Juiz de Fora já foi reconhecida como a Manchester mineira, uma alusão ao poderoso parque têxtil que a cidade teve desde o final do século XIX. A indústria do vestuário, por consequência, sempre foi um segmento forte na cidade, mas que, ao longo dos anos, perdeu competitividade e plantas para o Sul do País. Hoje, os maiores polos de confecções nacionais estão nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Goiás.
Não faltam razões para o declínio da atividade na região. Ausência de políticas públicas, sobrecarga tributária, burocracia elevada, pouco investimento em inovação, entre outros motivos, concorreram para a queda paulatina deste setor ao longo do tempo. Porém, Juiz de Fora ainda é uma importante referência no ramo – e este contribui de maneira significativa para a economia local.
Segundo informações do Sindicato das Indústrias do Vestuário de Juiz de Fora (Sindivest-JF), o segmento reúne na cidade aproximadamente 170 indústrias ativas, que empregam 3.863 pessoas com carteira assinada e geram outros 20 mil postos de trabalho indiretos. Juiz de Fora tem ainda 64 fábricas de meias, o que dá ao município o primeiro lugar no Estado na atividade.
A cidade agora corre atrás do prejuízo, com a criação de um Arranjo Produtivo Local (APL), o Farol da Mata, que reúne as fábricas de Juiz de Fora, Pequiri, Guarani, Goianá, Coronel Pacheco e Arantina a instâncias públicas e privadas em esforços concretos para o fortalecimento do setor. A presidente do Sindivest-JF, Mariângela Miranda Marcon, conta que as movimentações começaram tão logo ela assumiu a presidência do Sindivest, em novembro de 2020.
A partir de sua experiência como conselheira fiscal da Fiemg, ela iniciou conversas com lideranças empresariais e do poder público em todas as esferas. “Quando vi que o governo do Estado editou um decreto sobre APL em cima de uma lei de nove anos atrás, vi a possibilidade de criar um caminho novo. Ao desburocratizar os procedimentos, ele abre o caminho para um APL bem-sucedido como os do Sul do País”, sustenta a presidente. “Quando as pessoas abrirem os olhos para as oportunidades que o decreto cria, vai haver um aumento significativo de APLs”, aposta.
No último dia 3, o “APL Farol da Mata Vestuário e Afins” de Juiz de Fora foi reconhecido pelo município e pelo Estado. “Tendo um APL certificado, podemos fazer compras por intermédio de cooperativas; buscar aportes dos governos estadual e federal; podemos ir atrás do Indi (Instituto de Desenvolvimento Integrado de Minas Gerais) para trazer empresas de outros lugares para se estabelecer em Juiz de Fora. Aqui, temos um porto seco que é subutilizado”, avalia Mariângela.
Citando o segmento de roupa íntima, que é forte na indústria local do vestuário, ela destaca a importância de se investir na região. “Queremos fabricar cuecas? Temos que ter fio, malha, tinturaria, elástico, embalagem… e tudo isso pode se instalar no APL. Nós temos que acenar não só com um segmento forte, mas também com vantagens adicionais de infraestrutura, tributação, logística”, completa. Juiz de Fora está entre os maiores produtores de moda íntima masculina no Brasil – a Zona da Mata é responsável por 12,2% de toda a produção nacional de moda íntima em geral.
O presidente da Fiemg, Flávio Roscoe, que é empresário do setor têxtil, elogiou a iniciativa do Sindivest-JF. “Essa é uma importante conquista. O fato, por si só, traz uma maior organização, o que é importantíssimo para o crescimento ordenado do setor. Aqueles que planejam fazem toda a diferença”, disse Roscoe, cumprimentando em vídeo o reconhecimento do APL, que, segundo ele, é um exemplo para outras regiões do Estado.
Conhecendo o negócio
O setor precisa, antes de tudo, acompanhar as tendências da moda e conhecer os dados do mercado. Foi com essa premissa que o projeto do APL em Juiz de Fora começou a ser traçado pelo Sindivest-JF. Segundo sua presidente, é preciso fortalecer a cadeia do vestuário, atraindo indústrias e empreendimentos para a zona do APL. “Será o Farol da Mata Vestuário e Afins que vai comportar também diversos CNAEs secundários em relação ao CNAE 14, que é o do vestuário”, diz.
O primeiro passo foi garantir mão de obra, problema detectado pela Secretaria de Desenvolvimento de Juiz de Fora, mas que qualquer confeccionista sente na prática. “Uma reclamação que nós temos aqui é que, em Juiz de Fora, falta mão de obra. Não tem tecelão; não tem técnico de máquina; não tem costureira. Aqueles que se qualificam são disputados a dedo. Então, o Senai também resolveu investir nessa qualificação”, informa Mariângela Marcon.
Com base na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) 14 (Vestuário), Juiz de Fora possui 5,46% de participação como polo de confecção de roupas em Minas Gerais e apresenta significantes índices de matrículas em cursos de graduação e pós-graduação da área, sendo eles moda, design, estilismo, desenho industrial, produção têxtil, negócios da moda, produção de vestuário, modelagem, entre outros, conforme dados do Censo da Educação Superior (2019).
Ao criar esse conjunto de fatores econômicos, políticos e sociais em busca do desenvolvimento de atividades econômicas correlacionadas, além de apresentar elos na produção, interação, cooperação e aprendizagem da área do Vestuário, o setor ganha um reforço no associativismo e impulsiona o crescimento econômico na região.
