Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

“Fui A Pessoa Mais Odiada Durante Muito Tempo” - Flávio Rocha - Riachuelo

 Toda mudança cultural corre o risco de ser traumática. E foi isso que aconteceu quando Flávio Rocha decidiu transformar uma empresa de vestuário popular e implantar o conceito de fast fashion na Riachuelo. “Eu fui durante muito tempo a pessoa mais odiada porque era contra o senso comum”, revelou o presidente da marca.

O que ele fez, na verdade, foi buscar a eficiência global de um grupo que detém tecelagem, confecção, empresa de logística, atua no varejo e ainda oferece crédito por meio de uma financeira. Essa estratégia de mudança, segundo Flávio, tem a ver com a lógica, errada, de que o ser humano, quando se depara com um problema complexo, costuma ‘fatiá-lo’ atrás de soluções mais fáceis. 

No mundo corporativo, Flávio defende quase como um mantra que os desafios devem ser transpostos de uma só vez e envolvendo todas as unidades. “A maior ameaça ao ótimo global é o ótimo local. Acho que minha contribuição foi transformar uma empresa que era meramente verticalizada para uma empresa de visão global”, disse.

Como exemplo daquilo que foi preciso modificar na empresa, Flávio gosta de citar um caso: o que fazia um gestor de uma transportadora às 17h30 de uma sexta-feira com um caminhão com 70% da carga com destino à loja do Shopping Center Norte? Ele encerrava o expediente, esperava segunda-feira e completava a carga até atingir 100%. “Do ponto de vista do ótimo local, perfeito. Mas do ótimo global, devastador. Isso porque a coleção esperada na loja não chegou para o fim de semana”, explicou o executivo.

Mas essa transformação para que todos da empresa pensem “global” não foi fácil. O negócio chegou a registrar aumento de 35% nos custos logísticos antes de apresentar qualquer ganho real. “Foram anos muito difíceis. Foi preciso ter muita firmeza, convencimento e treinamento para todo mundo enxergar o ganho”, disse Flávio, que participou do Encontro PME com pequenos empresários. Confira os principais trechos. 

Início. A história da empresa começa quando Nevaldo Rocha, caçula de cinco irmãos e pai de Flávio, muda-se do sertão do Rio Grande Norte para Natal e vai trabalhar em uma relojoaria em plena Segunda Guerra Mundial. Passado o conflito, o dono do local voltou para sua cidade de origem e Nevaldo transformou o espaço em bazar onde se vendia de tudo. Até que uma carga de camisas prontas, produto incomum para a época, fez sucesso. Bom observador, o empresário identificou um filão e resolveu investir em uma loja voltada apenas para homens.

Após abrir cinco unidades, Nevaldo mudou para o Recife e começou uma pequena oficina de costura para abastecer as lojas. Foi assim que a família iniciou a Guararapes, hoje a empresa-mãe do grupo, que comprou a Riachuelo em 1979. 

Comando. “Meu pai e eu temos personalidades muito diferentes. Ele tem uma liderança mais militar, mais compatível com uma cadeia comandada pela produção”, comparou Flávio. Mas quando o empreendedor assumiu o negócio, o varejo passava por profunda transformação e deixava de ser coadjuvante para ser, nas palavras do executivo, a locomotiva da economia. 

“Nesse momento de mudança eu fui assumindo a empresa e hoje o principal negócio é a Riachuelo. Mas a grande diferenciação competitiva é ser uma empresa integrada”, destacou. Flávio começou a trabalhar na fábrica da família com 15 anos e tinha a tarefa de distribuir a produção para as lojas da marca Super G. O empresário também foi responsável pela criação da marca Pool. “Resolvi aplicar 100% da primeira verba de propaganda em patrocínio de um jovem corredor no início da carreira, o Ayrton Senna. Isso deu uma grande visibilidade para a marca”, contou. 

Propósito. Foi após uma temporada de estudos nos Estados Unidos que Flávio descobriu seu objetivo de vida: democratizar a moda. De acordo com o empresário, o propósito serve para dar sinergia a uma empresa de partes heterogêneas, como é o caso da Guararapes. “É fundamental para que o negócio não se torne uma usina de conflitos”, conta o empresário, que tem a seu favor o baixo custo e a velocidade para cumprir seu propósito. Como exemplo prático, o empreendedor disse que atualmente o negócio é capaz de entregar uma nova peça na loja em um período de dez dias. 

