Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

Historia do Tecido

Se olharmos à nossa volta veremos que estamos rodeados de objectos das mais variadas formas, de diversos materiais e cores, com as mais diferen­tes funções. Mas nessa diversidade, fácil nos será identificar um grupo que, embora disperso, se apresenta com algumas características comuns: são os objectos têxteis, mais vulgarmente conhecidos por TECIDOS. Esses tecidos apresentam-se com as mais diversas formas, cores e desenhos, e desempe­nham funções também muito diferenciadas. Mas ao pensarmos em tecidos imediatamente o vestuário e a roupa de casa que nos vem à mente.

Como característica comum, os tecidos são todos feitos a partir de fibras têxteis, através de métodos de cruzamento e entrelaçamento a que generica­mente se chama tecelagem.

O utilizador dos tecidos vulgarmente não se apercebe do complicado processo pelo qual o pêlo dos carneiros, ou o fruto branco do algodoeiro, ou os casulos do bicho da seda, ou os caules da planta do linho, se transformam nos tecidos de que são feitas as maravilhosas peças de vestuário que compra nas mais sofisticadas lojas de moda, ou nas casas de pronto-a-vestir. E cer­tamente será para ele um pouco obscura a produção das novas fibras sintéticas.

É realmente no produto final que ele está interessado, nas suas caracte­rísticas estéticas e funcionais como objecto de que necessita para a sua vida diária.

Mas o conhecimento das matérias-primas de que se fazem os tecidos — as fibras têxteis — e do processo da sua concepção e produção podem e devem hoje ser considerados como um facto cultural que a todos interessa visto que esse conhecimento contribui para uma melhor escolha dos tecidos ou objectos têxteis a adquirir, e para que a sua utilização seja mais correcta e vantajosa para nós próprios.

Do ponto de vista do consumidor o conhecimento das propriedades dos tecidos que compra é um factor decisivo na sua auto-defesa.
Do ponto de vista do produtor o domínio perfeito das tecnologias de concepção e fabricação têxteis é essencial para que a sua actividade seja estável e próspera.

A concepção de um tecido é assim um acto complexo em que estão envolvidos tanto o ponto de vista do produtor como o do consumidor.

O produtor tentando produzir o melhor produto ao mais baixo custo pos­sível o que lhe assegurará maior margem de lucro. O consumidor tentando por seu lado comprar ao mais baixo preço o objecto têxtil de que necessita ou que fortemente deseja.

Mas este simplismo “mercantil” nem sempre se aplica, visto que as fun­ções sumptuárias, a moda, ou o desejo que os têxteis despertam, o uso sim­bólico e os interesses dos fortes grupos económicos e industriais, alteram a lógica dessas relações. A necessidade e o preço nem sempre são os factores decisivos da compra. Outros factores devem ser tomados em consideração por quem produz e primeiramente por quem concebe os tecidos e as peças de vestuário. Esse “quem concebe” tem hoje o nome de designer têxtil sendo as suas funções objecto de cuidadosa definição nas sociedades modernas mais evoluídas.

Mas nem sempre assim foi, podendo dizer-se que o actual designer têxtil é um produto típico da economia finissecular, no período de transição entre o fim da era resultante da primeira revolução industrial e o começo da “terceira onda”, como lhe chamou Alvin Toffler, com o desenvolvimento da sociedade informática e robotizada, mas época também extremamente instável e aberta, em termos de gosto e preferências.

Parece oportuno desenvolver um pouco mais este assunto, visto que ele é crucial para o entendimento da matéria que neste livro se estuda: a proble­mática da concepção dos tecidos que todos usamos.

Há pois três aspectos a considerar preliminarmente: a periodização histó­rica que mais se adapta ao entendimento da função de conceber tecidos neste fim de século; o conhecimento de que nem sempre foi assim, e porquê; finalmente uma discussão sobre a noção de design e de designer que mais se adapta às circunstâncias actuais e talvez de um próximo futuro.

Dividir o tempo histórico (desde o começo do uso da escrita) em vários períodos ou épocas, segundo acontecimentos e datas consideradas significa­tivas, é uma prática comum dos historiadores, com o objectivo de melhor compreender as circunstâncias da vida dos homens e o modo como ela se tem transformado ao longo do tempo.

Tanto se pode fazer uma periodização fina, em períodos curtos, como uma periodização larga, dependendo do objectivo do estudo que realizamos.

No caso da produção têxtil julgo ser de flagrante pertinência a periodiza­ção larga proposta por Alvin Toffler no seu livro “A Terceira Onda”. Segundo este autor a primeira onda de mudança foi desencadeada há mais ou menos dez mil anos pela descoberta da agricultura: a segunda onda resultou da chamada revolução industrial, no século XVIII da nossa era; a terceira onda está já visível no mundo novo em que estamos vivendo e em que a informação, a electrónica, a cibernética e a robótica começam a transformar as rela­ções entre os homens e as máquinas e, consequentemente, alterando os métodos de trabalho, as relações de produção e as condições de uso social dos produtos, a sua necessidade e as suas motivações estéticas e emocionais ou psicológicas.

