Na última edição com Mário Jorge Machado como presidente da ATP, o Fórum da Indústria Têxtil centrou as atenções na importância da ITV para a economia do país, assim como nos desafios atuais e futuros, como a atração de novos talentos e o financiamento da atividade.

Mário Jorge Machado [©ATP]

Na sua intervenção durante o Fórum da Indústria Têxtil, que decorreu na passada sexta-feira, 4 de julho, Augusto Mateus defendeu o papel central da indústria têxtil e do vestuário na economia portuguesa, afirmando que esta continua a ser uma das maiores geradoras de valor acrescentado do país, apesar de atualmente representar uma menor fatia das exportações brutas face a outros setores. Segundo o professor universitário e ex-Ministro da Economia, enquanto setores como o automóvel ou a eletrónica dominam nos valores absolutos das exportações, é a indústria têxtil, vestuário e calçado que lidera quando se mede a riqueza efetivamente gerada dentro do país.

«Se olharmos para o valor acrescentado, o têxtil, o vestuário e o calçado exportam, ainda hoje, mais cinco pontos percentuais do que toda a fileira do automóvel e toda a fileira da eletrónica. Portanto, o gigante torna-se pigmeu e o pigmeu torna-se grande», salientou.

Recusando o termo setor, que considera pertencer ao passado, Augusto Mateus preferiu falar numa «cadeia de valor», destacando a transformação profunda da indústria ao longo das últimas décadas: de uma atividade fragmentada e pouco valorizada para uma fileira bem organizada, com forte suporte institucional e empresarial.


Augusto Mateus

Augusto Mateus rejeita a narrativa da reindustrialização da Europa, que considera «um oportunismo total», considerando que «a própria indústria já não é indústria (…). É valorizar na produção de bens aquilo que é a transformação», apontou.

A servitização – a incorporação de serviços na produção industrial – foi outro dos temas centrais. Portugal, segundo os dados apresentados por Augusto Mateus, está ainda muito abaixo do que seria desejável neste campo: apenas 9,9% da fileira têxtil incorpora serviços, contra 27,4% em Itália e 19,2% na Alemanha. «Para vender camisas o mais importante não é o tecido e o botão, o mais importante é a moda, é a satisfação de necessidades diferenciadas», referiu.

Além disso, considera, exige também mais colaboração entre empresas e entre estas e as instituições. «Tem que haver projetos de maior dimensão», sublinhou.

Formação e financiamento

Ricardo Silva, CEO da Tintex e o nome indicado pela atual direção para suceder a Mário Jorge Machado na presidência da ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, destacou os desafios económicos que as empresas enfrentam no curto prazo, com destaque para o equilíbrio entre aumento salarial, custos operacionais e capacidade produtiva.


Ricardo Silva

Num cenário marcado por inflação, juros elevados, dificuldades logísticas e menor previsibilidade das encomendas, Ricardo Silva sublinhou a importância de uma gestão mais informada e de decisões ancoradas em dados. Além disso, defendeu a necessidade de aumentar o valor acrescentado dos produtos, apostando na diferenciação. «Não é vender mais, é vender melhor», apontou, dando conta que o aumento dos salários está a afetar os negócios, exigindo uma melhoria da produtividade e investimentos mais seletivos. Pela positiva, salientou ainda a maior cooperação empresarial. «Hoje em dia consigo dizer que tenho bastantes colaborações com empresas que estão nesta sala», indicou. Quanto ao futuro, «precisamos de estar preparados para todos os cenários (…). É melhor prevenir que remediar. Não enfiar a cabeça na areia, mas enfrentar o todo».

Na mesa-redonda que se seguiu, José Manuel Castro, diretor-geral do Modatex, António Braz Costa, diretor-geral do CITEVE, e Raul Fangueiro, vice-presidente da Escola de Engenharia da Universidade do Minho, debruçaram-se sobre a qualificação e a inovação na indústria têxtil e do vestuário.

José Manuel Castro apontou os principais obstáculos enfrentados na formação de quadros técnicos para o setor, nomeadamente a dificuldade em atrair jovens, a falta de formadores e os limites impostos pela estrutura de financiamento público. «Atrair jovens para as profissões do setor é um trabalho muito exigente», afirmou, dando conta que o Modatex trabalha com cerca de 10 mil formandos por ano. Sublinhou ainda que os formadores aposentados poderiam ter um papel mais ativo, mas esbarram em barreiras legais, e que o modelo de financiamento da formação é demasiado rígido para responder à diversidade atual de perfis e necessidades.