Fast fashion. “Um dos pilares mais ousados da nossa estratégia tem sido desafiar o que eu chamo pejorativamente de ‘regime de castas’ presente no mundo da moda”, afirma Flávio. E como prova de que a empresa tem conseguido atingir diversos públicos, Flávio cita a inauguração de uma loja na Rua Nova, em Recife, considerado um endereço popular, mas que obteve recorde de vendas. Quatro dias depois, Flávio abriu a unidade localizada na esquina das ruas Oscar Freire e Haddock Lobo, em São Paulo. E novamente bateu esse recorde. “Foi nos dois extremos da pirâmide. Isso confirma a tese que não existe mais esse negócio de roupa para rico e roupa para pobre”, destacou.

Velocidade. Com uma cadeia integrada, a Riachuelo afirma que consegue rapidamente não apenas mensurar, mas analisar a aceitação do consumidor em relação aos produtos e determinar quais são os itens que contam com o que Flávio chama de ‘DNA vencedor’. São esses produtos que vão inspirar os próximos lançamentos, que por sinal, não são poucos: 35 mil modelos por ano. “Isso significa frescor e estimula a visita mais frequente a loja”, disse o empresário, que vendeu 170 milhões de peças de roupas em 2014.

‘O propósito é democratizar a moda’, diz. Empresário implantou modelo baseado no que ele chama de ‘ótimo global’ mesmo tendo de enfrentar muita resistência dentro da própria companhia. 

Começo. Flávio começou a trabalhar no negócio da família com 15 anos e criou a marca Pool. Ele chegou a ter uma passagem política como deputado.

Descoberta. Foi após uma temporada de estudos nos Estados Unidos que o empresário descobriu seu propósito de vida: democratizar a moda no Brasil.

Ação. Ao conhecer o conceito de fast fashion, ele decidiu colocá-lo em prática nos negócios e trabalhou para transformar o meio de trabalho. 

'Sem Recuperar a Competitividade Estarão em Risco Conquistas Recentes' – Flávio Rocha – Presidente da Riachuelo e Conselheiro do IEDI (Entrevista publicada pelo jornal Brasil Econômico em 09/02/2015). Para Flávio Rocha,  as conquistas brasileiras recentes, como a estabilidade da moeda e a redução das desigualdades dependem fundamentalmente de o país recuperar espaço não só no mercado externo mas, também, no interno. À frente de uma rede com 257 lojas espalhadas pelo país, Rocha é enfático ao defender o papel do varejo na melhoria de renda da população brasileira a partir dos anos 2000. “Tem muita gente querendo ter a paternidade desse milagre do varejo, mas isso não tem a ver com bolsa isso ou aquilo, crédito, não”, sustenta. “O crédito se deu naturalmente, com o controle da inflação.” 

Ex-deputado federal pelo Rio Grande do Norte, Rocha vê no monopólio estatal a raiz do escândalo de corrupção que assola a Petrobras. O antídoto natural para o problema, acrescenta ele, é o livre mercado. “O que nos move, o que nos tira da cama de manhã e nos faz dormir tarde é concorrência. É a concorrência que é o motor da humanidade”, acredita o presidente da Riachuelo.

Qual a sua expectativa para a gestão do novo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior? 

Na última segunda-feira, foram duas reuniões com o Armando Monteiro. Lá na Federação do Comércio, onde estive representando o IDV (Instituto de Desenvolvimento do Varejo), que eu presidi, e, depois, na Fiesp, usando meu outro chapéu, de industrial. Ele está muito focado nessa questão da exportação. Com muito menos esforço, você consegue capturar US$ 100 de mercado que os chineses ou a concorrência internacional estão perdendo aqui dentro. O esforço para você atravessar o oceano e ganhar essa quantia é muito maior.

O país tem condições de concorrer com os chineses? 

