Em meio à troca de farpas com Jair Bolsonaro sobre a Amazônia, o presidente da França, Emmanuel Macron, recebeu no Palácio do Eliseu, na última segunda-feira, representantes de mais de 30 grupos, detentores de aproximadamente 150 marcas de moda, para lançar oficialmente o Fashion Pact, um pacto que visa a limitar o impacto do setor no clima, na biodiversidade e nos oceanos.
Entre os objetivos estão atingir zero emissão de gases de efeito estufa até 2050, restaurar os ecossistemas naturais e proteger as espécies, e reduzir o uso de plásticos descartáveis. Para a maioria dos signatários, que vão desde marcas de luxo como a Gucci e a Prada a fast-fashions como a Zara, entrar para a coalizão exigirá grandes mudanças e investimentos significativos. Além de apontarem fragilidades no texto, críticos rapidamente viram inconsistências do discurso, como o fato de grupos como a LVMH terem destinado muito mais dinheiro para a restauração da Notre Dame do que para a causa da Amazônia, que, após o recente “Dia do Fogo”, mobilizou artistas e políticos de todo o mundo, inclusive o presidente francês.
Para reduzir a emissão de gases, é preciso repensar os modelos de negócio
Ambientalistas também chamaram a atenção para a necessidade de se responsabilizar os signatários no caso de não cumprimento das promessas. A diretora educacional do Fashion Revolution Brasil, Eloisa Artuso, avalia que o pacto é um movimento setorial extremamente importante, embora as metas ainda estejam, de fato, no nível macro: “Uma nova e mais detalhada versão do texto deverá ser divulgada daqui a alguns meses. De qualquer forma, eles estão propondo que o relatório do progresso anual das companhias seja voluntário e não obrigatório. Tenho dúvidas com relação a isso. A falta de transparência nessa jornada não ajuda a avaliar os progressos e os desafios que podem ser encontrados no meio do caminho. A transparência é essencial para ajudar a garantir que as metas sejam cumpridas dentro dos prazos estabelecidos”.
Os prazos, aliás, são outro ponto sensível da proposta das empresas de moda para o G7. Eloisa lembra que um estudo da Fundação Ellen MacArthur revela que as emissões de gases causadores do efeito estufa pela indústria da moda poderiam aumentar dramaticamente em 60% até 2030 se as empresas continuarem produzindo na atual escala: “A meta de zero emissões de gases até 2050 é importante, mas não sei se resolve o problema. Talvez o prazo esteja longo demais para combater a crise climática. Essa medida é emergencial e precisa ser levada a sério. Para reduzir a emissão de gases, é preciso repensar os modelos de negócio”.
E aí as fast-fashions são os grandes alvos. Idealizadora do Rio Ethical Fashion, Yamê Reis enumera os problemas gerados desde o crescimento exponencial desse tipo de varejo no início deste milênio, como sucessivas coleções pressionando o consumo, roupas baratas feitas para o descarte, trabalho mal remunerado e em péssimas condições em países remotos, além de estoques excedentes incinerados… – práticas também comuns, convenhamos, na indústria do luxo. Yamê lembra que foi instaurada uma comissão no Parlamento inglês que reivindica o fim do sistema fast-fashion por meio da cobrança de taxas ambientais para as marcas que seguirem esse modelo: “Isso vem sendo discutido em muitos fóruns pelo mundo, inclusive no Brasil. O Fashion Pact é o resultado de anos de discussões e evolução de um setor que já entendeu que o modelo está falido e com sua curva descendente irreversível. As marcas já sabem que os que não mudarem seu modo de produzir e comercializar não sobreviverão. Cabe ao consumidor, cada vez mais, cobrar as ações de transformação”.
O Brasil pode e deve ser um dos líderes nessa regeneração da indústria têxtil
“Não podemos pensar em crescimento infinito, enquanto na verdade, vivemos em um planeta com recursos naturais finitos, como o petróleo, que é de onde sai o poliéster, a matéria-prima mais utilizada pela indústria da moda. O dia da sobrecarga na terra vem se antecipando a cada ano, mostrando que estamos administrando muito mal os recursos naturais que o planeta é capaz de regenerar”, completa Eloisa.
Na avaliação de Damylla Damiani, consultora de estilo da Damyller, a questão da redução do uso único do plástico é a mais fácil de ser alcançada: “Além de trabalhar a reciclagem como foco, precisamos substituir o plástico por outros materiais à base de algodão por conta das microfibras que vão parar no oceano”.
Outras metas demandam mais investimento tecnológico e podem demorar mais. Mesmo assim, para Yamê Reis, o Brasil pode e deve ser um dos líderes nessa regeneração da indústria têxtil: “Somos o quarto mercado produtor e consumidor de moda, além de termos uma biodiversidade riquíssima a ser explorada de forma sustentável, e que pode ser muito rentável ao país”.