Segundo Mariângela Marcon, o nome do APL, Farol da Mata, tem um sentido concreto em tempos de pandemia e crise econômica. “Precisamos buscar uma luz para iluminar os caminhos. Num momento difícil, um farol no mar traz uma esperança de salvação”, diz. Mas ela sabe que, mesmo com o farol, o caminho é árduo. Vai ser necessário, indica a dirigente, modificar produtos, diversificar as maneiras de comercializar e internacionalizar o processo, inclusive para competir com os importados.
Organização pode ajudar empresas a alcançar objetivos comuns
Os Arranjos Produtivos Locais (APLs) são aglomerações de empresas e empreendimentos, localizados em um mesmo território, que apresentam especialização produtiva e se organizam de forma coletiva sob determinado tipo de governança. Dessa forma, mantêm vínculos de articulação, interação, cooperação e aprendizagem entre si e com outros atores locais, o que possibilita ferramentas extras de fomento ao setor. “Quando a gente está junto, a gente é mais forte. Assim, crescemos”, pontua a presidente do Sindivest-JF, Mariângela Miranda Marcon.
Segundo o superintendente de Desenvolvimento de Potencialidades Regionais da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sede), Frederico Amaral, apoiar os Arranjos Produtivos Locais é valorizar o associativismo, a união de grupos de empresários de determinado setor para promover representatividade. “Essa representatividade gera desenvolvimento econômico local pelas possibilidades de realização de compras em grupo e pleitos a entidades de apoio e fomento e ao poder público”, exemplifica.
De acordo com o superintendente, o reconhecimento do APL de Vestuário de Juiz de Fora, por meio do governo de Minas, tem valor federal, não apenas estadual. E é um marco de uma nova realidade estruturada na discussão conjunta e união do empresariado do setor para alcançar objetivos comuns. “Juiz de Fora demanda por crescimento econômico e seus empresários, especificamente os do setor do vestuário, agora reconhecidos pelo Estado como um APL, podem estruturar, através de sua união, os caminhos para esse desenvolvimento”, indica Amaral.
Desde o início da atual gestão, a prefeita de Juiz de Fora, Margarida Salomão, já reconhecia a importância econômica e social do setor têxtil confeccionista para o município e solicitou à Secretaria de Desenvolvimento Sustentável e Inclusivo, da Inovação e Competitividade (Sedic) que, dentro do seu Plano de Desenvolvimento Sustentável e Inclusivo (PDSI), elegesse este setor como um eixo estratégico para definição de políticas públicas e incentivos municipais.
A secretaria acenou com instrumentos como cessão de terrenos para a instalação de novos empreendimentos, com fixação de contrapartidas; realização de feiras e campanhas de divulgação dos produtos existentes na cidade; prospecção de linhas de financiamento, formação e qualificação de mão de obra.
“Esse setor resistiu à desindustrialização e um dos nossos grandes desafios hoje é lutar pela reindustrialização, agora, 4.0. É essa a visão que estamos abraçando para o futuro próximo. Cabe à Prefeitura transformar o APL em uma política de estado, que não acabe com o fim do governo”, destacou a prefeita Margarida Salomão na cerimônia de reconhecimento do APL.
Produção e consumo ainda são desafios
Em Juiz de Fora, o setor de vestuário é composto por todos os elos da cadeia produtiva, possuindo empresas dos setores de fiação, tecelagem, malharia, meias, confecção e beneficiamento. Desde 2008, em diagnóstico do Instituto Euvaldo Lodi, a cidade se destaca fortemente na produção de meias, abrigando quase 90% das empresas fabricantes do Estado.
Segundo dados do Dataviva, em 2015, o Brasil possuía ao todo 173 estabelecimentos que se declararam fabricantes de meia e 54 destes estabelecimentos estavam em Juiz de Fora, o que equivale a 31% das indústrias de meias do País.
A criação do APL é um sopro de ar puro para um setor que tem história. No parque industrial de vestuário em Juiz de Fora existem indústrias têxteis com mais de cem anos e malharias com mais de 60. Além da concorrência com o produto importado e o de APLs organizados, como os do Paraná, o setor perdeu muito com a pandemia: demitiu funcionários, vendeu e produziu menos com a falta da matéria-prima e o consequente aumento de preço dos insumos.
Entre 2019 e 2021, a indústria do vestuário perdeu 35% do faturamento e 15% no volume produzido em Juiz de Fora. A expectativa do setor é de crescer 30% em 2022, num contexto em que o câmbio, com o dólar em alta, favoreça o aumento do consumo de produtos nacionais. Espera-se também a retomada gradativa da produção e consumo a partir do controle da pandemia e redução das medidas restritivas.
O primeiro mês do ano, no entanto, registra queda e ainda não há um cenário claro que indique o comportamento da demanda. As variações de aumento dos custos de matéria-prima e insumos em geral dos produtos principais oscilaram entre 20% a 110% com fortes impactos no setor, sem contar a elevação dos custos com energia elétrica.
Nos últimos meses, com o aumento dos índices de contágio da nova variante da Covid e ainda da influenza, algumas empresas foram altamente impactadas, tendo que suspender temporariamente a operação, ao atingir percentuais de afastamento que chegaram a 10% de sua força de trabalho. “O setor é composto de gestores muito resilientes, com experiência em diversas crises, porém, essa crise causada pela pandemia foi a mais forte e duradoura de todos os tempos”, finaliza a presidente do Sindivest-JF, Mariângela Marcon.
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