Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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"Fazer moda no Brasil é Fø#@": Isabela Capeto abre o jogo sobre carreira e vida

Ela foi telefonista do Faustão, chefe de uma fábrica em Bangu e uma das grandes estilistas de sua geração. Depois de cometer o que considera o maior erro de sua vida – vender o nome para um conglomerado, brigar com os sócios e adquirir uma dívida milionária –, Isabela Capeto anuncia um recomeço com nova loja própria no Rio. Nesta entrevista, além dos detalhes da derrocada e da retomada da marca, fala sobre o fim do casamento de 21 anos, a morte de sua primeira filha com um mês de vida, e explica as dificuldades do mercado fashion no país.

Isabela Capeto (Foto: Daryan Dornelles)

"Sou macumbeira. Se vocês forem usar meu nome de uma maneira boa, tudo bem. Se não, vou fazer um trabalho bem violento.” Foi com essa frase que a estilista Isabela Capeto, hoje com 47 anos, encerrou uma dura reu­nião de negócios em 2011. Na época, disputava judicialmente sua marca com ex-sócios – e desafetos que ela fez questão de tornar públicos –, diretores de um conglomerado para quem tinha vendido a marca dois anos antes. A frase, dita impulsivamente, era, claro, um blefe. “Mas na sequência todos os copos se quebraram. Foi lindo. E botou medinho”, disse Isabela às gargalhadas, em seu apartamento na praia do Flamengo com vista para a Baía de Guanabara, entre tragos de cigarro artesanal e café.

Esse mesmo humor e irreverência que guiaram nossa conversa são a alma das criações de Isabela, que começou a própria marca no início dos anos 2000. A mistura de estampas, cores e bordados logo chamou a atenção das fashionistas cariocas e paulistanas e, mais tarde, francesas, inglesas, japonesas e australianas. No auge do negócio, Isabela geriu 70 funcionários e exportou para 49 países. Fez showroom durante a Semana de Moda de Paris, desfilou no Japão. A virada aconteceu, ela diz, quando vendeu metade da marca para a Inbrands (o conglomerado que hoje reúne marcas como Ellus, Richards e Salinas). “Os investidores não tinham nada a ver comigo.” Fechou lojas, demitiu quase todos os funcionários. Com a derrocada dos negócios, mudou seu ateliê para o subúrbio carioca. “Saí de uma casa deslumbrante, espetacular, no Humaitá, e fui para um galpão em Olaria. Tinha um CV [sigla do Comando Vermelho] enorme grafitado na parede”, diz. Aos poucos, foi fazendo licenciamentos e se capitalizando. Em 2011, recomprou seu nome, retomou o comando da marca e, há dois meses, abriu novamente uma loja própria no Leblon. Filha de um economista e de uma comerciante, foi criada na Zona Sul do Rio e estudou em colégios tradicionais. “Era péssima aluna, pulava o muro da escola, repeti de ano, mentia, falsificava a caderneta.” Acabou em um supletivo. Da mãe, Thereza Christina Wachholz, herdou a habilidade manual. Do pai, Rubens Mario Alberto Wachholz, o interesse pelos negócios. Aos 16 anos, começou a trabalhar. Estudou na Accademia di Moda, em Florença, onde viveu por três anos e meio. De volta ao Brasil, trabalhou em fábricas de tecido cariocas – uma delas em Bangu –, até que foi estagiar na extinta Maria Bonita, de onde saiu para fundar a própria marca.

Sempre tirando sarro de si própria, Isabela diz que nunca ficou deprimida, nem nos momentos mais duros da carreira. Isso porque, acredita, nenhum problema se compara à perda de sua primeira filha, Maria João, que ficou internada na UTI e morreu com um mês de vida. “Quando tudo está duro, sei que ela está comigo e me ajuda”, diz. No ano seguinte, Isabela teve outra filha, a Chica, hoje com 18 anos, que, seguindo os passos da mãe, estuda moda. Em 2015, Isabela se separou do empresário Werner Capeto, com quem viveu durante 21 anos, e agora namora um amigo de longa data, o cineasta Arthur Fontes. A seguir, a conversa franca com a estilista de língua mais afiada do Brasil.

