Trabalhadores das facções têxteis querem uma solução negociada entre o MPT e a Guararapes 

As mãos habilidosas e velozes trabalham em ritmo frenético – de forma quase mecânica – para conseguir suprir a demanda de peças de roupa encomendadas por gigantes do setor de confecções. Espalhadas em meio ao cenário acinzentado do Seridó potiguar, uma das áreas mais afetadas pela longa estiagem que assola o estado, dezenas de facções produzem em ritmo acelerado para atingir metas ousadas e ampliar os seus negócios.

São 49 pequenas fábricas distribuídas em 12 cidades da região, segundo dados da Associação de Facções do Seridó. A maior parte delas – 13, no total – estão instaladas no pequeno município de São José do Seridó, onde 60% da economia gira em torno das facções e um quarto da população de pouco mais de quatro mil habitantes trabalha diretamente com o setor têxtil, conforme aponta a prefeita da cidade, Maria Dalva Medeiros de Araújo (PMDB).

<span style="color: rgb(31, 31, 31); font-family: &quot;Lucida Grande&quot;, Tahoma, sans-serif; font-size: 15px;">A prefeita Maria Dalva de São José do Seridó&nbsp;</span>A prefeita Maria Dalva de São José do Seridó 

A principal preocupação da chefe do executivo é que toda a cadeia produtiva de São José do Seridó seja afetada pela ação impetrada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT/RN) contra a empresa Guararapes Confecções, principal ‘cliente’ das facções potiguares. Cerca de 80% das peças de vestuário produzidas no município são encomendadas pela Guararapes, que desde 2013 delegou parcela significativa de sua produção para as pequenas fábricas seridoenses.

O MPT enxerga indícios graves de irregularidade na relação entre a empresa dirigida por Flávio Rocha e as facções. Os procuradores do Ministério Público do Trabalho cobram uma multa indenizatória de R$ 37 milhões devido a descumprimento de direitos trabalhistas pela Guararapes. A companhia, por sua vez, afirma que o pagamento de um valor tão elevado acarretará em redução de postos de emprego no estado, além do descredenciamento das facções têxteis no estado. A Guararapes ainda ameaça transferir a sua produção para outras regiões do país, abandonando o Rio Grande do Norte.

O clima entre funcionários e donos das facções é de incerteza. Beneficiados pelo Programa de Interiorização da Indústria (Pro-Sertão), do Governo do Estado, os microempreendedores apostaram alto na ampliação ou criação de facções. Muitos deles empenharam na atividade todas as suas economias e vinham obtendo resultados positivos ao longo dos últimos quatro anos, com possibilidade de ampliação dos seus negócios. Todavia, receberam um balde de água fria nas últimas semanas. Não é de se surpreender que empregados e empregadores estejam contra a ofensiva do Ministério Público do Trabalho.

“Se a Guararapes vier a recuar diante dessa petição, nós estamos fadados ao fracasso. Hoje, nós não temos nenhum parceiro de peso que possa vir a ocupar o espaço dela”, afirma com preocupação a faccionista Marionete Medeiros de Araújo, proprietária da Araújo e Câmara Confecções, que destina 80% da sua produção para abastecimento exclusivo da Guararapes.

A facção de Marionete emprega 36 pessoas no município de São José do Seridó e tem uma produção diária de 600 unidades de vestuário ‘de baixo’ (calças, shorts, saias...). A empresa foi criada em 2009, com um investimento inicial de R$ 400 mil, e passou por expansão a partir de 2013, apoiada no Pro-Sertão. O faturamento mensal da empresa varia entre R$ 80 mil e R$ 85 mil, sendo 80% deste montante oriundo do pagamento de honorários pela Guararapes.

Empresária Marionete da Facção Araújo e CâmaraEmpresária Marionete da Facção Araújo e Câmara

Para o jovem Vinícius Nascimento da Silva, de 18 anos, trabalhar como polivalente – como são chamados os costureiros que ocupam mais de uma função na linha de produção das facções – surgiu como uma oportunidade de garantir renda fixa mensal para sua família. Filho de agricultores, ele decidiu abrir mão do campo em função da diminuição de oferta hídrica decorrente da seca. Agora, dedica-se a costurar, cortar e embalar peças de roupa durante jornada que dura oito horas, com tempo de intervalo para descanso durante o almoço.

A jornadas de trabalho acontece no antigo galpão destinado à moagem de ração para o gado, na comunidade de Caatinga Grande, zona rural de São José do Seridó. O ambiente foi adaptado para receber a facção e emprega apenas moradores do distrito. A maioria com história de vida semelhante a de Vinícius. “Ajudava meu pai na agricultura. O problema é que a seca acabou com tudo. Foi quando apareceu essas facções e resolvi aprender uma nova profissão”, conta o jovem que ainda sonha em fazer uma faculdade e trilhar carreira profissional longe daquele galpão.

<span style="font-family: &quot;Times New Roman&quot;, serif; font-size: 14.6667px;">Vinícius Nascimento da Silva trabalha em uma facção no município de São José do Seridó&nbsp;</span>Vinícius Nascimento da Silva trabalha em uma facção no município de São José do Seridó 

Facções completam o ciclo do Bolsa Família

A possibilidade de instalação de facções transformou a cena econômica do município de Parelhas,localizado também no Seridó potiguar. Conhecida como a cidade das telhas, em função da grande existência de cerâmicas no local, o logradouro vem enfrentando um movimento de redução na atividade de extração e crescimento da produção têxtil. Atualmente, as facções representam 20% do grosso econômico do município, ainda atrás das receitas geradas pelas cerâmicas e por mineradoras instaladas na cidade, que vêm diminuindo paulatinamente as suas operações em função da seca prolongada. As facções não utilizam água em sua produção.

