ele começou a vida profissional como vendedor de relógios em Natal. Em 1956, mudou-se para Recife (PE), onde fundou uma fábrica de tecidos, batizada de Guararapes. Só em 1979 adquiriu a rede de lojas Riachuelo, em São Paulo. O período em que comandava o grupo foi marcado por decisões repentinas e radicais. Por exemplo, a de eliminar o investimento em marketing. Em 2012, “seu” Nevaldo voltou para Natal. Até hoje, vai diariamente à fábrica potiguar. Mas interfere menos no dia a dia dos negócios. De uma tarefa, porém, não abre mão: é ele quem define o preço dos cem novos produtos que saem das fábricas da empresa diariamente (35 mil por ano).

Flávio Rocha divide o escritório em São Paulo com a irmã Anne, um cunhado e um primo. Sua sala é decorada com uma foto de 2 metros de altura com o rosto de um de seus gurus – Steve Jobs. Sua mesa é coberta por papéis, revistas e livros. Entres os títulos, está o best-seller A Meta, do físico israelense Eliyahu Goldratt (que morreu em 2011). É outro de seus gurus. Ele o conheceu em 2008 e tornou-se seu amigo e cliente. O autor é responsável pela propagação da Teoria das Restrições, um método científico que ajuda as organizações a identificar as limitações físicas ou culturais de um negócio. O terceiro guru não está representado na sala, mas é citado pelo empresário. Trata-se de Amancio Ortega, fundador da Zara, a criadora do fast-fashion, com quem já esteve duas vezes, na Espanha.

Rocha é político (já foi até deputado federal nos anos 90) no trato com os subordinados. Usa um discurso vendedor e uma cota generosa de paciência ao tentar persuadir os interlocutores. Quando a discussão esquenta, fica vermelho. “Mas não perde a educação”, diz Jonas Laurindvicius, o ex-gerente de logística. Tem a seu favor o mérito de reconhecer eventuais derrapadas. No ano passado, deu-se uma delas, no momento de integrar 100% das mercadorias ao software de gestão de estoque – até então, apenas metade estava automatizada. Uma “falha operacional”, segundo Rocha, fez com que faltassem produtos nas lojas. O tropeço impactou os resultados da companhia. O crescimento de 7,3% de vendas por loja, apresentado em 2013, caiu para 1,6% nos nove primeiros meses de 2014 – um ano especialmente ruim para todo o varejo, com retração nas vendas. 


RCHLO, que bicho é esse?
Há dois anos, o logo da riachuelo perdeu as cores e ganhou uma versão “redux”

Depois de promover tantas mudanças na gestão da Riachuelo, Flávio Rocha decidiu mudar o logotipo da empresa, em 2013. Achava que o antigo R azul, com uma perna comprida, não correspondia ao novo posicionamento da rede. “A marca estava com um ar de envelhecida”, diz. Coube ao designer Ricardo van Steen a missão de criar um logo mais jovem, moderno e que fizesse referência clara à moda. “No início, buscamos grafismos e cores diferentes”, afirma Rocha. “Mas a solução que o Ricardo encontrou foi no caminho oposto: o da simplicidade.” Vingaram duas versões, uma com o nome completo da companhia e outra chamada de “redux”, como ficou apelidada a composição RCHLO, inspirada na mania dos jovens de abreviar as palavras nas redes sociais.


Até onde pode chegar?
A empresa outrora “apagada” agora briga de igual para igual com a concorrência. Em 2014, faturou R$ 6,1 bilhões. Mas a liderança do setor segue com a C&A, que não divulga números. O sistema da Renner é o que mais agrada aos investidores, segundo Celson Placido, da XP Investimentos, por sua gestão pulverizada. A Marisa teve uma queda de mais de 60% no lucro líquido, entre 2012 e 2013. Consultores indicam que a empresa se perdeu ao tentar expandir a oferta de produtos. A Pernambucanas desponta como uma competidora dos magazines de moda, com a contratação de um novo CEO, Marcelo Doll, ex-vice-presidente da C&A. Já as estrangeiras Gap, Forever 21 e Topshop enfrentam dificuldades para manter os preços competitivos no Brasil, com a alta do dólar e os custos com tributação e logística.

Do salto mortal triplo almejado por Rocha, uma década atrás, talvez nenhuma das metas tenha sido totalmente atingida. Mesmo assim, o consultor Pedro Janot, ex-CEO da Zara no Brasil, acredita que as mudanças em curso estão aumentando a eficiência da Riachuelo. “Só não sei até onde ela vai chegar”, diz. “O sucesso da Zara, a grande referência no setor, não é só uma questão tecnológica, mas, principalmente, de cultura, e isso não é fácil imitar.” Mas Flávio Rocha não tem pressa.

as conquistas em números (Foto: Reprodução)

http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Visao/noticia/2015/05/emp...

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Arrojado e com visão estratégica. Muito bom.

“O sucesso da Zara, a grande referência no setor, não é só uma questão tecnológica, mas, principalmente, de cultura, e isso não é fácil imitar.” Mas Flávio Rocha não tem pressa.

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