Isabela Capeto nos anos 90 (Foto: Arquivo pessoal)

MARIE CLAIRE - Depois de anos sem loja, você acabou de abrir um ponto no Leblon. É uma retomada?
ISABELA CAPETO - É uma reconstrução. Depois que fechei as lojas antigas do Rio e de São Paulo, fiquei um tempo em um pequeno ateliê no Horto [bairro da Zona Sul do Rio], em uma rua que adorava, mas quase todas as clientes me abandonaram. Quando chegavam lá, diziam para a moça que me ajudava: “Nossa, coitada da Isabela, aqui no meio dessa favela”. Comecei a ir atrás delas, fazer venda em São Paulo, Brasília, Salvador, parecia uma cigana carregando malas. Foi ficando muito cansativo e por isso abri a loja. A inauguração foi um sucesso, bombamos de vender. Foi emocionante.

MC - Vender seu nome, no fim, não foi um bom negócio. O que a levou a tomar essa decisão?
IC - No auge da Isabela Capeto, tinha 70 funcionários, exportava para 49 países. Era tudo confuso, mas funcionava. Eu tinha um caderno e o canhoto do cheque onde anotava as despesas. Diziam que vender seria bom para organizar minha vida. Estava todo mundo vendendo, o Alexandre [Herch­covitch], fulano, ciclano. Um dia apareceram uns homens de camisa rosa no meu escritório e falaram que estavam fazendo uma coisa maravilhosa. Já tinham a Ellus, a Richards, e eu seria a cereja do bolo. Expliquei que meu plano era abrir uma loja no exterior e eles disseram que ajudariam. Eu cederia a administração e continuaria com o estilo. Semanas depois, em Tóquio para um desfile, meu ex-marido ligou para falar que a sociedade seria 50%-50%. Achava que seria um ótimo negócio. Assinei.

MC - Você deve ter levado uma boa grana nisso... Quanto?
IC - Ah, não lembro. Levei, mas não ganhei todo o dinheiro. Foi um adiantamento e depois precisei colocar tudo de volta no negócio. Daí em diante foi uma merda.

MC - Por quê?
IC - Primeiro porque eles queriam vender Isabela Capeto para um público que não era o meu, no Brasil inteiro. Queriam produzir na China, na Índia, que tem um tipo de bordado completamente diferente do brasileiro. Tinha discussões homéricas por causa disso, minha marca sempre foi 100% nacional. Comecei a suspeitar que aquilo não daria certo quando [um estilista famoso], no meio das costureiras, me disse: “Não vai falar que você gosta do Zeca Pagodinho? Por favor! Tenho horror a pobre!”. Era uma gente muito diferente de mim.

MC - Quando teve certeza de que o negócio tinha sido um erro?
IC - Dois anos depois. Eles queriam aumentar a venda no atacado, por exemplo, e me fizeram comprar uma quantidade de tecido absurda. Diziam que eu precisava de uma loja maior. Abri. Que precisava de outra no Iguatemi [em São Paulo], abri. Eles queriam fazer um IPO e abrir lojas, mas estava vendo que a coisa não ia bem. Comecei a ficar desesperada para fechá-las.

MC - A sociedade era meio a meio mas, ao que parece, eles tomaram mais as decisões. Por quê?
IC - Mulher tem essa dificuldade de se impor, de acreditar em si. Eles eram do mercado financeiro, imagina? [irônica]. Eles tinham bilhão... Eu achava que eram uns gênios.

MC - Como desfez a sociedade?
IC - Uma hora falei que não queria mais. Fui lá e falei: “Cara, está uma merda, vamos nos separar”. A essa altura, a gente já tinha dívidas fiscais, que deviam ser de R$ 1 milhão, falei que as assumiria e que me deixassem em paz. Nunca vou esquecer. O cara deu uma gargalhada e falou: “Isabela, volte aqui com uma ideia mais out of the blue [inesperada]. Você vai ter que comprar seu nome de volta”. E a quantia que pediam era nada para eles, mas uma fortuna para mim: R$ 5 milhões mais as dívidas fiscais. Entrei com advogados e fui tendo reu­niões semanais. Até que teve um dia que foi uma loucura.