Segundo a Associação de Facções do Seridó, são oito empresas instaladas no município e 420 empregos diretos gerados em decorrência da atividade. A manutenção destes postos de trabalho também depende diretamente da Guararapes Confecções, que é responsável por absolver 80% da produção local. “As facções não vão sobreviver sem a Guararapes”, projeta o prefeito de Parelhas Alexandre Petronilo (PMDB).

<span style="color: rgb(31, 31, 31); font-family: &quot;Lucida Grande&quot;, Tahoma, sans-serif; font-size: 15px;">Prefeito de Parelhas, Alexandre Petronilo</span>Prefeito de Parelhas, Alexandre Petronilo

Petronilo projeta um impacto negativo desastroso caso a Guararapes interrompam as atividades na cidade. Isso porque Parelhas adaptou as suas políticas públicas em função do desenvolvimento da indústria têxtil no município. Conforme detalha o prefeito, a maior parte dos postos de trabalho criados após a criação das facções foi ocupada por pessoas egressas do programa Bolsa Família, do Governo Federal. As mulheres foram as principais beneficiadas com isso. Elas deixaram de ser dependente financeiramente de seus maridos, a maior parte funcionários de cerâmicas e mineradoras, e passaram a ter maior autonomia.

“Ao contrário do que muitos pregam, sou um defensor do Bolsa Família e dos outros programas de assistência do Governo Federal. Em Parelhas, oferecemos qualificação profissional, através do Pronatec, para as pessoas que estavam registradas no Cadastro Único. Capacitamos mais de três mil pessoas, sendo 1.800 para a indústria têxtil, além de outras áreas que seriam impactadas com as facções, como eletricistas e mecânicos. Isso gerou um efeito positivo imenso para a cidade, tanto que conseguimos ter uma rotatividade anual de 600 pessoas no Bolsa Família desde a instalação das facções no município, rendendo prêmios de gestão qualificada para a cidade”, apontou Alexandre Petronilo.

Sobre a ação do Ministério Público do Trabalho, o chefe do executivo de Parelhas pede cautela aos procuradores. Sem entrar no mérito da questão, por reconhecer que podem existir entraves jurídicos na relação entre Guararapes e facções, Alexandre Petronilo torce para que as partes envolvidas no imbróglio jurídico encontrem uma saída harmoniosa e que gere o mínimo de dano para a economia local. “É uma briga de gigantes e que não cabe ao prefeito de Parelhas se meter. Mas espero que o Ministério Público seja compreensivo e preserve os postos de trabalho dos mais de 400 trabalhadores beneficiados pelas facções em Parelhas”.

O sonho de Pollyana

Inclinada sobre uma robusta máquina de costura, a jovem Pollyana Almeida de Sousa Santana, de 21 anos, aguarda com receio a definição do processo judicial movido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) contra a Guararapes. Ela depende do emprego conseguido há dois anos e meio para ajudar nas contas de casa, divididas com o marido carpinteiro. O casal tem um filho ainda de colo e veem as contas para pagar se acumulam a cada virada de mês.

Assim como os outros 44 empregados da JEC Confecções, sediada em Parelhas, Pollyana dedica oito horas do seu dia para costurar, cortar e empilhar peças de roupa. Somadas as atividades domésticas, são pelo menos 18 horas de trabalho exaustivo. Ainda moça, Pollyana não reclama da sua condição de vida: “pior é estar desempregado”, resume.

<span style="font-size: 16px; text-indent: 25px;">Pollyana Almeida de Sousa Santana, funcionário de facção têxtil em Parelhas</span>Pollyana Almeida de Sousa Santana, funcionário de facção têxtil em Parelhas

A remuneração de R$ 934,00 (correspondente ao piso da categoria no estado) supre as carências mais básicas da família da jovem costureira. Acrescido com os vencimentos variáveis do marido, que depende de encomendas para adquirir o seu ganha-pão, consegue viver dignamente com a maioria dos seus colegas. Sem luxo, mas com expectativa de dias melhores.

Pollyana, que é filha de costureira mas que jamais desejou seguir os passos da mãe, guarda consigo dois sonhos. O primeiro é conseguir estudar Psicologia, profissão cobiçada desde os tempos de colegial e indicada pelos amigos, a quem costuma emprestar ouvidos para suas lamentações. O segundo é vestir uma das peças que produz durante sua jornada de trabalho.

Ao longo de quase três anos de dedicação à costura, nunca pôde colocar no corpo uma das 70 vestimentas que consegue produzir a cada hora de trabalho. Isso porque as peças feitas na confecção que trabalha são levadas diretamente para a Guararapes e espalhadas pelas inúmeras lojas Riachuelo instaladas pelas cinco regiões do Brasil e também no exterior. Nenhuma peça fica em Parelhas, que embora seja um dos polos têxteis do estado “tem poucas boas lojas de roupa”, conforme relata Pollyana.

“Às vezes faço uma jardineira (macacão) ou saia que acho tão bonita. Gostaria de poder usá-la, porque acho que ficaria bonita no meu corpo. Mas como as roupas não ficam aqui, nunca pude comprar uma. Quando estava de férias, fui a uma loja da Riachuelo em Natal, mas não encontrei nenhum modelo que produzi. Acho que eles vendem rápido”, lamenta a costureira.

Pollyana Almeida de Sousa também não sabe quanto custa, em média, as peças que produz. Mas espera que os clientes da Riachuelo estejam satisfeitos com os cortes adquiridos. “São roupas bonitas e feitas com muito carinho”, conclui.

*O repórter viajou ao Seridó a convite da Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte


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