Tal periodicidade larga convém ao estudo do fenómeno têxtil, justamente porque os produtos têxteis desempenharam um papel decisivo no desenca­dear, tanto da primeira como da segunda ondas de energia civillizacional e os seus respectivos meios de produção estão a elas estruturalmente ligados.

De facto os primeiros (mais antigos) indícios de objectos têxteis podam ser datados de há mais ou menos dez mil anos, coincidindo com a sedentariza­ção agrícola dos primeiros homens, muito antes da invenção da escrita e do início dos tempos ditos, por isso, históricos.

Tempos esses que poderão ser datados entre meados do terceiro e o segundo milénios antes de Cristo, com a escrita Sumero-Acádica na Mesopo­tâmia e a escrita ideográfica na China, já posteriores às escritas simples­mente de registo ou mnemónicas. Os mais antigos têxteis foram encontrados nas civilizações lacustres da Suíça, na Mesopotâmia, na Cordilheira dos Andes e nos gelos do norte da Escandinávia (restos de um tecido de lã, de há mais de 9000 anos antes de Cristo). Mas também existem indícios têxteis em grutas da Península Ibérica. Sendo frágeis e facilmente putrescíveis não há de facto abundância de objectos têxteis                        pré-históricos, encontrando-se representações em pedra e pinturas rupestres de homens e mulheres vestidos com peças têxteis facilmente identificáveis.

Durante toda a antiguidade a concepção e produção de tecidos estariam certamente confundidos, pois quem conhecia a arte de tecer era também o criador do tecido. As várias formas que o tear foi adquirindo, desde o “primi­tivo” (mas já sofisticado) tear de chão egípcio, até ao tear de liceta chinês para as mais elaboradas sedas, essas várias formas e soluções mecânicas foram certamente encontradas pelos tecelões que iam aperfeiçoando os teci­dos e descobrindo novas formas de os produzir, num sistema integrado de causa e efeito, ou de experiência e erro, intuitivos, mas em que é difícil dis­cernir se era o tear que motivava o novo tecido ou se era uma ideia diferente de tecido que originava a modificação do tear. Uma coisa parece certa: só quem tece é capaz de fazer tecidos e ir modificando os instrumentos da sua produção. O mesmo se poderá dizer em relação ao cruzamento dos fios, hoje chamado DEBUXO, que se desenvolveu de uma forma obscura, a partir das primeiras entrelaçamentos manuais de elementos vegetais ou de tiras de peles de animais. Seja como for, os egípcios, 2500 anos antes de Cristo, conheciam a arte de fiar com perfeição e teciam tafetá e sarja.

Esta forma sincrética, isto é, total e original de conceber os tecidos e de, ao mesmo tempo, realizá-los, prolonga-se durante a Idade Média e vem até
aos nossos dias nos resíduos das civilizações pré-hispânicas na América Central, em África, prolongando-se no ressurgimento dum artesanato urbano europeu, ocorrido nas últimas décadas.
Nestes casos há perfeita coincidência entre quem cria e quem executa (tece) o tecido.
Um caso ligeiramente diferente ocorre com os tapetes persas e turcos, assim como no Norte de África muçulmano, em que os desenhos passam de geração em geração por via oral, de tecedeira para tecedeira e desde a mais tenra idade. As modificações dos desenhos ou suas interpretações só em cer­tos casos são admissíveis.

Fig.  Estátua menhir, feminina, do período neolítico, de costas e de frente, mostrando o vestuário


Fig. Peças de vestuário da Idade do Bronze encontradas num túmulo. Nota-se claramente o tecido de teia e trama.

No entanto, na Europa, as tapeçarias Góticas e Renascentistas são já executadas por tecedores a partir de desenhos (cartões) criados por pintores que pouco ou nada sabem de tecelagem.
Por outro lado a necessidade comercial de imitar os tecidos vindos do oriente pela rota da seda, leva os pintores italianos a estudarem os métodos da produção têxtil e a realizarem os primeiros desenhos têxteis no sentido moderno do termo. Leonardo da Vinci desenha mesmo um aperfeiçoamento da roda de fiar, em 1500, revelando assim o interesse que os têxteis desperta­vam nessa época. Época em que se dão os primeiros passos para a divisão analítica da produção têxtil, entre quem inventa ou aperfeiçoa os mecanismos de produção, quem cria os desenhos e quem executa os tecidos, servindo-se daqueles mecanismos.
Fig. Fiação e tecelagem egípcias
É assim que, aos poucos, se dá a transformação do tear de licetas (oriundo da China) no tear Jacquard em pleno Séc. XVIII em França, e se inventa a lançadeira voadora, na Inglaterra, em 1733.
Entretanto a produção vai aumentando e uma nova classe social se cons­titui: a classe operária que executa apenas as funções produtivas e se estru­tura durante a segunda vaga: a da revolução industrial.
Revolução industrial que tratá a pouco e pouco a mecanização das ope­rações de produção, cuja primeira consequência é a concentração em “fábri­cas” (ditas engenhos ou moinhos “MILLS”) para a fiação do algodão e poste­riormente da lã. Seguir-se-á a organização de fábricas de tecelagem com um elevado número de teares, accionados por meios energéticos centrais: a roda de água primeiro, a máquina a vapor depois, e a electricidade finalmente.