Já António Braz Costa criticou a falta de constância e clareza nas políticas públicas de apoio à inovação e ao conhecimento. Comparando com países como a Alemanha, sublinhou que em Portugal os centros de interface continuam sem financiamento de base estável, que poderia, por exemplo, ser diretamente proveniente do Orçamento de Estado, o que impede flexibilidade e visão estratégica. Apelou a uma visão mais ambiciosa, que permita apostar em tecnologias incompletas e assumir riscos. Caso contrário, alertou, «outros países que antes não competiam connosco estão a recuperar o atraso e a tornar-se concorrentes diretos, inclusive na reciclagem e no digital».

Por seu lado, Raul Fangueiro apresentou a experiência da Escola de Engenharia como exemplo de ligação sólida entre formação, investigação e indústria. Defendeu que o verdadeiro desafio está na integração dos vários agentes do ecossistema de inovação. «Em Portugal, o impacto socioeconómico da inovação poderia ser muito maior se integrássemos melhor as universidades, os centros tecnológicos e as empresas», acredita. Sobre a atração de jovens talentos, reconheceu o problema da imagem do setor e da perceção salarial, mas lembrou que a ITV oferece oportunidades concretas em áreas como sustentabilidade e digitalização, temas que mobilizam as novas gerações.


Raul Fangueiro, José Manuel Castro, António Braz Costa e Ana Paula Dinis

Na segunda mesa-redonda, dedicada às políticas públicas para uma indústria mais competitiva, Luís Guimarães, administrador do Banco de Fomento, deu conta de várias iniciativas em curso para financiar a atividade, naquela que é uma nova fase de dinamização do banco, com foco na proximidade ao tecido empresarial e na redução de prazos de acesso ao crédito. «Transformámos o processo de garantias de 49 dias para 7 a 10 dias. Já colocámos mil milhões de euros na economia em três meses», exemplificou. Destacou ainda que estão a ser criadas soluções para colmatar falhas de mercado, sobretudo em projetos com alto impacto estratégico, e reforçou a crença de que indústrias como o têxtil e vestuário têm trunfos para competir. «Tradição não é um passivo. É um ativo que nos dá escala, saber-fazer e capacidade de adaptação».

António Cunha, presidente da CCDR-N, por sua vez, reconheceu distorções estruturais nos programas de apoio público, desde o desfasamento entre o tempo da economia e o tempo da burocracia, até à centralização excessiva das decisões. «O tempo da economia não é o tempo da democracia. E a Europa ainda não fez um “industrial deal” como fez um “green deal”», afirmou.

Já Armindo Monteiro, presidente da CIP, defendeu o acordo de aumentos salariais assinado com o Governo e a necessidade de subir na cadeia de valor, abandonar o «espírito de sobrevivência» e competir pela qualidade, inovação e design, e não apenas pelo preço. «A qualidade paga-se. Não podemos ser os melhores no produto e querer continuar a vender ao preço mais baixo», acredita.


Luís Guimarães, Armindo Monteiro, António Cunha e Ana Paula Dinis

Garantir o futuro

No encerramento desta 27.ª edição do Fórum da Indústria Têxtil, Mário Jorge Machado, apelou a uma resposta rápida e firme das instituições europeias face à crescente concorrência desleal de plataformas asiáticas de ultra fast fashion, que «entram na Europa com práticas anti ambientais, antissociais e evasão fiscal».

Referindo-se ao atual momento como «histórico e decisivo», Mário Jorge Machado sublinhou que o setor têxtil português representa 17% do emprego da indústria transformadora. Contudo, enfrenta múltiplos desafios, incluindo instabilidade geopolítica, energia cara, guerra comercial, legislação desatualizada e uma «passividade institucional» preocupante. «Estamos a viver uma invasão silenciosa, com dumping claro e fraude fiscal tolerada pela União Europeia. É preciso corrigir urgentemente as regras do jogo», defendeu.


João Rui Ferreira

No discurso perante o Secretário de Estado da Economia, João Rui Ferreira, o ainda presidente da ATP reivindicou medidas como a reforma fiscal para horas extraordinárias, apoios públicos flexíveis para enfrentar picos no custo da energia, a simplificação de candidaturas e maior agilidade na execução de fundos e a revisão das regras de lay-off e mais flexibilidade laboral.

«Os sucessos do passado não garantem o futuro. Mas acredito neste setor e na nova liderança que agora assumirá», despediu-se Mário Jorge Machado.

Já João Rui Ferreira salientou o papel estratégico do setor têxtil e da ATP, elogiando a «ambição e resiliência» da fileira e garantiu o compromisso do Governo com medidas concretas, como o combate à burocracia, o cumprimento de prazos de análise de candidaturas (60 dias) e de pagamentos (30 dias) e o reforço da capitalização empresarial.

Realçou ainda a necessidade de promover a marca Portugal assente na sustentabilidade, prometeu um plano de ação europeu para garantir condições justas de concorrência no mercado europeu, incluindo na definição de grandes empresas, e apelou ao reforço da cooperação empresarial, à criação de marcas próprias e à transferência eficaz de conhecimento para a indústria.

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