Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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Estilistas da Dolce & Gabbana falam sobre boicote: "Vivemos em um mundo falso

Irônicos, talentosos e controversos, Domenico Dolce e Stefano Gabbana criam coleções irreverentes com a mesma habilidade com que transformam polêmicas em propaganda. O exemplo mais recente é o lançamento das camisetas-desejo #BoycottDolce&Gabbana, resposta à chuva de críticas que receberam ao decidir vestir a primeira-dama Melania Trump. Ex-maridos, sócios e, sobretudo, amigos, os dois comandam de forma independente, sem um conglomerado de luxo por trás, a grife que hoje fatura mais de € 1 bilhão por ano. À Marie Claire, falam sobre os altos e baixos da moda, a força da geração millenial, a briga com Elton John e muito mais.

Stefano Gabbana (à esq.) e Domenico Dolce (Foto: Divulgação)

Piquetes, faixas, jovens entoando gritos de guerra, imprensa espalhada. Em frente à sede da Dolce & Gabbana, em Milão, no início do mês passado, uma pequena multidão se reuniu para protestar. Vestiam, todos, uma camiseta com a hashtag #BoycottDolce&Gabbana, uma alusão ao movimento iniciado dois anos antes, por Elton John, quando declararam ser contra a adoção por casais gays e o processo de fertilização in vitro, e que ganhou força há seis meses, depois que a grife passou a vestir a primeira-dama americana, Melania Trump. Tudo dentro do previsto para um episódio como esse, não fossem os próprios estilistas os “comandantes” da revolta. Usando a t-shirt, eles lideraram o grupo de jovens e deram entrevistas para a TV. “A Dolce & Gabbana está se autoboicotando”, afirmou o Twitter da marca, que subiu no mesmo dia uma videorreportagem sobre a “manifestação” – na verdade, uma grande sacada de marketing proposta por Domenico Dolce e Stefano Gabbana.

“Estamos respondendo de forma irônica a todas as pessoas que fazem comentários negativos sobre a gente em nossas redes sociais”, disse Stefano à Marie Claire. A camiseta, inclusive, já está à venda no site da grife, por € 175. É com esse tipo de irreverência que os designers construíram uma das empresas mais poderosas do universo do luxo, que fatura anualmente pouco mais de € 1 bilhão por ano. Isso aliado ao lifestyle sexy da Sicília, região ao sul da Itália em que Domenico nasceu e de onde tiram inspiração para as coleções. É de lá, por exemplo, que vem a ideia do vestido corset rendado – feito sob medida para as voluptuosas atrizes do cinema italiano, como Sophia Loren e Anita Ekberg – best-seller no mundo inteiro (inclusive no Brasil).

Casados por mais de 20 anos, Stefano e Domenico lançaram a marca em 1985, em um desfile na Semana de Moda de Milão, “patrocinado” por amigos. Em poucos anos, a grife cresceu rapidamente, passou a ser admirada por celebridades e ampliou sua área de atuação para beleza e streetwear – sempre com o bom humor que se tornou sua marca registrada. À Marie Claire, os estilistas contam detalhes dessa trajetória e garantem que, embora tenham se separado em 2005, continuam amigos (e não sentem ciúmes um do outro).

Stefano (à esq.) e Domenico com a atriz italiana Isabella Rosselini (Foto: Arquivo Pessoal)

MARIE CLAIRE Por que vocês decidiram forjar um “protesto” em frente à sede da Dolce & Gabbana?
STEFANO GABBANA
 Estamos respondendo de forma irônica a todas as pessoas que fazem comentários negativos sobre nós em nossas redes sociais. Por isso também lançamos as camisetas com o #BoycottDolce&Gabbana.

MC O boicote à marca nas redes começou dois anos antes, encabeçado por Elton Jonh, quando Domenico deu uma entrevista criticando a fertilização in vitro e a adoção por casais gays. Qual foi a reação de vocês?
DOMENICO DOLCE
 O problema é simples: vivemos em um mundo falso, em que não podemos dizer o que pensamos de verdade. Se eu não concordar com você, por exemplo, você vai me odiar e me matar. Esse é o problema.
SG Nós amamos casais gays. Nós somos gays! Adoramos que os gays possam adotar. Foi só o Domenico espressando sua opinião pessoal.
DD A questão é: sou siciliano, cresci com um senso de família muito grande. Acredito na família tradicional. Essa é minha vida, meu background. Não dá para mudar o que penso a respeito porque isso define quem eu sou. Mas respeito muito as opiniões de todos, inclusive dos que pensam diferente de mim. Cada um tem o direito de achar o que quiser. Isso é democracia.

