Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Companhias da cadeia do varejo têxtil buscam formas de produção que preservem marca, reputação, credibilidade e conformidade com a lei.

Belas vitrines, araras arrumadas e prateleiras organizadas certamente não combinam com uma situação que pode ter marcado a produção de parte das peças de vestuário expostas em uma loja: trabalho análogo a escravidão na complexa cadeia produtiva, em oficinas terceirizadas ou até “quarteirizadas”.

Felizmente, boa parte dos varejistas já exige garantias de seus fornecedores e a maioria das empresas de confecção opera dentro das regras legais – não se trata, portanto, de um padrão de conduta na pulverizada indústria de confecção brasileira, formada 30 mil empresas considerando também as indústrias têxteis, que empregam diretamente 1,7 milhão de pessoas no País.

Mas é inegável que têm sido cada vez mais frequentes as denúncias de irregularidades graves, as operações de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do Ministério Público do Trabalho (MPT) e as discussões no Judiciário sobre as relações de grandes varejistas com seus fornecedores. O Legislativo paulista, por exemplo, criou uma lei para punir as empresas que submetem trabalhadores a condições degradantes e investiga a questão em uma CPI estadual.

O problema é tão preocupante – tanto do ponto de vista ético quanto sob a perspectiva de prejuízos de imagem – que as próprias empresas e as entidades da indústria e do varejo da moda se mobilizam para criar mecanismos, como auditorias internas e a certificação de fornecedores e subcontratados, para impedir a disseminação de uma prática mais do que condenável.

É provável que a utilização desse tipo de trabalho – antes mais encontrado no agronegócio, no extrativismo e na construção civil – na cadeia da moda tenha começado no Brasil há pouco mais de um decênio. Foi a maneira escolhida por alguns empresários para reduzir custos e fazer frente à invasão de produtos têxteis asiáticos que passaram a chegar ao País com preços módicos. Muitos também recorreram a esse expediente para dar conta da crescente demanda do varejo, resultado do crescimento da economia.

O assunto ganhou corpo há cerca de três anos, quando auditores e fiscais encontraram indícios de trabalho escravo em duas oficinas que produziam roupas sob encomenda de uma empresa (Aha) contratada por uma gigante do varejo têxtil internacional, a espanhola Zara. Desde então, foram envolvidos em denúncias desse tipo divulgadas na imprensa e pelo MPT, além da Zara, nomes como GEP (dona das marcas Luigi Bertolli, Eme e Cori), M5 (M.Officer), Restoque (Le Lis Blanc e Bobô) e Pernambucanas. Cada caso tem características particulares e respostas específicas das empresas – há desde iniciativas internas de fiscalização, assinaturas de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) para regularização das condições de trabalho e pagamento de multas e indenizações até recusas ao TAC e consequentes Ações Civis Públicas (ACPs) na Justiça.

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DUMPING SOCIAL

De uma maneira geral, os órgãos de fiscalização encontraram em oficinas que produziam peças para as marcas notificadas trabalhadores escravos por dívida. Na maioria são bolivianos em situação ilegal no Brasil que não podem parar de trabalhar enquanto não pagarem despesas de viagens a agenciadores. Eles são impedidos de sair do local de trabalho sem permissão (há casos de cadeados em portões) e cumprem jornadas exaustivas – muitas vezes, das 7 horas às 20 horas, com descanso apenas aos domingos. São expostos a vários tipos de perigos, como fios elétricos desencapados, extintores de incêndio e mangueiras vazios e trabalham no mesmo local de moradia, ao lado dos filhos menores de idade, recebendo pagamentos inferiores ao piso da categoria.

Além de explorar os trabalhadores, o esquema reforça uma concorrência desleal, o chamado dumping social: uma confecção que explore trabalhadores tem enormes vantagens competitivas em relação às empresas que respeitam as leis trabalhistas e pagam impostos corretamente. Estima-se que a exploração de cada imigrante ilegal renda a uma confecção uma vantagem de R$ 2,3 mil, valor equivalente aos direitos trabalhistas não respeitados e aos tributos sonegados.

Segundo informações do MPT, a Zara assinou um TAC com o órgão ainda em 2011, mas resolveu entrar na Justiça para tentar anular autos de infração e a discussão continua, com liminares e quedas de liminares; a GEP e a Restoque assinaram TACs e pagaram indenizações aos trabalhadores; a Pernambucanas se recusou a assinar o TAC e, por isso, é alvo de ACP. A M5 também não assinou o TAC e o MPT tenta bloquear bens da empresa na Justiça. As empresas, por meio de suas assessorias de imprensa, garantem que levam adiante fiscalizações próprias da cadeia de fornecimento e colaboram com iniciativas de entidades que tentam erradicar a escravidão moderna no Brasil.