Essa concentração da produção levará à organização racional do traba­lho com a divisão analítica das operações de fabricação e com a consequente necessidade de padronização e normalização dos mecanismos, dos procedi­mentos e dos materiais. Todos estes fenómenos visando o aumento da pro­dução por unidade de tempo e por trabalhador, com o objectivo de baixar o custo de produção através de economias de escala, permitindo aumentar os lucros globais das empresas, mas também diminuindo o preço unitário de venda ao público.
 
Fig. Tear de sedas chinês


 
Tais condições de produção levaram a uma separação entre quem con­cebe os tecidos e quem os tece, criando-se a figura do DEBUXADOR, técnico que é responsável pela concepção dos tecidos que serão fabricados, organi­zando os seus projectos de acordo com as tendências do mercado e com as possibilidades técnicas de fabricação de que dispõe, tendo em conta também os condicionantes económicos da empresa e do mercado, respectivamente em termos de custo de produção e preço de venda. Mas, a própria figura do Debuxador sofrerá operações analíticas nas grandes empresas, dividindo-se as suas funções nas suas componentes técnica, estética e comercial, que poderão ser desempenhadas por pessoas ou equipas diferentes, sob a orien­tação dum chefe de departamento que pode desempenhar apenas funções de coordenação.
Nas empresas mais pequenas o Debuxador concentra em si próprio as funções de concepção, mas não se desliga totalmente do controlo da produ­ção em termos de qualidade, nem da comercialização. Nessas fábricas de menores dimensões, o produto é altamente qualificado e personalizado e destina-se a um comércio exigente, em que a Moda e os factores estéticos dos tecidos são determinantes, assim como as circunstâncias de relações públicas da comercialização. Já, nas empresas de grandes dimensões, o debuxador se reduz a ser um elo mais na cadeia de produção, a que corres­pondem funções bem delimitadas, muitas vezes já não de concepção global dos tecidos, mas apenas de propostas de alterações estéticas.

Fig. 3.5 Tear contemporâneo com inserção de trama por pinças telescópicas.
Estas são as condições, consideradas nos seus extremos, do trabalho de conceber tecidos nas fábricas da “segunda onda” (que são as que ainda exis­tem entre nós), havendo várias possibilidades de maior ou menor personali­zação, ou maior ou menor integração, conforme as dimensões, a empresa, o tipo de tecido fabricado e os mercados a que se destina.
Mas, desde os anos 60, estes condicionantes tendem a modificar-se, pre­cisamente pela informatização e automação dos métodos de produção e, até, de concepção dos tecidos, identificando-se cada vez mais o Debuxador com a imagem do designer, podendo a produção e o seu controlo, ser altamente automatizados e, nalguns casos, até robotizados, em parte ou no todo (como em breve certamente será).
A função do designer têxtil está, por isso, a ganhar terreno, à medida que se instala a economia produtiva da “terceira onda” ou seja, as condições de produção e consumo do século XXI, em que duas tendências se perfilam já: a robotização da produção dos bens para consumo massivo e a informatização personalizada dos bens selectivos, de uso qualitativo e representativo.
No caso dos tecidos, é necessário pôr a questão claramente: - Numa fábrica robotizada para fabricar tafetá com ligeiras variações de desenho (liso, riscas, ou xadrez até) o trabalho do debuxador é menos significativo que numa fábrica de tecidos de alta moda, para casacos ou vestidos de senhora ou fatos de homem.
Os meios informáticos permitem reintegrar as funções do debuxador na figura do designer. Este, equipado com meios computorizados de simulação dos tecidos (para mais eficaz elaboração dos padrões e suas variações), com meios de comunicação cibernéticos e informáticos, para a obtenção dos requisitos do mercado e das previsões da MODA, poderá trabalhar em pequenos gabinetes, de preferência não incluídos na organização vertical das unidades de produção, para maior liberdade de movimentos, de coordenação da informação exterior e de consequente colagem às variantes do mercado.
Nestes gabinetes de design de tecidos, as operações de concepção, tomarão em conta todos os componentes da produção e utilização dos teci­dos, desde os aspectos tecnológicos às funções que os tecidos irão desem­penhar durante a sua vida de uso. Funções essas que vão muito para além da sua utilidade “funcional” imediata, integrando-se num todo                   pragmático­ – astético – presentativo, a que a relação qualidade – preço dará significado perante o potencial comprador e utilizador.
A tendência da concepção e produção têxtil na terceira vaga, está por­tanto na passagem de “mão-de-obra intensiva” para “capital - intensivo” com a respectiva desconcentrarão da mão-de-obra necessária nos locais de produ­ção, sendo as funções de planeamento e concepção não necessariamente realizadas pelas unidades de produção, mas sim por gabinetes de design para isso equipados e especializados e conectados com as empresas informaticamente.

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