Êste texto contém a experiência do editor,que é consultor em branding, nos vários aspectos do marketing da moda,com os seguintes tópicos:
1) A era do balcão da loja.
2) Decifrando a Comunicação de Moda
3) Jornalismo e Publicidade de Moda
4) O aparecimento dos Grupos de Moda
5) A era do "franchising"
6) As Feiras de Moda:segmentação e regionalismo
7) A Pronta Entrega -Brás e Bom Retiro
8) A crise das tecelagens e a Concorrência da China
9) As Semanas de Moda no Brasil
10) As Faculdades de Moda e a Era Fashion
11) A entrada das marcas estrangeiras no Brasil
12) A chegada dos fundos de investimentos:compra e venda de marcas de moda.
13) A popularização da moda no Brasil
14) A internet e o novo Posicionamento das Marcas de Moda.
1) A ERA DO BALCÃO DE LOJA
Nos idos de 1960 montei uma boutique em São Paulo.Ficava na rua Pamplona,onde comecei a tomar contacto com o comércio dos Jardins.Atendia uma clientela sofisticada,numa época que as boutiques da rua Augusta eram o sonho de consumo das mulheres de São Paulo.Comecei com peças em consignação,oferecidas por uma cliente que tinha um atacado na rua José Paulino.Animado com o sucesso das vendas comecei a comprar peças das confecções mais famosas da época,a Cori,a a Pull Sport,a Lastri,o Atelier Parisiense,a Rurita...Mas percebendo que as clientes queriam algo diferente,contratei uma costureira e comecei a "inventar moda"...
Meio escondido e na minha santa ignorância,revirando os tecidos das lojas na rua Direita,ficava encantado com as organzas de algodão lisas e estampadas,nas Pernambucanas.E também os cetins de algodão que faziam "composée" no cetim e no voal,tudo em puro algodão do maior bom gôsto........tecidos que a Bangu exportava para mercados exigentes da Europa e Estados Unidos e que valorizavam o 100% algodão...Nos meus vinte e tantos anos,morria de medo que as clientes descobrissem de onde vinham os tecidos.....
Mas elas não descobriram e se sabiam não se importavam.Preferiam minhas criações exclusivas,do que aquela imensidão de calças de tweed iguais,penduradas nas araras....
Como a loja era bonita,o bom ponto comercial,comecei a ser procurado pelas confecções cariocas,que vinham a São Paulo vender em pronta-entrega.Fenômeno que se espalhou na João Cachoeira,com Gledson e seus imitadores,que vendiam nos anos 60/70,aqueles jeans,camisetas que traziam um frescor para a loja atulhada de moda clássica que a clientela não queria mais.Comecei a ser visitado também pela "Vila da Tabapuã",marcas como Alcides,T.Macchione e outras....que também vendiam em pronta-entrega o quente da estação. Comecei a comprar peças da G (Glória Coelho) que juntamente com Zoomp,traziam peças em sacolas.....Era o tempo das "sacoleiras dos Jardins"........
Entre uma cliente e outra,ficava intrigado com uma publicação da Editora Abril que era distribúido gratuitamente na loja: O Noticiário da Moda.As informações do Noticiário não batiam com aquilo que eu percebia no balcão.Os clientes dos anos 70 queriam jeans,camisetas e um certo glamour da modinha "made in Rio" e claro,as minhas roupas exclusivas.
2) DECIFRANDO A COMUNICAÇÃO DE MODA
Resolvi entender de Jornalismo de Moda.Fiz vestibular na FAAP em 1970 para o Curso de Comunicações,me formando em 1974,quando o micróbio do jornalismo me pegou.Consegui uma entrevista com Tomás Souto Corrêa na Editora Abril,que acolheu minhas críticas sôbre o Noticiário da Moda.Fui admitido como redator e produtor de moda e comecei a visitar as empresas de confeçcão em São Paulo e no Rio,coletando peças para os editoriais da revista.
Havia um "Comitê de Moda",que selecionava peças a serem publicadas nos editoriais.Quem tinha grande influência no Comitê era Fernando de Barros,que se identificava com as confecções clássicas masculinas:Vila Romana,Camelo,Tricolã,Samira entre outras.Os jeans da João Cachoeira não eram bem-vindos.......Lembro bem,quando trouxe para a seleção do Comitê uns macacões da Ellus,que destoavam totalmente da visão clássica de Fernando de Barros....Eram "roupinha de criança",dizia Fernando....
De tanto insistir e mostrar para a redação a importância do novo segmento de Moda Jovem,consegui romper a barreira da redação e publicar as primeiras marcas de jeans no Noticiário da Moda.
