Quais corpos ocupam os espaços da moda? Essa pergunta tem permeado as rodas de debate mundo afora. A procura por um mercado mais democrático e diverso tem sido uma das maiores lutas daqueles que acreditam na pluralidade. E é a partir desse cenário que pessoas trans e travestis estão trilhando as suas trajetórias. A luta pela representatividade e, acima de tudo, empregabilidade são as principais reivindicações para essa população ao segmento.
Nomes do cenário nacional, como a estilista Michelly X, têm conquistado grandes feitos com os seus trabalhos em um cenário ainda tão desafiador. Vem conferir as histórias de profissionais que estão quebrando as barreiras e transformando a moda!
Em 29 de janeiro, é celebrado o Dia Nacional da Visibilidade Trans e Travesti. A data é um marco na luta pelo reconhecimento das pautas dessa população. De acordo com a ONG internacional Transgender Europe (TGEU), o Brasil ocupa, há 13 anos, a marca de país que mais mata pessoas trans em todo o mundo. A instituição monitora mais de 70 países e, segundo levantamento, a cada 10 assassinatos de pessoas trans no mundo, quatro ocorreram em território nacional.
Assim, a data, implantada desde 29 de janeiro de 2004, procura questionar e reivindicar o direito à cidadania plena para essa população. Um dos principais desafios enfrentados por pessoas trans e travestis é a falta de oportunidades de emprego.
Bernardo Mota, pesquisador e mestrando em comunicação pela Universidade de Brasília (UnB), explica que as dificuldades se dão por dois vieses. “O primeiro deles é o estigma em sempre associar pessoas trans a um lugar de marginalidade e inferiorização, enquanto o segundo leva em consideração a capacitação”, pontua.
Ele acrescenta que, no universo fashion, não é muito diferente. “Muitas dessas pessoas têm vontade e talento para estarem no mercado da moda, mas por conta de barreiras estruturais, como a dificuldade de ingressar na educação superior e utilizarem o nome social, não conseguem”.
A falta de oportunidades leva a questão da representatividade. A palavra, bastante difundida nos últimos tempos, tem contextos próprios no que se refere às pessoas trans e travestis. Mota evidencia que a inserção dessa população em espaços de visibilidade pode ajudar no debate.
“A representatividade é muito importante, pois ela abre possibilidade de diálogo em diversas esferas da sociedade. Tenho um colega que a avó dele ao assistir a novela A Força do Querer, que tinha um homem trans como um dos personagens principais, conseguiu associar ao neto e entender os desafios”, conta.
Por fim, o pesquisador observa que é preciso estar atento a quais corpos trans estão sendo incorporados nesses espaços de destaque. “Geralmente, são pessoas dentro de uma expectativa social: magros e brancos. A gente tem insistindo para que exista uma diversidade e pluralidade para representar também a população trans, como negras, gordas e indígenas”, alerta Mota.
Atelier Michelly X/DivulgaçãoResponsável por looks de estrelas do país, Michelly X, 49 anos, começou a sua relação com a moda desde a adolescência. Em entrevista à coluna, ela revela que começou a costurar aos 16 anos e que, junto das amigas, criou um grupo em homenagem às paquitas. “Gravamos vários programas e, em um deles, encontrei a apresentadora Mariane. Ela me perguntou: você faz roupas para fora? Eu disse: sim! Na verdade, nunca tinha feito! Nem sabia costurar direito. E foi assim que tudo começou”, lembra.
Desde então, Michelly X não parou. Ela desenvolveu peças para nomes como Fernanda Lima, Ivete Sangalo, Sabrina Sato, Anitta e Xuxa. A última, em especial, tem uma relação muito importante para a história da estilista. “O meu maior orgulho é trabalhar com ela, tanto que o ‘X’ do meu nome é em sua homenagem. E ela sabe disso. Sempre fui muito fã dela, desde a minha infância. E poder trabalhar com Xuxa, hoje, é tudo para mim. Só tenho que agradecer”.