Tanto na Fecomercio como na Fiesp, a constatação geral é a perda vertiginosa de competitividade. Primeiro, você pede a capacidade de exportar. Depois, começa a perder o seu quintal, o mercado doméstico. Isso ficou muito claro. Nós tivemos um grande momento de exportação, por volta de 2005, quando foi o pico de exportação. Deixamos de exportar, a balança se tornou negativa e começamos a perder terreno dentro de casa. O ministro só está falando em armas, linhas de crédito subsidiadas pelo BNDES, só fala em exportação. Só que é tão mais fácil você recuperar o terreno que perdeu aqui. Primeiro, você já causou uma estranheza no varejo, que foi o grande propulsor do que aconteceu de bom nessa década. Foi o instrumento da inclusão, de que o governo tanto fala.

A inclusão social não tem a ver, também, com o aumento da renda da população? 

É uma discussão entre o que veio primeiro, a galinha ou o ovo. O ganho de produtividade da economia que leva ao aumento da renda. Se essa revolução, cujo grande impacto é o aumento de produtividade, não só no varejo. Nasce no varejo, mas contamina toda a cadeia com aumento de produtividade. O melhor cenário seria se nós tivéssemos conseguido conter a pesada carruagem que nós carregamos nas costas, chamada Estado, no mesmo tamanho de quando esta revolução começou, de 20% do PIB. Aí, a China seria aqui. Mas, infelizmente, nesse ganho de produtividade, os efeitos positivos foram parcialmente consumidos pelo inchaço da parcela improdutiva da sociedade pelo Estado, que cresceu por causa da formalização. Enquanto ela tem um efeito positivo de aumento na produtividade, tem um negativo de aumento no tamanho da carruagem. É como se você tivesse um automóvel, no qual você colocou um tubo compressor que ficou duas vezes mais potente. Mas a carroceria ficou duas vezes mais pesada. E a sinalização do governo é o ajuste fiscal pela via fácil, com ainda mais aumento no peso da carruagem. Ninguém está preocupado em mexer nas raízes da perda de competitividade, que é o inchaço dessa carruagem.

Qual o peso da formalização nessa expansão do varejo? 

Na última reunião do IDV, a gente apresentou um estudo feito com a McKinsey, que mostra uma transformação muito interessante, na qual o varejo é protagonista. Foi a década da formalização. O Brasil é o país que mais se formalizou nesses dez anos. Dentro desse universo do Brasil, o setor que mais se formalizou foi o varejo. E a correlação entre formalização e produtividade é de um para um, total. Quando você formaliza, automaticamente vem um ganho enorme de produtividade. Uma farmácia de cadeia, de alta produtividade, é oito vezes mais produtiva do que a farmácia de fundo de quintal. Um supermercado de alta produtividade, um Carrefour, um Extra, é seis vezes mais produtivo do que um supermercado de fundo de quintal. A loja de departamentos é cinco vezes mais produtiva. Esse efeito de ganho de produtividade tem um contágio em toda a cadeia de suprimentos. Quando você formaliza, o varejo tem esse poder de contágio. 

A ênfase nas exportações atrapalha o varejo? 

Acho que ele (Armando Monteiro) vai pegar o artilheiro, que fez boa parte dos gols nesse período, e colocar no banco de reservas.

Não dá para varejistas e exportadores caminharem juntos? 

Não sei qual é a dose de competitividade adicional que ele (Armando Monteiro) tem na manga do colete para nos proporcionar. Tomara que seja grande a ponto de nos permitir recuperar não só o mercado doméstico, como vender camisa para a China. Não sei qual é a dose de surpresas boas que ele tem. Mas com a mesma dose de competitividade que ele puder proporcionar à indústria hoje, ou à economia brasileira... O timing é este: você perde a capacidade de exportar. A balança comercial de cada setor, em diferentes momentos, vira negativa. Ele (o concorrente estrangeiro) começa a invadir o seu jardim. Em nossa empresa, por exemplo, nós produziamos 80% de toda a confecção vendida. Nossa importação era de 5%. Isso em 2010. Em cinco anos, nós fomos de 5% para 35%. E nossa produção própria caiu para os mesmos 35%. A diferença é de terceiros.

Como avalia a política industrial brasileira? 