Da Editora Abril fui fazer reportagens de moda no Jornal da Tarde,naquela época um jornal de ponta,que abria imensas fotos de capa para a moda ...Reportei o novo segmento de moda jovem no JT e o aparecimento dos novos centros de compra de atacado e o aparecimento dos Shoppings Centers em São Paulo.
Na época,Luís Carta estava editando há pouco tempo a Revista Vogue no Brasil e fui convidado a editar a Moda Masculina de Vogue.Nos anos contestadores de 70,me apaixonei pela visão de vanguarda da Revista Interview.Fiquei com Cláudio Schleder,alguns anos produzindo e escrevendo sôbre moda em Interview...
3) JORNALISMO E PUBLICIDADE DE MODA
De tanto me identificar com o novo segmento de mercado que surgia,me associei com dois companheiros da Editora Abril e abrimos uma agência de propaganda e marketing,que tinha o objetivo de posicionar as novas marcas,acompanhar a introdução nos editorais de moda,pesquisar a moda nos grandes centros da Europa e criar campanhas .A agência cuidava do marketing de pequenas e médias empresas que surgiam.Fui fazer pós graduação na Escola de Propaganda e Marketing para melhor fazer o gerenciamento das marcas.
Faziamos marketing sem grandes verbas de publicidade.O segredo estava na pesquisa de mercado nos centros lançadores internacionais,um acompanhamento na criação e posicionamento da marca,uma assistência "côrpo-a-côrpo",junto às feiras de moda,criação de campanhas rápidas e eficientes,com anúncios e excelente material de ponto de venda e um trabalho constante de assessoria de imprensa.Nossa presença junto às redações e às produtoras de moda,garantiam espaço gratuíto nos editorais das revistas.
Dentre essas empresas,Czarina(sapatos),Triton e Iódice (malharia jovem na época),Tobi e Zemar (moda infantil),Flyper (moda banho infantil),Dollo (tecidos),Alcatex(malharia popular) e muitas outras.....
4) A ERA DO "FRANCHISING"
Os empresários que perceram a importância da loja própria,partiram para o "franchising" ou a abertura de lojas e graças a isso sobreviveram à crise dos fins dos anos 80 e começo dos anos 90.Empresas como "Czarina" lider no seu segmento na área de calçados sofisticados sofreu a competição de marcas de segunda linha e encerrou atividades. AS lojas multi-marcas literalmente "espremeram" seus fornecedores em busca de preço.Resultado:muitas marcas não conseguiram sobreviver,mesmo com a fôrça da marca.
Sobreviveram marcas com pontos de venda próprios,como Ellus,Triton, Iódice,Hering,Cori,que começaram a vender diretamente ao consumidor...
5) O APARECIMENTO DOS GRUPOS DE MODA
O Grupo Moda Rio inaugurou a era dos estilistas e tinha a plataforma de criar um "look Brasil";depois apareceram o Grupo de Moda Mineira e o Grupo de Moda de São Paulo.Interagi intensamente com os estilistas do Grupo Moda Rio,mas logo percebi que a ânsia de criação e promoção era muito maior do que a capacidade de gerenciamento as empresas.Pràticamente todas as marcas do Grupo Moda Rio sucumbiram pela falta de gestão empresarial nos anos 80.
Em São Paulo,alguns inteligentes empresários,percebendo a importância promocional desses grupos se uniram e se misturaram aos estilistas.O Grupo de São Paulo reuniu verdadeiros estilistas como Décio Xavier,Alba Noschese e outros.Estes grupos dariam posteriormente origem à era dos desfiles,quando o centro do "fashion marketing" se deslocou para as passarelas e as celebridades.....
AS FEIRAS DE MODA SE SEGMENTAM E REGIONALIZAM
Com a morte de Caio de Alcântara Machado e o fim da Fenit,as feiras brasileiras se segmentam e se regionalizam.A Fenit,com a habilidade comercial de Caio,congregava em São Paulo,as marcas mais significativas do mercado textil,de norte a sul e conseguia trazer compradores duas vezes por ano,que vinham a São Paulo para checar e comprar tecidos e confecções.Até o segmento de cama,mesa e banho comparecia à Fenit,que polarizava o mercado textil.
Depois da Fenit cresceram feiras de norte ao sul do país,atendendo mercados locais e expectativas de clima e gôsto regionais.Rio de Janeiro,Ceará,Belo Horizonte,Gramado,Blumenau,Maringá,Vitória,todas essas cidades se transformaram em polos de venda e distribuição de moda.Com o crescimento das lojas de frinchising e lojas de marca própria,as feiras afastaram marcas que não têm interesse nas lojas multi-marcas e houve uma diminuição de visitação de compradores nas feiras de moda.Marcas com imagem forte no mercado começam a atender seus clientes em show-rooms e sairam das feiras.