Temos os desafios do pilar social e econômico, além do ambiental no que diz respeito à sustentabilidade
A urgência climática, em vez de frear a economia têxtil, pode ser um incentivo para quem souber se adaptar às novas demandas da sociedade. A produção do algodão agroecológico de estrutura familiar, produzido sem agrotóxicos, por exemplo, é um dos caminhos. Além dele, a indústria brasileira já vem apostando em processos que reduzem o consumo de água ao longo das cadeias e que façam o tratamento de substâncias químicas. Também por conta disso, Edmundo Lima, diretor-executivo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abvtex), acredita que as marcas nacionais já teriam condições de aderir ao Fashion Pact. Algumas signatárias do pacto, como Carrefour, PVH (Calvin Klein) e Inditex (Zara), inclusive, pertencem à associação.
“É um movimento que tende a chegar aqui apesar de termos algumas especificidades e uma agenda bastante particular. Temos os desafios do pilar social e econômico, além do ambiental no que diz respeito à sustentabilidade. No social, há uma preocupação das empresas em garantir que suas cadeias produtivas ofereçam condições de trabalho e segurança para o trabalhador”, diz ele, ressaltando que a Abvtex vem fazendo uma transformação no mercado com relação a boas ... na gestão de pessoas.
Essa iniciativa (do Comitê da Moda) foi tratada como uma política de governo e não de Estado e, como tal, foi dizimada quando os mandatários foram trocados
Diretora do Instituto-e, Nina Braga também defende que a conjuntura brasileira de extrema desigualdade social exige que, no contexto nacional, a dimensão social da atividade da moda seja contemplada numa agenda de prioridades, com a inclusão de grupos comunitários como celeiros de mão de obra para as empresas: “A responsabilidade social não pode mais ser um departamento secundário nas empresas e deve ser transversal a todas as decisões e práticas”.
Apesar dos esforços da Abvtex ou de uma ou outra iniciativa pontual em fóruns regionais, ainda falta uma coalização nacional para que um acordo como o Fashion Pact seja implementado por aqui. “Já houve algumas tentativas, mas não nesta administração que, inclusive, extinguiu o Ministério da Cultura. O órgão abrigava o Comitê da Moda, que reuniu alguns dos expoentes do setor para, precisamente, traçar um plano nacional. Infelizmente essa iniciativa foi tratada como uma política de governo e não de Estado e, como tal, foi dizimada quando os mandatários foram trocados”, lembra Nina.
A formação de uma coalizão nacional que envolva o governo e a iniciativa privada também é vista como necessária por Fernando Sigal, sócio-diretor do Grupo Reserva: “Isso daria muito força para as mudanças. O Brasil é muito grande, e existem marcas regionais gigantes. Essa ponte geraria uma pressão enorme na indústria de insumos e faria com que a cadeia inteira fosse revista”, diz ele, ressaltando ainda a importância do investimento em pesquisas e a adoção de parcerias, como a feita pelo Grupo Reserva com o Senai Cetiqt para o financiamento de projetos de startups brasileiras que estejam trabalhando na criação e na produção de fibras mais sustentáveis.
A mudança, para Leana Braga, gerente de Moda do Senac RJ, precisa começar já na formação dos futuros profissionais da moda. Segundo ela, alguns cursos já promoveram alterações no currículo de forma a colocar a sustentabilidade como marca formativa do processo de aprendizagem: “Esse é um dos caminhos para conseguirmos pensar e criar novos formatos dentro do processo produtivo. Ser sustentável na moda hoje deixou de ser uma opção para ser uma necessidade. Por isso, vejo com bons olhos iniciativas como o Fashion Pact, que fortalecem esse movimento dentro da indústria”.
Para Nina Braga, o movimento também tem seus méritos pelo seu papel inclusivo e por, assim como o ASAP (as sustanaible as possible| as soon as possible) da Osklen, aceitar a adoção de práticas que podem ser gradualmente implementadas: “Achamos importante convidar para o diálogo e ‘arrancar’ , no bom sentido, compromisso com os big players da indústria da moda. E por isso se torna eficaz já que amplia esta discussão e adesão para fóruns mais amplos”.
Polêmicas à parte, os esforços conjuntos das gigantes da moda devem resultar em mudanças mais rápidas e impactantes nos próximos anos, embora seja, de fato, difícil pensarmos em 2050 enquanto os incêndios continuam devastando a Amazônia.
https://projetocolabora.com.br/ods12/pode-a-moda-ser-amiga-do-meio-...
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Muito mais importante para toda a cadeia textil é a iniciativa ZDHC, que já existe desde 2017!. Vide: https://www.roadmaptozero.com/
Naturalmente, qualquer iniciativa de sustentabilidade e segurança química é bem vinda, mas tem que ter processos de certificação com padrões definidos, como no caso do ZDHC!
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