— Esse assunto é novo, e como tudo que é novo necessita de um tempo para discussão. Já ouvi falar que moda não é cultura e, sim, negócio. Mas teatro, música, artes visuais e outros setores não são? Cultura e negócio podem andar lado a lado — diz Herchcovitch, um dos beneficiados. — Moda é legítima expressão cultural.
A discussão em torno do tema surgiu há pouco menos de um mês, quando foi publicada a autorização para captação dada aos três projetos no Diário Oficial. A lei é um mecanismo de incentivo cultural através de isenção tributária. A conversa, porém, começou há quase um ano, quando Marta convidou os estilistas Oskar Metsavaht, Gloria Coelho, Pedro e Herchcovitch para uma reunião sobre o tema, em Brasília.
Oskar: quatro projetos
Mesmo depois de todas as críticas, o que inclui o fato de a ministra ter ignorado o parecer negativo da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (Cnic) quanto aos projetos, Marta se manteve em defesa da moda como elemento cultural e da capacidade de se difundir uma imagem positiva do país, tratando de esclarecer a questão.
— Entendo que a moda tem grande contribuição para a construção de uma marca de um país, assim como aconteceu em países como França, Itália, Estados Unidos e tantos outros. Além disso, ela pode ajudar a preservar e a renovar nossa tradição — explica Marta, em entrevista por e-mail durante uma viagem à China. — Nossas duas principais diretrizes no MinC são promover a inclusão social por meio da cultura e internacionalizar a imagem do Brasil.
Embora muitos estilistas critiquem de alguma maneira a inclusão da moda na Lei Rouanet, como Tito Bessa Jr e Amir Slama, que deram declarações contrárias ao subsídio em entrevista à “Folha de S.Paulo”, outros, como Oskar Metsavaht, apoiam o benefício:
— Se a moda faz parte da Lei Rouanet, ela tem todo direito de receber apoio do MinC — diz Oskar. — A moda representa os elementos contemporâneos de uma sociedade e faz parte da cultura porque é protagonista, tanto quanto a música, o cinema, o teatro e a dança, da expressão da personalidade desta sociedade.
Uma das principais críticas aos três projetos aprovados para captar recursos via Lei Rouanet foi o fato de dois deles, o de Pedro e o de Herchcovitch, incluírem desfiles fora do Brasil, o que para Marta não tem a menor importância, uma vez que “milhões de pessoas acompanham estes eventos pela internet e pela TV”. Gloria Coelho defende Pedro, seu filho, principal alvo das críticas — não apenas por desfilar em Paris.
— Desfilar em Paris é levar a cultura nacional para o exterior. Mostra imagens de um Brasil que é criativo, elegante, fresco, intelectual, criando negócios, turismo, curiosidade — opina Glória.
Especialistas no Minc
Para a estilista Isabela Capeto, que afirma não ter inscrito nenhum projeto ainda, mas que, “com certeza, pensará em algo”, ampliar o público dos desfiles é uma forma de retribuir o apoio governamental dado por meio da renúncia fiscal.
— Se você vai usar o dinheiro público e fazer uma evento cultural bacana, é importante dar oportunidade para várias pessoas assistirem — diz Isabela. — É interessante que o estilista mostre a moda como um espetáculo num local público, dando oportunidade a várias outras pessoas de verem de perto.
A ministra discorda em parte:
— A ideia de desfiles em um parque ou uma exposição pode ser boa por ampliar o público presencial. No entanto, não podemos considerar que o público presente em um desfile ou em um outro evento de moda seja o público máximo do evento. Esses eventos repercutem muito na mídia.
O Ministério insiste que não vai patrocinar as marcas comerciais:
— O que está sendo incluído na Lei Rouanet é o processo criativo do segmento moda, não o processo industrial. Os aspectos comerciais da moda já se caracterizam como indústria e, para isso, há acesso a outros programas de financiamento, adequados para essas atividades.
A moda, segundo Marta, tem um potencial para divulgar a criatividade do Brasil no mundo. Um projeto para ser aprovado também deve atender a um dos quatro pontos da Lei Rouanet: internacionalização (impacto na imagem do Brasil), ter simbologia brasileira (raízes e tradição), formação de estilistas ou da cadeia produtiva e preservação de acervo. Este último elemento é uma das questões levantadas como sendo uma necessidade na moda por muitos estilistas.
— Os acervos dos estilistas deveriam estar nos museus, como acontece em outros países. O Brasil também precisa de memória — diz Gloria.
Quatro projetos estão nos planos de Oskar para serem inscritos no MinC. Um deles envolveria Inhotim, onde ele faria todo o processo criativo para criação de uma coleção, que seria apresentada em dois desfiles em Nova York, num prazo de 12 meses, e que resultaria também em uma videoinstalação. Embora seja a favor, Oskar defende que é preciso ter no MinC especialistas em moda, como críticos, editores e acadêmicos, que possam avaliar os projetos inscritos para captação de recursos pela Lei Rouanet:
— Senão, as grifes comerciais, que copiam todo mundo, também vão querer incluir seus projetos. A questão cultural da moda não é falar de um país, o que tem que ser considerado é se aquele estilista é autoral e original, e se suas coleções trazem um legado cultural de moda para o Brasil.
Marta avisa que haverá um edital no final deste mês para seleção de novos peritos habilitados (para todas as linguagens abrangidas pela lei) a darem pareceres sobre projetos apresentados na Lei Rouanet.
— Creio que, com o passar do tempo, a presença da moda entre os setores criativos que fazem parte da Lei Rouanet será vista como mais natural e deve enfrentar pouca ou nenhuma resistência — acredita Marta. — Mesmo alguns argumentos alegando que haveria mais dificuldade de captação para outros setores, uma vez que mais proponentes estariam em busca de patrocínio, devem se dissolver. Isso porque os recursos da Lei Rouanet não são utilizados totalmente. Em 2012 tivemos um saldo de mais de R$ 200 milhões que não foram utilizados. Portanto, a medida em que estamos incluindo outros segmentos na lei, buscamos novos investidores que ainda não a utilizam.
Projetos aprovados
1. Ronaldo Fraga: exposição que apresente diálogo entre o popular e o erudito. O trabalho terá como desdobramento duas coleções que serão desfiladas na SPFW e terão como inspiração Mário de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Espedito Seleiro. Ele pretende fazer o desfile fora da Bienal para um público de até mil pessoas. Ronaldo doará a coleção para museus e fará oficinas.
Valor: R$ 2.040.500
2. Pedro Lourenço: apresentação de duas coleções em Paris, com a realização de desfiles. O estilista terá como elemento de inspiração os valores estéticos e culturais de Carmen Miranda. Segundo Pedro, ele fará também palestras em universidades. Ele doará as roupas para o Museu da Cidade de São Paulo e também para o Museu Carmen Miranda.
Valor: R$ 2.830.106
3. Alexandre Herchcovitch: processo de pesquisa e criação de coleção feminina que será apresentada tanto na SPFW quanto em Nova York e terá como inspiração a antropofagia cultural “em sentido amplo”. Ele irá contratar cerca de 20 estagiários de faculdades de moda e doará as roupas para museus.
Valor: R$ 2.616.173