MC - O que aconteceu?
IC - Era uma reunião gigante, com o Werner, meu ex-marido, meu pai, os advogados, eu já estava exausta de tudo aquilo, desesperada, e falei: “Vocês estão cobrando uma fortuna pelo meu nome e sabem que não posso pagar. O que pretendem fazer com ele? Quero saber disso muito seriamente porque sou macumbeira forte”. Nisso meu pai e o Werner me olharam. “Se forem usar de maneira boa tudo bem, mas, se não, vou fazer um trabalho violento para vocês” [risos].

MC - Era verdade?
IC - Mentira. A ideia veio na hora. Só sei que, quando terminei a frase, os copos se quebraram. Juro por Deus. Foi lindo, cena de filme. O meu advogado, seriíssimo, ficou me olhando. Meu pai: “O que é isso, Isabela?”. Respondi: “É gente, tem muitas coisas que vocês não sabem sobre mim”. Sabia que o advogado deles ia se casar, e já emendei uns medos: “Como estão os planos do casamento? Tudo certo?”. Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay, né? Bom, no início queriam que eu pagasse R$ 5 milhões pelo meu nome, depois cobraram R$ 1,5 milhão mais a dívida fiscal que era de não sei quanto milhão, mais não sei quanto de licenciamento por não sei quantos anos. Não aguentava mais e aceitei. Nem lembro quanto foi ao todo.

MC - Agora você está no azul?
IC - Claro que não [risos]. Sou o tipo de pessoa que vive no vermelho. Mas hoje tenho apenas dívidas fiscais. Não devo nada para eles. Em 2015, estava na Rua da Âlfandega [no Centro do Rio] comprando miçangas quando o Michel Cardoso, que trabalha comigo, ligou: “Acabamos de pagar nossa dívida”. Aquilo foi tudo, um alívio enorme.

MC - Todos os estilistas reclamam que é difícil fazer moda no Brasil. Você concorda?
IC - Sim. É foda. A mão de obra é cara e despreparada, não tem tecnologia. E todo mundo gosta do que vem de fora. O Brasil é tão criativo. Não só na moda: na comida, na arte. Tenho orgulho de ser brasileira e ainda mais de ser carioca.

MC - Você dá a entender que agiu influenciada pelos outros, mas no fim as decisões foram suas também...
IC - Não colocaram uma arma na minha cabeça, também acreditava naquilo no começo. Mas tive dificuldade de me impor diante do meu ex-marido – no último minuto, não queria vender a marca. Quando falei em desistir, ele disse que eu estava viajando. E isso acabou prejudicando a relação.

MC - Você o culpa pelo que aconteceu?
IC - Com certeza, totalmente.

MC - Foi por isso que se separaram?
IC - Foi um dos motivos, mas não o principal. Fiquei casada 21 anos, foi ótimo, tivemos uma filha maravilhosa, a Francisca. Viajava muito, três vezes por ano, e ele ficava com ela. Ele foi meu parceiro, fizemos a Capeto juntos. Mas uma hora chegou ao fim. Teve um dia, em um jantar na casa de uma amiga, que um cara começou a dizer que eu era bonita, elogiar meu sapato. Aquilo mexeu comigo e me fez despertar para o fato de que não estava mais a fim de ficar casada. A vida toda trabalhei muito, nunca olhei pro lado. Cheguei em casa e falei que queria me separar. Ficamos um ano tentando, fazendo terapia, mas a verdade é que queria mudar minha vida.

MC - O sobrenome Capeto é do seu ex-marido. Temeu perder o nome pela segunda vez?
IC - Não. No mesmo momento, ele falou para ficar com meu nome. Mas, sabe, gostei de me separar. Existem pessoas que ficam mal, eu não. Comecei uma nova vida. Namorei um, depois outro. Foi legal. Há seis meses, namoro um amigo de longa data, o Arthur Fontes, ele é ótimo.

