Sucessão e identidade! Estilo e moda em sintonia e atualização aos tempos.
Quando usamos a palavra “estilo”, devido à sua origem etimológica e significado conceitual, estamos nos referindo às questões pessoais, subjetivas, a uma determinada visão de mundo e como a pessoa envolvida dá suas respostas na área em que atua. Diferentemente da palavra moda, que, também de acordo com a sua origem etimológica e seu significado conceitual, já tem o caráter de coletivo, social, e envolve um grande número de pessoas adeptas a uma determinada proposta sugerida. Ambas as palavras são muito usadas na área de moda e, às vezes, até mesmo aplicadas como sinônimos. Na realidade, são palavras que envolvem questões distintas, pois estilo está associado à individualidade, e moda, à coletividade. Não se pode negar que um determinado estilo, ao ser lançado, aceito e assimilado, se torna coletivo e, portanto, moda.
Mas, com essa brevíssima reflexão de palavras tão próximas e ao mesmo tempo com seus respectivos significados, quero chegar especificamente às questões de identidade estética, conceitual e até mesmo técnica de alguns significativos nomes da história da moda e como seus seguintes criadores (ou diretores artísticos) deram continuidade às respectivas casas de moda. Trata-se de Gabrielle Chanel (1883-1971), Christian Dior (1905-1957) e Cristóbal Balenciaga (1895- 1972), três gênios da moda, e como alguns de seus sucessores mantiveram a identidade de seus antecessores/fundadores das casas, sendo respectivamente Karl Lagerfeld (1933-2019), John Galliano e Demna Gvasalia.
A partir dos anos 1980 tornou-se uma prática muito comum trazer sangue novo para dar continuidade aos tradicionais e já reconhecidos nomes (falecidos ou não) da moda. Não se pode negar que normalmente aprendizes, em geral, seguem o trabalho de seus respectivos mestres e, muitas vezes, até mesmo os substituem, dando uma atualizada ao ar dos tempos sem perder a identidade, mas que, ao mesmo tempo, mantêm as características da formação estética dessa mesma casa. Falo agora dos três nomes anteriormente citados, mesmo que não tenham sido aprendizes, mas, devido aos seus talentos, foram nomeados para lá substituírem os fundadores das maisons.
Karl Lagerfeld entrou chez Chanel em 1983 com a missão de não só dar continuidade ao estilo de mademoiselle como também de trazer um novo sopro de acordo com o zeitgeist de então. Assim o fez com muita propriedade. Contemporaneizou a casa sem perder as referências que Gabrielle Chanel criou. Continuou com os debruns, os tweets, as pérolas, as correntes e os botões dourados e, obviamente, não esqueceu os tailleurs. Acredito que, se Chanel estivesse viva à época, talvez fizesse o que o genial Lagerfeld o fez; à exceção das minissaias, já que mademoiselle nunca as fez, pois não gostava de joelhos aparentes. Sim, Karl manteve a identidade visual da casa Chanel totalmente atualizada aos tempos em que lá esteve até sua morte, em 2019. Já na casa Dior, antes mesmo da entrada de John Galliano, com as sucessões anteriores de Yves Saint Laurent (1936-2008), Marc Bohan (1926-2023) e Gianfranco Ferrè (1944-2007), após o falecimento do fundador, em 1957, foi mantida uma significativa identidade estética fundamentada por Christian Dior (à exceção de Saint Laurent, que, em 1958, lançou a silhueta trapézio, fugindo da cintura marcada e saia rodada do seu antecessor e fundador). Mas Yves Saint Laurent logo saiu da maison e abriu a própria marca de costura. Os outros dois que o sucederam (Bohan e Ferrè) atualizaram a casa sem grandes reviravoltas. Já John Galliano, quando lá entrou, em 1997, trouxe um novo alento à moda em geral, não só à casa Dior. Sim, Galliano, com seus característicos barroquismos, revitalizou a maison, trazendo uma nova geração de consumidoras, ou seja, as netas das tradicionais avós que compravam uma significativa parcela dos produtos Dior. À época, a partir de 1997, era comum as pessoas dizerem: “Mas Dior jamais faria isso. Dior era um clássico”. Não posso discordar que Christian Dior talvez não se enveredasse pelos exageros visuais comuns de John Galliano; porém, Galliano resgatou um conceito, uma imaterialidade de Dior, ou seja, o romantismo na e da moda. Às vezes com a identidade visual da cintura marcada e da saia rodada, outras vezes nem tanto; mas o romantismo presente de alguma forma foi resgatado, especialmente na postura das modelos, com roupas que fizeram as pessoas voltarem a sonhar, tirando a moda sofisticada de certo marasmo. Foi o romantismo com o qual Dior identificou seu estilo e sua casa após o término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), no ano de 1947, com o “new look”. Se Dior disse que “as mulheres estão cansadas de bombas e querem flores”, Galliano cumpriu com a função de refeminilizar a moda depois de longos anos com as propostas unissex dos yuppies, das sobreposições dos grunges que não delineavam a silhueta do corpo, das desconstruções dos belgas e da valorização oversized do streetwear. Galliano fez, chez Dior, com que as pessoas voltassem a sonhar pelo viés da moda, resgatando a imaterialidade conceitual do romantismo de Christian Dior.