MC Alguma vez cogitaram abrir mão do negócio que construíram?
SG 
Algumas vezes. Mas nunca por causa dessas críticas. Isso não é nada.
DD Passamos por dificuldades terríveis. Já fomos cobrados, tivemos que nos mudar às pressas... Nós temos a Dolce & Gabbana há tempos porque somos hábeis em nos manter de pé. O destino nos ajudou muito. Agradeço até quem torce contra a gente porque isso nos desafia. Talvez não estivéssemos aqui hoje se não fossem eles.

MC O que vocês dois aprenderam com esses momentos difíceis?
SG 
Quando a pessoa tem uma vida fácil, não se torna um homem ou uma mulher forte. Não estou dizendo que é preciso sofrer, mas é preciso ter experiências boas e ruins para amadurecer.
DD  E, se for inteligente, entenderá que é preciso ter respeito com quem está abaixo e acima de você. Às vezes as pessoas crescem e começam a tratar mal os outros. Não é porque sou um bom estilista que sou deus. Precisamos dizer obrigado a todos os envolvidos com nosso trabalho, inclusive para a moça que serve o café.

MC Que tipo de chefes são? Existe um “chefe bom” e um malvado?
DD
 Eu sou o cara legal [risos]. Brincadeira. Essa pergunta é difícil, acho que não sei responder.
SG Também acho difícil. Nós somos uma simbiose, cada um tem suas características, que se complementam.

MC É verdade que chamaram amigos para ajudar no primeiro desfile?
SG
 Na época não tínhamos dinheiro para pagar maquiadores, modelos, muito menos para fazer os sapatos para um desfile. Por isso, minha ideia inicial era levar à passarela mulheres comuns, de todos os tipos – mais maduras, magrinhas, gordinhas, não tão altas. Disse às meninas: “Garotas, vocês terão de vir com os próprios sapatos. Se os jornalistas perguntarem por quê, respondam que, quando se compra um vestido, trata-se só do vestido”.

MC Existem duas versões sobre o momento em que se conheceram, em 1982. A primeira é a de que Domenico foi visitar um designer que trabalhava com Stefano, e ele abriu a porta. Outros dizem que se esbarraram em uma balada. Qual é a verdade?
SG
 A verdade é que eu não estava feliz com meu trabalho com design gráfico, no início dos anos 80. Mas amava a vida em Milão. As casas noturnas, as festas e a moda estavam em polvorosa. Era completamente ignorante nesses assuntos, mas percebi que a moda era um ambiente de muita paixão. Então, perguntei a uma amiga se conhecia alguém do ramo. Ela respondeu: “Tenho um amigo que trabalha com isso e às vezes faz uns vestidos para mim”. Ela conversou com o Domenico, que trabalhava com o designer Giorgio Correggiari, e pediu o número do escritório deles. Liguei para pedir emprego, e quem fez a entrevista foi o Domenico.

“Domenico me paquerou por sete meses e eu sempre dizia ‘não’”
Stefano Gabbana

MC E o que veio depois, o relacionamento ou os negócios?
SG
 Ele me paquerou por sete meses e eu sempre dizia não. Mas nós vivíamos juntos, saíamos, jantávamos. Uma noite, voltando de um jantar com amigos, ele me deu um ultimato: ou estávamos juntos ou não. Eu aceitei.
DD Um ano depois, decidimos que deveríamos fazer nosso próprio trabalho. Foi aí que começamos a desenvolver nossa coleção com a ajuda [financeira] da minha família.
SG A história parece um conto de fadas. Várias pessoas nos pedem para escrever um livro porque daria muito certo. Nunca pensamos nisso porque é difícil achar uma versão só para os fatos. A base da nossa história é o amor.

MC Nesse último ano, a grife focou na geração millennial (nascida entre 1982 e 2000). É uma maneira de olhar para os consumidores do futuro, trazer frescor à marca ou ampliar a relevância nas mídias sociais?
DD
 Olhamos o que está acontecendo no mundo. Encontramos a resposta: envolver os millennials em nosso trabalho. Os observamos, reparamos em como escolhem os looks, misturam as peças. Foi a partir dessa experiência que tivemos a ideia de fazer um desfile com pessoas reais e não modelos [outono-inverno 2017-2018]. Garotos e garotas que amam moda e se divertem. Todos autênticos e diferentes entre si.
SG É muito interessante trabalhar com essa turma, uma lição de vida para nós. Somos acostumados ao mundo da moda, às revistas, aos stylists. Mas, na vida real, são esses garotos que vestem a moda.