MC Qual foi o momento mais difícil da sua vida?
IC - A perda da minha primeira filha, Maria João. Eu tinha 28 anos e a gravidez foi excelente. Fiz quartinho, estava superanimada e escolhi esse nome, que acho lindo. Ela nasceu de parto normal, Apgar 9, tudo ótimo, e aí veio o susto. O sangue dela não estava coagulando. Foi para a UTI e fiquei desesperada. Descobriram que era parvovirose, um vírus perigosíssimo para grávidas. E UTI Neonatal é uma coisa tristíssima, via os filhos das outras mães morrerem. Os gritos. Fiquei muito impressionada. Fiz tudo o que você pode imaginar para que ela melhorasse: comi não sei o quê, usava sapato de madeira para levar boas energias. Ela passou por uma cirurgia, tão pequeninha. Até que um dia o pediatra ligou e disse para ir ao hospital. Foi tão impressionante. Ela era gordinha, meio ruivinha, uma graça. Quando entrei na UTI, ela faleceu. Na minha frente. A gente fez um enterro, em um caixão branco, no [cemitério] São João Batista...

MC - E como você ficou depois?
IC - Tinha duas escolhas: ficar muito mal ou tentar tirar o melhor daquilo. Passei a ir à praia todos os dias, tomava sol e mentalmente dedicava tudo a ela. Comecei a desenhar uns manequins compridos, que vendia em uma galeria no Leblon. Tentava ocupar o tempo. Também vivia com uma garrafa de água gigante em que pingava [o floral] rescue – foi a única época da vida em que bebi água, tenho problema de cistite. Fiz terapia e uma longa viagem com o Werner. E fui trabalhando aquilo na minha cabeça. Na verdade, é um trauma que ainda carrego. Quando está tudo muito certo na minha vida, fico com medo. Minha marca, por exemplo: comecei a loja com R$ 5 mil. Quando estava bombando, vendi. Por que fiz essa cagada? Por que não continuei sozinha?

MC - Seus amigos mais próximos dizem que essa é uma característica sua, que não consegue ficar sozinha. É verdade?
IC - Não gosto mesmo, tenho a maior dificuldade. Quando acabei meu casamento, comecei a namorar um, depois outro. Agora, quando dou conta de fazer tudo sozinha, resolver minhas coisas, me sinto mais forte. É a melhor droga.

MC - Você já usou algum tipo de droga?
IC - Maconha e ácido.

MC - É a favor da legalização da maconha e do aborto?
IC - Sou.

MC Como vê a situação política do Brasil?
IC Nossa, não sei nada. Tenho um mundo muito meu. Sei o mínimo e não me envolvo com política. Não sou uma pessoa que pode falar sobre isso.

MC - Se somos fruto das experiência que tivemos, o que foi fundamental para formar a Isabela que está aqui hoje?
IC - Da minha mãe, herdei o gosto pelo artesanal e a importância de reaproveitar as coisas. E meu pai sempre enfatizou a importância do trabalho. Era louca por umas camisetas da Company na adolescência, que custavam um absurdo, e comecei a fazer bombons para vender no colégio e poder comprá-las. Até que uma amiga falou que tinha um emprego maravilho pra gente: ser telefonista do Faustão. Topei na hora. A gente ganhava uma maçã, um Polenghinho, uma bolacha e uns trocados, mas amava porque era a grana do fim de semana. Foi meu primeiro “emprego”.

MC - Qual é o seu maior medo?
IC - Morrer. Tenho muita coisa pra fazer na vida. Sou uma pessoa que acorda feliz. Amo quando viajo e chego a um aeroporto que não tem finger [os túneis de desembarque do avião], tento ir andando na pista de olhos fechados, sentindo o vento no rosto. Quando viajo sozinha, compro um Doritos, uma Coca-cola e faço as minhas coisas. É uma felicidade. Adoro a independência. Sou aquariana, né?

O mais recente desfile de Isabela Capeto, com a coleção 2017, na SPFW (Foto: Getty Images)

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Bela historia de  vida, triunfo   de uma bela reportagem. 

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