Para a designer, o mercado de moda para a população trans poderia estar melhor, apesar de reconhecer que já houve muitos avanços. “Uma coisa é certa: se a pessoa tem talento e vai à luta, com certeza terá a sua chance. Eu tiro por mim. As pessoas esquecem que sou trans. Elas olham o meu trabalho. Se eu consegui, muitas vão conseguir também. E isso vale para todas profissões”, expõe.
Apesar das circunstâncias e dificuldades que pessoas trans e travestis enfrentam no país, a profissional é otimista em relação ao futuro. “Embora o Brasil ainda seja um país preconceituoso, conservador, as mudanças estão, sim, acontecendo. Ainda temos uma grande luta pela frente. E todas as formas de comunicação, de gerar informação positiva, são importantes. Eu realmente espero que a nova geração venha com uma cabeça mais aberta. Aí, sim, os avanços serão bem mais rápidos”, deseja.
Atelier Michelly X/DivulgaçãoA trajetória da modelo e estudante de artes cênicas Ariel Pimenta, 26 anos, no mundo da moda é de altos e baixos. A jovem brasiliense revela que já havia feitos trabalhos na área antes da transição. Após o processo, ela percebeu uma diferença notória na carreira. “Teve muitos trabalhos, principalmente em 2016, quando a pauta começou a vir à tona com mais protagonismo”, lembra.
No entanto, as dificuldades logo apareceram. Ariel conta que, no início, era vinculada a uma agência de modelos e que percebia dificuldades para conseguir trabalhos por ser trans. “Parei de fazer trabalhos para agências que não me pagavam, que não conseguiam jobs para mim e, quando conseguiam, me colocavam em situações de violência”, destaca.
Após essa primeira experiência, Ariel embarcou em uma jornada como modelo independente. E foi a partir dessa decisão que pode vivenciar a melhor experiência na profissão.
“As fotos que eu fiz com a fotógrafa Mia Moraes são muito especiais para mim porque estávamos só eu e ela. Foi um ensaio completamente nu, algo que, para mim, é bastante complicado. Ela, porém, me deixou bastante confortável. Foi um processo divertido e novo. Tinha velas derretendo no meu corpo. Foi muito poético”.
Jamila Maria/Material cedido ao MetrópolesA jovem explica que o processo de construção da sua autoestima e identidade é perpassada por muitos sentimentos. “Estar em corpo trans nem sempre é bom. Dói, machuca; nós somos rejeitadas, excluídas, preteridas e escondidas. É um processo de aceitação e autoamor pelo resto da vida”, descreve.
Há pouco tempo, as semanas de moda começaram a incluir pessoas trans nos castings. Foi apenas em 2019, por exemplo, que o São Paulo Fashion Week teve pela primeira vez um homem trans na passarela.
“Antes, eu pensava que não era para mim, porque tinha medo de sofrer preconceito, de olharem para mim e confundirem com alguém andrógino; ou não me respeitarem e me colocarem na fila das meninas, o que não está acontecendo”, observou na estreia no evento, em entrevista à coluna.
À época, Sam reconheceu que a moda passa por um momento mais diverso e de transformações. Para ele, as garotas trans foram as primeiras a quebrarem as barreiras para a comunidade na indústria, de forma geral. “Estou aqui para abrir portas para quem não tem a oportunidade, espero representar muitos meninos trans que acham que não podem estar no mundo da moda. Temos que estar inclusos”, defendeu, naquela época.
Danilo Grimaldi/Agência FotositeA indústria da moda pode ser bastante respeitada e vanguardista, porém, ainda tem muito a avançar, principalmente no processo de construção de ações inclusivas. Existem iniciativas que estão tentando reverter esse cenário, mas as mudanças precisam vir de instituições maiores. Ainda há um longo caminho para que haja mais diversidade nos bastidores fashion. O movimento, porém, veio para ficar.
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Colaborou Luiz Maza
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