Na terceira e última reflexão, trago uma breve análise de Demna Gvasalia na casa Balenciaga, depois de alguns outros nomes que sucederam o maior nome da alta-costura de todos os tempos, o espanhol Cristóbal Balenciaga, que se fez em Paris a partir de 1937, tornando-se um dos grandes nomes da moda dos anos 1940, 1950 e 1960. Cristóbal era reconhecido, mesmo pelos seus concorrentes, como o melhor de todos. Tinha criatividade, domínio técnico e tino comercial. Foi impecável na construção de suas roupas, muitas vezes tendo a costura imperceptível de tão primoroso conhecimento de domínio técnico e exigência de acabamentos às suas modelistas e costureiras. A casa foi fechada e, posteriormente, reaberta com roupas de prêt-à-porter e, entre outros nomes, especialmente revitalizada por Nicholas Guesquièrre já no início do século 21, também sem grandes e significativas mudanças na moda. Gvasali, por sua vez, criou uma reviravolta na moda francesa e, por extensão, na moda em geral, ao entrar chez Balenciaga em 2015 e propor suas criações completamente paradoxais à identidade do próprio Cristóbal. Todos nova- mente falaram e ainda falam: “Mas Balenciaga jamais faria isso”. Possivelmente não faria mesmo, mas Demna muito atualizou aos tempos a tradicional casa de costura e, mais do que isso, mesmo com suas desconstruções identitárias brutalistas e conceituais nas suas coleções, teve a capacidade de manter o domínio técnico nas suas novas propostas criativas, correspondendo ao mestre espanhol, que fugia das identidades visuais predominantes dos grandes e contemporâneos nomes da moda do seu tempo. Ele atualizou e revolucionou ao mesmo tempo. Seria um compromisso dos fugitivos de guerra? Enquanto Balenciaga se estabeleceu em Paris fugindo da Guerra Civil Espanhola (1936-1939), Gvasalia se estabeleceu em Paris fugindo da Guerra Russo-Georgiana (2008).
Os três novos nomes aqui analisados, com suas entradas em tradicionais casas de moda, contribuíram, cada um a seu tempo e a sua maneira, para manter os famosos nomes da moda em evidência e trazer novas celebridades e clientes às casas. Dois franceses e um espanhol que se fizeram via Paris (Chanel, Dior e Balenciaga, respectivamente), acompanhados de um alemão, um gibraltino e um georgiano (Lagerfeld, Galliano e Gvasalia, respectivamente), revitalizando as tradicionais casas de moda às suas épocas de atuação.
Lagerfeld manteve a identidade visual da casa Chanel, e só isso não bastava mais em outros tempos. Galliano, por sua vez, foge da visualidade clássica de Dior e mantém o conceito imaterial do romantismo da casa nos novos tempos do fim do século 20 e início do século 21. Para os momentos atuais, já acostumados às desconstruções, nem mesmo isso – identidades visuais e conceituais – nos convencia mais; daí a necessidade de novas respostas e propostas vinculadas aos rápidos tempos de tecnologias e celebridades que fogem do esperado, do previsível. Demna mudou absolutamente tudo, mas manteve a identidade do grande domínio técnico associado à criatividade. Para desconstruir com fundamento, é preciso saber construir com muita propriedade.
Três nomes tradicionais da moda com três outros nomes que fizeram novas histórias sem perder as referências identitárias, cada um a seu jeito, a seu estilo, a sua subjetividade, a sua visão de mundo, a sua maneira, a seu tempo, dando à moda em geral o seu verdadeiro caráter de aceitação coletiva e, também, dando muito o que falar (e certamente muito o que escrever).
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