A modelo Stella Maxwell se vestiu quase às cegas para o desfile de alta-costura da estilista holandesa Iris van Herpen. Em meio à penumbra de bastidores iluminados apenas por discretos feixes de luz vermelha, pensados para simular a luminosidade noturna, ela foi cuidadosamente envolta no look de abertura do desfile Sympoiesis, apresentado na Semana de Moda de Paris.
A própria roupa, no entanto, tratou de acender a cena. Cada toque aplicado ao tecido fazia a peça brilhar em azul, como se tivesse vida própria. E de certa forma, tinha.
O vestido foi criado com organismos bioluminescentes vivos e sensíveis ao toque: nada menos que 125 milhões de microalgas Pyrocystis lunula, projetadas para emitir luz em resposta a estímulos físicos.
A ousadia estética é resultado de uma colaboração entre Van Herpen e o biodesigner britânico Chris Bellamy, fundador do estúdio Bio Crafted. Ao contrário do uso simbólico comum da expressão “dar vida à moda”, Van Herpen levou a ideia ao pé da letra e pediu a Bellamy que criasse, de fato, uma roupa viva.
Veterana em experimentações com ciência dos materiais e moda sustentável – como sapatos impressos em 3D e vestidos feitos de lixo oceânico –, Van Herpen levou organismos vivos à passarela pela primeira vez.
DO FUNDO DO MAR À ALTA COSTURA
O processo envolveu uma verdadeira corrida contra o tempo. Em apenas dois meses, Bellamy teve que cultivar milhões de microalgas e desenvolver uma estrutura capaz de mantê-las vivas em movimento, costuradas em um vestido. O “renascimento” do traje, como descreve o designer, ocorreu poucos dias antes da apresentação.
A pesquisa começou a mais de 15 mil quilômetros da passarela: na ilha de Moorea, na Polinésia Francesa. Ali, Bellamy colaborou com o artista e pesquisador Tokainiua Jean-Daniel Devatine e o educador cultural Tekoui “Jérémie” Tamari no projeto Lucid Life, que unia ciência indígena e biodesign em criações luminosas feitas de algas vivas.
Crédito: BioCrafted
No oceano profundo, essas algas desenvolveram uma estratégia de defesa engenhosa: ao serem tocadas – por exemplo, por um peixe pequeno –, emitem luz. A ideia é atrair predadores maiores para comer esse peixes pequenos e, assim, afastar a ameaça inicial. Bellamy trabalhou durante 18 meses para adaptar essa resposta natural à dinâmica de uma peça de vestuário.
Suspensas em um gel nutritivo e encapsuladas por uma membrana transparente, as microalgas conseguiram manter suas funções fotossintéticas sem contaminação externa. A primeira aplicação bem-sucedida foi um maiô brilhante – o protótipo que chamou a atenção de Van Herpen.
“VAMOS FAZER UM VESTIDO FOSFORESCENTE INTEIRO”
“Quando nos conhecemos, eu disse que poderia criar apenas um pequeno fragmento de tecido”, lembra Bellamy. “E Iris respondeu: ‘vamos fazer um vestido inteiro’.”
Depois da criação do material, o vestido passou por cinco semanas de costura e ajustes. Em seguida, foi acondicionado em uma câmara climática, transportado em um caminhão refrigerado de Amsterdã a Paris e mantido sob condições controladas até a hora do desfile.






Com o desfile concluído, o destino da peça permanece incerto. Bellamy reconhece que a longevidade do vestido ainda é uma incógnita – e que há um forte apego emocional por parte da equipe.
“O ateliê vai ficar devastado se esse vestido morrer”, diz ele. “Mas o mais importante é repensar nossa relação com os materiais e com a natureza. Esta peça representa isso: cuidado, interdependência, simbiose.”
SOBRE A AUTORA
Grace Snelling é colaboradora da Fast Company e escreve sobre design de produto, branding, publicidade e temas relacionados à geração Z. saiba mais
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