Mesmo em São Paulo,as feiras se dividiram:Moda Brasil,São Paulo Prêt-a-Porter,Encontro de Moda,Fit(infanto juvenil),cada uma segmentada por tipo de produtos.Entretanto,nenhuma delas conseguiu congregar uma elite de marcas significativas,que devolvesse a São Paulo a importância como polo de comercialização em nível nacional. São exceções: a Couromoda e a Francal,no segmento calçados e acessórios,que trazem um resumo desse mercado para São Paulo.
7) A PRONTA ENTREGA: BRÁS E BOM RETIRO
Embora as lojas do Brás e Bom Retiro sempre vendessem roupas prontas e atendessem o atacado de todo o Brasil,o sistema de Pronta-Entrega entrou na moda em fins de 70/80 no Itaim,iniciando com Gledson,Ellus,Triton e outras,que descobriram que os compradores na época das feiras,despencavam em São Paulo e depois voltavam,querendo coleções " saídas do fôrno",fugindo dos lançamentos tradicionais de inverno,verão e alto-verão,que caracterizavam a época das feiras.
A Pronta-Entrega foi um sistema que vingou em São Paulo e no Rio (quem não se lembra das confecções da Rua Santa Clara.....).O Brás e o Bom Retiro modificaram totalmente a estrutura e a imagem de suas lojas,para atender a pronta-entrega de moda de todo o Brasil e começaram a invadir as feiras de moda com stands gigantes,mostrando a fôrça do segmento de moda popular.
Hoje em dia as lojas do Bom Retiro tem vitrines modernas e roupas de moda em cima das últimas tendências e o Mega Polo do Brás promove desfiles com celebridades das novelas,para atrair compradores e promover a imagem de suas lojas,que são conhecidas em todo o Brasil e além de outros países da América do Sul.O sistema foi adaptado também em Fortaleza que também tem seu atacado de moda,num Mart de Moda local e que sucedeu a antiga Feira de Moda de Fortaleza(FMF).
Os produtos populares do Brás e Bom Retiro conseguem preços competitivos e muitas empresas passam a produzir na China,que se transforma pouco a pouco no grande parque industrial do Brasil.
8) A CONCORRÊCIA DA CHINA-
Com a concorrência da China,uma grande reviravolta no mercado textil.Muitas tecelagens nacionais encerram atividades em função dos chineses.As tecelagens chinesas,mesmo ficando fora das feiras brasileiras,por uma espécie de "proteção" das associações de classe e dos gestores de feiras,conseguem vender no Brasil,através dos escritórios de importação.Os tecidos chineses são mais baratos e,mesmo,com as taxas de importação,são competitivos no mercado.Em razão disso,os nossos tecidos mais sofisticados práticamente desaparecem no Brasil.O fato novo é a entrada das tecelagens da Itália,França,Ìndia,Turquia,trazendo sedas,rendas e tecidos finos, reunidas agora em São Paulo na "Première Brasil",que promete uma seleção criteriosa de expositores,para prevenir a concorrência predatória do oriente....
Nas confecções,também a concorrência da China se faz sentir.Os produtos téxteis chineses abarrotam os centros de atacado de São Paulo.Mesmo com todas as medidas do governo brasileiro,muitas confecções populares ou não,estão produzindo na China.Equipes de profissionais do ramo textil são deslocados para supervisionar a produção de roupas na China.
9) AS SEMANAS DE MODA NO BRASIL
As Semanas de Moda no Brasil introduzem uma nova forma de divulgação de marcas.Elas mesclam nos desfiles,empresas com estrutura organizada e introduzem estilistas sem estrutura comercial e industrial.È uma grande fôrça de divulgação alavancando marcas nem tanto criativas e outras que desfilam mas não existem no ponto de venda e nem tem capacidade de produção.Costureiros e estilistas de grande consumo se confundem.Nesse novo mix promocional,marcas de produtos e serviços de grande consumo e apelo popular se juntam aos nomes incensados pela mídia,para conseguir promoção.Parcerias e patrocínios são as ferramentas do novo marketing dos desfiles.
As celebridades e os "ícones da primeira fila" são os novos desejos do mundo fashion......
10) AS FACULDADES DE MODA
No início dos anos 90 fui convidado a lecionar um Curso de "Introdução à Moda" em uma das novas Faculdades que surgiram.Tentei passar para os alunos a minha experiência do marketing a partir do "balcão",incentivando os alunos a colocar a mão na massa,isto é,trabalhar diretamente nas lojas ,ou nas confecções,para aliar a teoria com a prática da indústria da moda.