A melhor política industrial é um ambiente de negócios business friendly. Nós temos um ambiente de negócios hostil. Não é só a carga tributária, que cresce absurdamente. No meu tempo de deputado, a carga tributária era 20% do PIB. De lá para cá, mais do que duplicou, porque tem o déficit. E as alíquotas são mais ou menos as mesmas. Quer dizer, a formalização, que trouxe todo esses fatores positivos, liderados pelo varejo, tem um lado perverso, que é o aumento da quantidade de dinheiro que vai para o que existe de mais ineficiente para um país, seja qual for, que é Estado. Com as mesmas alíquotas de 1994, a arrecadação foi de 20% para 37%, pela simples formalização. E ela vai continuar. Nós competimos com países que têm carruagens de 15% do PIB. A competitividade de um país é a relação de duas forças: a de tração, que puxa a carruagem, e o peso. Enquanto estamos correndo a mesma maratona com concorrentes nossos, com a Coreia e a própria China, que são corredores com uma mochilinha leve nas costas, só com o essencial, com uma mala sem alça de 37% do PIB, que, ainda por cima, nos traz um excesso normativo, regulatório, absurdo. O Código de Defesa do Consumidor é absurdamente exigente, a lei ambiental mais exigente do que a da Dinamarca; um aparato trabalhista absolutamente anacrônico, uma usina de conflitos que gera três milhões de causas trabalhistas por ano. Nós geramos, por hora, mais ação trabalhista do que o Japão em um ano. Por dia, geramos mais do que os EUA em um ano. Isso é custo Brasil na veia.

O ministro Joaquim Levy afirmou que o novo modelo econômico não será mais baseado no consumo, mas no investimento. Não há uma certa contradição aí? 

É um falso dilema. Esse momento maravilhoso do consumo na última década não teve nada a ver com interferência estatal. Tem muita gente querendo ter a paternidade desse milagre do varejo, mas isso não tem a ver com bolsa isso ou aquilo, crédito, não. O crédito se deu naturalmente, com o controle da inflação. Mas o driver dessa boa revolução foi o desabrochar do varejo de alta produtividade, a criação de um terreno que era inóspito. Essa revolução estava acontecendo desde os anos 80 lá fora, e não chegava aqui por causa da erva daninha da clandestinidade econômica.

A previsão de um crescimento minúsculo do PIB para 2015 não assusta? 

O varejo tem crescido mais do que o PIB, em média três vezes mais. Mas com um crescimento tão baixo do PIB, é um número frustrante. Tem tudo a ver com o fenômeno de aumento do peso da carruagem. Seja qual for o ano que você analise, concluirá que a carruagem vai parar. Ela não vai parar só porque está pesada demais para sua força de tração. O excesso normativo pesa tanto quanto a carga tributária.

Vários governos já prometeram a reforma trabalhista, mas não a realizaram... 

Falta um direcionamento de propósito. Se você fala em reforma tributária, todo mundo quer. Os prefeitos querem, sob a alegação de que os municípios estão morrendo a míngua. Entre os governadores, 100% de adesão, porque precisam de mais dinheiro para gerir os seus estados. A União quer a reforma para resolver o déficit público, como está fazendo agora. Todo mundo tem sua visão sobre a reforma, mas são colidentes. A reforma que está na cabeça de 7 mil prefeitos não é a que está na cabeça dos empresários, nem a mesma que está na cabeça dos sindicalistas. Não precisamos convocar forças com visões tão díspares para uma reforma tributária genérica. Precisamos de reformas com vistas à competitividade. Ou nós recobramos a competitividade ou estão em risco todas as conquistas recentes. A redução da desigualdade, a estabilidade da moeda e, em última análise, até a democracia. É isso que essas forças precisam entender. São as três grandes conquistas recentes, que vieram através de consensos. Agora, o consenso que parece estar ficando mais claro na cabeça de toda a sociedade brasileira é o da competitividade. Não existe melhora na qualidade de vida sem prosperidade. A melhoria das condições de trabalho não se dá por leis e bondades aprovadas no congresso, mas pelo aumento da demanda por mão de obra.

Houve aumento, nos últimos anos, no número de casos envolvendo utilização de mão de obra escrava por empresas ligadas ao vestuário. Como você enxerga essa questão? Tem relação com o excesso normativo? 

Graças a Deus, nosso modelo de negócio nos protege de um dilema muito sério do setor de confecção. O elo crítico da cadeia têxtil é o da costura. Esse elo virou refém de uma coisa que, em teoria, é boa, mas que traz desdobramentos negativos, que é a questão da lei do Simples. Tirando a nossa empresa, e outras duas ou três, a totalidade do setor de confecção, 35 mil empresas, são reféns do Simples.