Como envolve conceitos amplos e subjetivos, a caracterização do trabalho escravo na indústria da moda brasileira é um dos trabalhos a que se dedica, hoje, a seção paulista do MPT, como ressalta o procurador Tiago Muniz Cavalcanti. “Em geral, quando encontramos peças-piloto, etiquetas e pedidos de uma grande grife em uma confecção que submete os trabalhadores a condições análogas a escravidão a empresa contratante diz que não sabia que seus fornecedores agiam dessa forma, tentando se livrar da responsabilidade”, afirma o procurador. “O que temos feito é reunir elementos para provar que as grifes sabem, sim, do que acontece em suas cadeias de fornecimento; afinal, elas são as detentoras do maior poder econômico na relação com os fornecedores e têm condições de saber se eles têm porte suficiente para entregar os pedidos. Não tratamos as irregularidades como casos isolados: consideramos que elas fazem parte de um modelo de negócio que tem o objetivo de minimizar os custos para aumentar os lucros. As oficinas terceirizadas, ‘quarteirizadas’, produzem seguindo estritamente as orientações das grifes e, muitas vezes, exclusivamente para essas marcas. Assim, fica caracterizada uma relação muito diferente da simples relação de consumo. É o que tentamos mostrar aos magistrados quando a situação chega à Justiça”, relata o procurador.

PODER DE FISCALIZAÇÃO

De acordo com Cavalcanti, se o MPT e o MT tivessem capacidade para fiscalizar todos os dias, encontrariam oficinas com trabalho análogo a escravidão em todas as diligências. “Com o aperto da fiscalização, muitas pequenas oficinas passaram a se transferir para casas nas regiões periféricas da cidade de São Paulo, o que dificulta a constatação das irregularidades trabalhistas.”

As grifes se defendem, alegando que a responsabilidade deve recair sobre as empresas fornecedoras que, agindo de má-fé, subcontratam oficinas com irregularidades. Na primeira situação que envolveu o nome da Zara, por exemplo, a empresa que subcontratou os serviços de confecção diante de um aumento incomum das encomendas, a Aha, segundo a varejista espanhola, não foi alvo de qualquer notificação e continua operando, embora não forneça mais para a Zara.

Mais uma vez, é importante lembrar que cada caso tem suas particularidades, mas um dos argumentos mais comuns entre as grifes notificadas e representantes do setor de confecções é o fato de as contratantes finais não terem poder de fiscalização da cadeia produtiva semelhante ao de autoridades como o MTE e o MPT. Pela legislação brasileira, uma empresa, por maior que seja, não pode entrar em uma propriedade privada e exigir a apresentação de documentos. Assim, as auditorias internas e as contratadas para certificação de fornecedores não teriam como “fazer um filme” da produção de determinado fornecedor ou subcontratado, acompanhando o dia a dia do trabalho – só poderiam “fazer fotografias” de um momento da produção, o que pode mascarar a realidade.

Outro ponto é levantado pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções (Abit): a atuação ineficiente do governo em relação à entrada de imigrantes ilegais no País. “O debate sobre as oficinas que submetem bolivianos e outros imigrantes ilegais ao trabalho degradante deve passar também pelo controle de fronteiras, responsabilidade do governo federal. A questão é muito mais ampla. Embora a situação seja, de fato, muito grave, não se pode responsabilizar exclusivamente o setor privado”, afirma o diretor da entidade, Fernando Pimentel.

À parte as discussões técnicas de responsabilidades, o momento inspira cuidados da indústria de confecções e também dos varejistas. As informações – muitas vezes truncadas ou incompletas – circulam rapidamente pela internet e uma empresa pode ter sua reputação comprometida por descuido com sua cadeia de fornecimento ou até por associação indevida com uma denúncia de trabalho escravo. Reverter um problema de imagem pode custar muito dinheiro e tempo. Para o setor, o melhor é investir em ações que cortem o problema na origem, para o bem dos trabalhadores e de toda a cadeia produtiva.

 

Por Rejane Aguiar

Fonte: Diário do Comércio

http://sindivestuario.org.br/2014/07/encarando-de-frente-o-trabalho...

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