MC Falando em geração, que lembranças vocês guardam da infância e da adolescência?
DD
 Lembro de brincar com tecidos e ferramentas, não brinquedos. Vivíamos em uma pequena vila na Sicília. Meus avós criavam animais e tinham uma hort. Meu pai vendia produtos em um mercado. Minha mãe, Lúcia, é meu ícone, tinha o dom de vender e comprar qualquer coisa. Era muito esperta, à frente de sua época. Morreu aos 72 anos, de câncer. Meu pai também trabalhou como alfaiate, tinha uma pequena confecção de roupas e me ensinou muito sobre a indústria têxtil. Quando menino, queria estudar arquitetura. E fui, em Palermo, em 1970. No final, creio que minha vida foi movida mais pela arquitetura do que pela moda.

MC Mas você não estudou moda no Instituto Marangoni, em Milão?
DD 
Tentei, mas depois larguei. Não tinha certeza se queria aquilo.

MC Como eram na escola?
SG
 Adorava me divertir, fazer bagunça. No trabalho, continuo o mesmo. Às vezes, as pessoas me dizem: “Fique quieto, você é um palhaço”.
DD A escola para mim foi bastante complicada. Não tenho memórias boas dessa época, não tinha amigos. Os meus poucos colegas da Sicília se perderam quando fui para Palermo. Quase ninguém falava comigo quando eu era menino. O engraçado é que, hoje quando me veem, sempre perguntam se lembro deles. Minha vontade é responder: “Lembro bem, você é péssimo!”.

MC As crianças podem ser maldosas...
SG
 Na vida, quando se é gentil, tudo fica melhor. Ninguém deve ser mau com os outros, mesmo quando a vida não é lá essas coisas. Não culpe ninguém pela sua infelicidade. Somos muito sortudos em amar o que fazemos. E podemos dizer que o dinheiro está em último na nossa lista de prioridades. Estamos falando de lifestyle, não de grana.

MC De lifestyle italiano ...
DD 
Para nós, é algo natural. Quando decidimos apresentar a primeira coleção de alta-costura [em 2015] em Milão, depois de três anos em preparação, queriamos mostrar àquelas pessoas, que estão acostumadas a ver tantos desfiles, a essência do que é a nossa marca: a mulher italiana.
SG Nossas clientes pediam peças exclusivas e, quando chegou o momento, optamos por fazer a alta moda na versão italiana, não francesa. Foi um desafio, mas conseguimos.

“Se você quer ‘eat now, buy now’, vá a uma lanchonete fast food”
Domenico Dolce

MC Como veem o see now, buy now?
SG
 See now, buy now não é moda. Moda é moda. Indústria é indústria. São coisas diferentes. Temos o hábito de mudar coisas um dia antes do desfile. Se tudo estivesse pronto para ir para a loja, seria impossível.
DD Para criar uma roupa, você precisa respeitar um processo: o desenho, a escolha do tecido, o tempo na fábrica. Pense em um bom prato. É necessário tempo para prepará-lo, escolher os ingredientes, cozinhar, fazer o molho. Se voce quer “eat now, buy now”, vá a uma lanchonete, um fast food.

MC O lace dress (vestido siciliano) é um grande sucesso no Brasil e no mundo. Por que é tão popular?
SG
 Porque o Brasil fica no sul, assim como a Itália. E ambas as mulheres gostam de se sentir lindas, belas, vivas. E os homens adoram olhar para uma mulher e sentir a mesma coisa. Além disso, a renda é um dos tecidos mais caros e delicados do mundo.

MC Voltando a vocês dois, quando decidiram ser parceiros de trabalho e não mais namorados?
DD
 O amor não é a mesma coisa que o sexo. Nesse caso, o amor ganhou.

MC Mas não nesse sentido. Quando você está com alguém, sente que pertence a ele. Como foi perder....
DD
 Nós dividimos absolutamente tudo, nossa jornada. E o melhor é que continuamos dividindo as alegrias.
SG Não foi nem um pouco fácil nos separarmos. Mas nosso relacionamento não mudou, apenas assumiu uma forma um pouco diferente, a da amizade.

MC Sentem ciúmes um do outro?
SG
 Não. Fico muito feliz quando o vejo com um namorado legal.
DD Nem um pouco também.

MC Já pensaram em desistir da parceria em algum momento da carreira?
SG
 Não. Nossos problemas nunca partiram de mim nem do Domenico, mas de fora. As brigas que tivemos sempre foram com os outros. Eu e ele nos amamos e somos melhores amigos. É difícil termos um desentendimento.

Os designers no comando do “protesto” em frente à sede da empresa (Foto: Arquivo Pessoal)
POR MARINA CARUSO

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    O problema é simples: vivemos em um mundo falso, em que não podemos dizer o que pensamos de verdade. Se eu não concordar com você, por exemplo, você vai me odiar e me matar. Esse é o problema.

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