Nos últimos anos, o varejo vinha crescendo num ritmo bastante acelerado. No ano passado, até novembro, o IBGE apontava um crescimento nominal de 8,7%, o que dá um crescimento real de pouco mais de 2%. Essa desaceleração era esperada pelo setor? 

O varejo vem de uma década de crescimento robusto. Essa desaceleração já era previsível porque não é sustentável uma década de demanda crescente e produção declinante. É como uma fazenda que passa dez anos colhendo, colhendo e colhendo e não semeia. Mais cedo ou mais tarde essa queda da produtividade — que acontece para todos os setores produtivos — mostra a fatura. Por que o varejo continuou crescendo tanto mais do que o PIB e a indústria? Porque a indústria compete diretamente com a concorrência internacional. O varejo — apesar do e-commerce que vai globalizar essa concorrência — a briga ainda é regional. A disputa concorrencial é regional. Varejo e serviços conseguem repassar esse aumento vertiginoso da inflação, mas a indústria não. Ela sente isso na pele. Daí a discrepância de uma banda do Brasil que disputa internamente, varejo e serviços — e a produção, que é quem mais está sofrendo.

Como o sr.enxerga o escândalo de corrupção na Petrobras? 

Acredito que é o momento de colocar o dedo em uma ferida que precisa ser tocada: que o monopólio é o habitat natural da corrupção. O que nos move o que nos tira da cama de manhã e nos faz dormir tarde é concorrência. É a concorrência que é o motor da humanidade. É totalmente previsível que uma empresa monopolista caia na preguiça, caia na zona de conforto e a última escala disso é a corrupção. E a solução pra isso é dar concorrência a esse processo. Da mesma forma que o monopólio é o habitat natural da corrupção, o livre mercado é o único antídoto natural da corrupção. Se aqui na Riachuelo eu tivesse um comprador de gravatas que fosse corrupto, que se associasse a um fornecedor de gravata para cobrar uma propina, o mercado puniria automaticamente. Sem nem mesmo saber, a gravata da Riachuelo seria mais feia, seria mais cara do que a gravata do meu concorrente. Então, eu acho que esse é o momento apropriado pra mostrar a que leva o monopólio. E a sociedade brasileira paga um custo altíssimo. O custo da energia está caindo vertiginosamente no mundo inteiro e aqui nós pagamos esse alto preço pra bancar uma máquina absolutamente contaminada pela corrupção. 

O senhor defende a privatização da Petrobras? 

Bem, eu não preciso de voto. Então posso dizer que sou absolutamente a favor da privatização da Petrobras. Seria a grande solução, teríamos energia muito mais barata: é o que aconteceu com todas as privatizações. O problema é que se demonizou (a privatização) de uma forma... Tenho uma fé religiosa no livre mercado. Eu acho que é isso que distingue o ser humano dos animais. Eu acho que quando Deus criou os seres humanos, ele deu a habilidade de se negociar, de fazer trocas mutuamente consentidas, voluntárias, em benefício comum. Aonde, milagrosamente, acontece o ganha-ganha. Que parte ganha numa negociação? As duas partes ganham. E o PIB de um país é a soma desses ganhos. A visão mais à esquerda acredita que numa negociação tem um ganhador e um perdedor. Um está explorando o outro. Mas na nossa visão liberal é justamente o contrário: em cada negociação tem dois ganhadores. Livre mercado é isso: essa coisa sublime e que trouxe tantos ganhos a outros setores que foram privatizados e estão submetidos aos freios e contrapeso do mercado.

O cenário macroeconômico desfavorável alterou os planos de investimento da Riachuelo para este ano? 

Nós não alteramos nosso programa de investimento. Nós tivemos um recorde no ano passado, inauguramos quase 100 mil metros quadrados de área de venda. Nós iniciamos 2014 com 500 mil metros quadrados e encerramos com quase 600 mil metros quadrados. Foram 45 lojas, de grande porte. São lojas com mais de 2 mil metros de área na média. E estamos mantendo o mesmo ritmo. Inclusive, o volume de investimento será um pouco maior do que no ano passado porque estamos investindo em um grande centro de distribuição de última geração, o mais moderno do Brasil e um dos mais modernos do mundo, em Guarulhos.

