Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Carol Carquejeiro/Valor / Carol Carquejeiro/Valor"O ajuste tradicional no pescoço sempre é feito para que a parte de trás fique mais curta e não apareça. Quem disse que precisa ser assim?", diz João Pimenta

A edição de setembro da cultuada "Monocle", revista britânica de "lifestyle" masculino, trouxe na capa sua concepção de empreendedor. O moço de cabelo penteadinho e óculos redondos usa um avental impecável sobre uma camisa com gravata. Nesse figurino híbrido, o modelinho tradicional no pescoço parece estar ali só para dizer que o sujeito obteve sucesso. No verso da publicação, o oscarizado Christoph Waltz foi retratado descontraído, mesmo paramentado de terno, mas de gogó liberado. O anúncio da Prada mostra que os vencedores podem se livrar da "algema de seda" sem perder a majestade. "É uma eterna simbologia de poder. Quem já chegou lá não precisa usar, quem está no processo de acumulação se agarra à sua", comenta o sociólogo Dario Caldas, do Observatório de Sinais.

Em junho, a reunião do G 8 na Irlanda do Norte prometia uma nova concepção da vestimenta masculina. No encontro entre os mais empertigados chefes de Estado, o "dress code" proposto foi o "tieless". Deixar o colarinho afrouxado seria uma sinalização de um novo modelo de negociação em que seria possível "baixar a guarda". Angela Merkel, quem sabe, até sorriria. Se os aguerridos caciques das nações estavam tirando as armaduras, os tempos seriam de despojamento nos ambientes mais sisudos. Pelo resultado, contudo, o que se viu foi um empobrecimento do visual. Não adotaram jaqueta, calça chino ou camisa xadrez. Os líderes só deixaram seus ternos incompletos. Como observou a jornalista Vanessa Friedman, no "Financial Times", a mensagem não funcionou e teria sido mais subversivo se um deles quebrasse a "regra" acordada e usasse uma gravata.

A discussão na imprensa internacional foi, de qualquer forma, interessante. Afinal não é sempre que o guarda-roupa masculino se torna assunto de Estado. Um consenso que dependeria de um nó de gravata. Mas é significativo que os homens deem à peça um peso tão grande e aguardem uma carta de alforria protocolar para refrescar seus figurinos. As mulheres já subiram e desceram suas saias, transmutaram seus papéis na sociedade e até estão usando gravatas nesta temporada. E eles?

Há uma legião de criadores nos moldes de Steve Jobs e de Mark Zuckerberg que desprezaram a gravata para acumular seus bilhões. Insistiram no despojamento desde o início para ficar fora da sintonia do "dress code" estabelecido. E acabaram por impor a informalidade como código de conduta para quem quisesse fazer parte do novo mundo. A gravata estaria assim condenada à lógica da velha moral burguesa e aos "barões mofados do capitalismo". Aí a crise ganhou contornos dramáticos, e muita gente não só perdeu emprego, como sequer conseguiu ingressar no mercado. A alfaiataria voltou a ser valorizada, então, como uma retomada da seriedade e compromisso de outros tempos. "Na Europa há muitos jovens apagando as tatuagens para conseguir um posto de trabalho. A gravata nesse contexto é uma obrigação", diz Caldas.

DivulgaçãoGravatas da grife francesa Hermès de coleção que faz referências a tecnologia para falar com o homem contemporâneo

Mas nem tudo são trevas. A gravata está sendo ressignificada. O estilista João Pimenta admite que sempre evitou a peça desde que se estabeleceu como uma criador de moda masculina. Nos últimos anos levou para a passarela itens de vestuário conceituais que pudessem abrir uma brecha no burocrático guarda-roupa dos homens. Ele notou que os jovens que frequentam seu ateliê em São Paulo, portanto a nova geração de consumidores, estavam interessados em outra coisa: terno sob medida. "Existe uma busca de seriedade. São empreendedores que não querem parecer desleixados. Mas ao mesmo tempo precisam de uma representação contemporânea." O dilema, então, estava configurado. Os ternos podiam ganhar modelagem mais ajustada e serem construídos em tecidos inusitados, como o jeans, por exemplo, para conversar com os novos tempos. Mas e as gravatas?

"Quando eles saíam em busca de opções no mercado encontravam sempre a mesma proposta", conta Pimenta. O noivo ou o formando exibiam ternos aptos a serem compartilhados nas redes sociais, mas as gravatas eram analógicas. Foi então que ele, pela primeira vez, montou uma coleção de borboletas em dez versões e usou novos tecidos além da seda na confecção. E, é bom destacar, nenhuma igual à outra. Um compromisso para reforçar a exclusividade. "É um sucesso porque, para eles, a gravata ganhou status de acessório e não de peça obrigatória para compor o terno."

A peça ultrapassou a fronteira da exigência para se transformar em um item de moda desejado. Pimenta conta que muitos clientes passaram a usar a borboleta até com camisas polo. Ou seja, ataram a "coleira" ao uniforme universal de descontração. Mas, garante ele, a opção não é um deboche ou uma espécie de fantasia dentro da corrente retrô que tem inspirado a moçada. "Não é uma vertente como foi no passado quando se usava gravata cômica para mostrar irreverência. Agora é uma informação de moda que faz muito mais sentido que um suspensório, por exemplo."

A coleção está crescendo e, quando as criações de Pimenta foram apresentadas na São Paulo Fashion Week, os moços puderam contar com outros modelos além da borboleta. Ele propôs também outras formas de amarração com gravatas estreitinhas. "O ajuste tradicional no pescoço sempre é feito para que a parte de trás fique mais curta e não apareça. Quem disse que precisa ser assim?" Suas peças têm, inclusive, a parte posterior de outra cor para ser exibida. Mas também vale enfiar as pontas no vão entre os botões da camisa.

"Há um grande desejo dos garotos por inovação e a indústria de moda masculina não está enxergando. É lógico que a compra masculina é menos impulsiva do que a feminina. Eu entendi, nestes dez anos atendendo a esse público, que há limites para a ousadia, mas é preciso também reconhecer uma demanda quando ela existe. E atendê-la de forma mais atual", diz. Isso significa que o homem pode não seguir tendências como a mulher, mas busca uma nova forma de representação dentro de seu ritmo.

Nem todos estão desatentos, evidentemente. A grife francesa Hermès, em parceria com o artista Miguel Chevalier, promoveu a junção da gravata com a tecnologia para falar com o homem contemporâneo. A partir de estampas de uma coleção que trazia desenhos como circuitos eletrônicos, signos de "on/off", 0 e 1 etc., o criador montou uma instalação interativa com painéis digitais que está rodando o mundo de Paris a Shenyang.

As paredes gigantescas, animadas com a trilha de Jacopo Baboni Schilingi, promovem sensações entusiasmantes. Nem de longe o visitante associa a gravata a uma armadilha social ao ser absorvido pela "matrix" escondida numa tira de seda. Na exposição concebida pelo artista, também há um álbum digital que amplia o conhecimento de possíveis nós e padronagens. A próxima cidade a receber a 8 Ties, como foi batizada, será Mumbai no mês que vem e, infelizmente, o Brasil ficou fora do roteiro.

De qualquer forma, ao traduzir segurança, poder, diversão ou ser exibida como objeto de arte, a gravata mostra sua resistência e sobrevive mais em função do desejo masculino do que de uma "imposição capitalista". Tirá-la do pescoço seria uma decisão menos impactante hoje do que a queima de sutiãs foi no passado. Não fossem seus usuários... homens.

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