Com a proliferação das Faculdades,o mercado foi invadido por profissionais de formação acadêmica,estilistas de passarela,mas sem a menor prática ou vocação para a moda como um negócio.A moda "conceitual" invadiu o mundo fashion....Mesmo com a abertura de cursos de Negócios da Moda,os alunos saem com uma visão bastante distorcida do mercado e do funcionamento das diferentes fases da cadeia textil.
11) A ENTRADA DA MARCAS ESTRANGEIRAS NO BRASIL
Com a crise econômica no primeiro mundo,as marcas estrangeiras se interessam fortemente pelo mercado brasileiro e começam a se estabelecer no Brasil.Elas chegam com um marketing organizado,montam cadeias de lojas e tentam romper a barreira dos impostos para importação.Há uma nova dinâmica na concorrência:por um lado as marcas brasileiras,que já conhecem o mercado e estão estabelecidas .Do outro,as marcas com experiência internacional como Zara,Dior,Gucci,Prada ,vão disputar o novo consumidor emergente brasileiro,que é sedento de status...
12) A CHEGADA DOS "FUNDOS DE INVESTIMENTO": compra e venda de marcas
Seguindo a tendência que já vem acontecendo há uns quinze anos no primeiro mundo,as marcas de moda são vendidas para fundos de investimento,que se encarregam da gestão das marcas.No Brasil aparecem várias empresários e fundos de investimento,que aproveitando as dificuldades do mercado,compram,fazem crescer e vendem as marcas.
A Daslu é um dos exemplos:foi comprada pela Laep Brasil,com a finalidade de sanar os problemas financeiros e abrir várias lojas em território brasileiro. A In Brands é outro exemplo,grupo do qual participam Ellus,Mandi,VR,Bobstore.A Restoque faz a gestão da Le Lis Blanc e lança a sua linha masculina Noir,Le Lis,para abrir lojas em todo o Brasil.A Valdac,já gestora da Crawford e Siberian compra 25% da Arezzo com a finalidade de fortalecimento das marcas.A I'M junta Fause Haten Herchovitch Jeans,Club Chocolate e Cumplice,com mesmos objetivos.....
A moda como "business" é o lema dos Fundos de Investimento; o fundo obtém lucro e o estilista/empresário obtém capital ,que sozinho não conseguiria......A chegada dos Fundos de Investimento no setor de Moda é uma nova revolução no mercado ,que busca consolidar e internacionalizar as marcas de moda.
13) A POPULARIZAÇÃO DA MODA NO BRASIL
Com a implantação das lojas em cadeia e a entrada das "big stores" nos shoppings brasileiros,o mercado se populariza e a moda deixa de ser privilégio das elites.C&A,Riachuelo,Marisa,Renner,fazem grandes campanhas de moda,apresentam desfiles com tôdas as tendências ,contratam celebridades como Gisele Bundchen para divulgar suas marcas,além de convidar estilistas conhecidos como Glória Coelho e outros para lançar coleções paralelas e democráticas em suas lojas.
Das vitrines da Oscar Freire às vitrines das lojas dos Shopping..........A moda passa a ser.... incrivelmente iguel.
14 ) A INTERNET E AS NOVAS MARCAS
As lojas virtuais,o sites autorais e os blogs facilitam a introdução de marcas novas na moda e podem furar o bloqueio da rede tradicional de distribuição.Hoje em dia,o novo balcão é virtual.As novas marcas se expõem e se comunicam na Internet,dando oportunidade ao nascimento de novas idéias de moda e de produtos.O ponto comercial,a vitrine de rua perde um pouco a importância,em função da nova gama de produtos e serviços ofertados pela Internet.Até o sigilo no lançamento das coleções é ultrapassado,em função da rapidez que a Internet entra na casa dos novos consumidores.
As mídias sociais se transformaram no novo canal de comunicação,substituindo veículos tradicionais,como a mídia impressa,que pouco a pouco perde valor de comunicação.Nesse momento assistimos ao fechamento de muitas revistas e jornais ,engolidos pela rapidez da internet.
Está chegando a hora que as novas marcas serão : www.eu.com...............até crescerem ,se massificarem e serem geridas por entidades financeiras,nêste mercado em eterna renovação.......
Diaulas Novaes -O editor
Diaulas Novaes é consultor em marketing de moda,com formação em comunicações e pós-graduação em marketing,com atuação em diversas empresas em diferentes segmentos do mercado de moda,desde 1978.
https://www.omapadamoda.com.br/noticia/598
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