E o comércio eletrônico? A Riachuelo ainda não vende diretamente pela internet... 

Deste ano não passa. Nós temos uma presença online forte, mas não temos venda online. O que já fizemos, com algumas coleções, foi a venda click on colect: de comprar online e retirar na loja. Mas nós vamos ter realmente a logística B2C (business-to-consumer) até o fim deste ano, no máximo no início de 2016.

Nos últimos anos, a Riachuelo, como outros varejistas, vem incorporando à sua operação serviços diversificados, como assistência para automóvel, odontológica... O varejo puro morreu? 

A sinergia entre a produção e o varejo é muito grande. O ser humano tem a tendência natural de fatiar o problema. Esse é o retrato fiel da confecção no Brasil. A suposição é que se tiver uma fiação eficiente, uma tecelagem eficiente, uma confecção eficiente, um varejo eficiente, terá o todo eficiente. Mas a Zara e a Toyota mostraram, pelo just in time, que este é um pressuposto falso e não é suficiente para atingir um patamar superior de eficiência e de excelência. 

Por quê? 

Há decisões que fazem todo o sentido dentro de quatro paredes de uma fiação ou tecelagem, mas podem ferir de morte a eficiência global do sistema. A nossa crença é que o ótimo local é inimigo do ótimo global. A nossa gestão é holística. Pra dar um exemplo simples: fomos a vida toda uma empresa verticalizada e nós estimulávamos esse fatiamento. Mas o bom momento que a empresa está vivendo se deve ao fato de ter rompido com esse mundo do ótimo local para o ótimo global e gerir em função do ótimo global. 

Pode dar um exemplo prático? 

Na época do ótimo local, a gerente da empresa de logística estava com 70% da carga no CD de Guarulhos numa sexta-feira para ir para a loja de Center Norte. Ela esperava a segunda-feira para completar o 100% da carga e extraía 100% de eficiência do todo local, que é o que ele gere. Alcançava o ótimo no negócio dele, que é o caminhão, mas era um desastre do ponto de vista do ótimo global. O fast fashion é a gestão holística globalizada da cadeia têxtil. A Riachuelo, em relação aos cases bem sucedidos lá fora, acrescentou mais um elo que é mais sinérgico ainda: o elo financeiro, que sofre muitos conflitos pois as diferenças do varejista com o banco são maiores ainda. Então, colocando o produto financeiro embaixo do mesmo guarda-chuva acionário você ganha uma elasticidade em termos de planos de parcelamento, de juros — ao invés de ter, como nossos concorrentes, a cabeça de banqueiro pensando na fatia financeira, sem nenhuma visão comercial do processo. Isso é que o que diferencia o nosso modelo: ir do fio até a última prestação depois da venda. Uma visão holística, gerindo a eficiência global do sistema e escapando armadilha do ótimo local.

Qual a sua fonte de inspiração, na gestão da Riachuelo? 

Somos — desculpe a pretensão — nós queremos ser a Apple da cadeia têxtil. A Apple fez essa mesma inovação: na cadeia Microsoft você entrava no Magazine Luiza, comprava um computador Positivo, rodando sistema operacional Windows, tirava foto com câmera Sony, editava com Photoshop e fazia o upload com o Picassa da Google. Você tem aí seis ótimos locais. Seis fatias do problema. A Apple se libertou desses ótimos locais e está tudo embaixo do mesmo guarda-chuva acionário, tem a visão holística do problema. Ninguém está pensando na estreita fatia do problema. Está todo mundo pensando no todo. Essa é a diferença: por isso nós somos a Apple do varejo os outros estão sujeitos a todas as armadilhas do ótimo local.

– Flávio Rocha – Presidente da Riachuelo e Conselheiro do IEDI (Entrevista publicada pelo jornal O Estado de São Paulo em 25/02/2015).

http://www.iedi.org.br/cartas/carta_iedi_n_694.html

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   Pra dar um exemplo simples: fomos a vida toda uma empresa verticalizada e nós estimulávamos esse fatiamento. Mas o bom momento que a empresa está vivendo se deve ao fato de ter rompido com esse mundo do ótimo local para o ótimo global e gerir em função do ótimo global. 

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