Industria Textil e do Vestuário - Textile Industry - Ano XVI

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LANVIN, VOGUE UK E VESTOJ: Os fatos que sacudiram a moda na última semana

Bouchra Jarrar, ao final do desfile de Verão 2017 da Lanvin / Agência Fotosite

BOUCHRA JARRAR, AO FINAL DO DESFILE DE VERÃO 2017 DA LANVIN / AGÊNCIA FOTOSITE

Dois acontecimentos sacudiram a moda nesta última semana: as demissões da estilista Bouchra Jarrar, que deixa a Lanvin após apenas 15 meses, e da diretora de moda da Vogue britânica Lucinda Chambers, que deu uma entrevista bomba à publicação independente Vestoj.

Os dois casos trazem à tona o modus operandi da moda atual. Nós já vimos e ouvimos isso antes, mas por alguma razão, são questões que a indústria tem uma certa dificuldade em encontrar uma solução.

APÓS APENAS 16 MESES LANVIN DEMITE ESTILISTA

O caso da Lanvin parece até patológico. Bouchra entrou na Lanvin em março de 2016 para substituir Alber Elbaz, responsável pela retomada da marca. Ele foi mandado embora por conta de problemas com a CEO Michele Huiban e com a dona da grife, a magnata Shaw-Lan Wang – que por sua vez supervisiona o negócio de Taiwan e comprou a marca para impressionar uma amiga. Em novembro de 2015, as duas enviaram uma carta a todos os empregados da Lanvin dizendo que Elbaz estava sendo mandado embora por conta da qualidade de seus designs. WHAT???

Huiban demitiu Jarrar porque ela não conseguiu – em três coleções – transformar a Lanvin na marca mais incrível, rica e desejada do universo. Então, tchau, next please!

Calma, que a história fica ainda mais absurda. Há anos a dona doida da Lanvin se nega a investir na empresa, mas também não deixa que seu sócio Ralph Bartel, dono de 25%, coloque dinheiro porque, se ele o fizer, irá diluir o tamanho dela dentro da empresa. Um empregado disse à Reuters sob anonimato. “Já que a senhora Wang se recusa a vender e também não deixa o capital do sócio entrar, não há nada que podemos fazer. É muito triste pra marca e pro staff”. E a culpa é do estilista? O próprio Elbaz já tinha apontando o comando fraco e a falta de estratégia de marketing e de investimento. E aí não adianta colocar nem Jesus Cristo. A questão é mais embaixo e nenhum estilista vai resolver. Na Lanvin, o problema de fato parece ser que há duas mulheres completamente loucas e inoperantes no comando.

No WWD, um texto diz que o staff da marca já estava aguardando cortes por conta de uma queda nas vendas em 2016 e a inabilidade de Jarrar de fazer a marca crescer. Segundo a Reuters, a Lanvin estava esperando um prejuízo líquido de mais de 10 milhões de euros para 2016 contra o lucro de 6.3 milhões em 2015.

Como um estilista vai mudar uma casa em menos de dois anos? Tome a Saint Laurent como exemplo. Colocou na direção criativa um radical da moda que se impôs até o último fio de cabelo, transformou coisas que nunca ninguém ousou mexer. Entrou sem medo, com o pé na porta, incomodou, causou, mas ao longo de quatro anos, o que aconteceu? A mudança veio e deu certo. Criação, marketing e comercial estavam trabalhando juntos. Houve um grande investimento por parte da empresa. E essa parceria bem pensada e executada por todas as áreas refletiram no aumento das vendas. Agora imagina a SL buscar esse nível de mudança, só que em vez do Slimane, eles chamam Jason Wu.

Mais ou menos isso parece ter acontecido na Lanvin. Jarrar tem mil qualificações, mas (pra mim) é mudar pra continuar o mesmo. Cada profissional tem um processo, uma visão, um tempo. Ela entrou em março de 2016 e foi isolada com uma bucha na mão pra resolver… sozinha. “Eu queria me dedicar completamente à Lanvin, ao relançamento da maison e da marca, então, fechei a minha própria grife. Mas preciso do apoio da empresa toda; sozinha é impossível. Tudo leva tempo para acontecer e depende do que se passa internamente na maison… Eu quero trazer minha expertise, criatividade, know-how técnico e pragmatismo, mas para isso é preciso trocar ideias com quem está na Lanvin há algum tempo”.

Tempo. Uma palavra pequena, mas com significado tão poderoso. O problema é que, na moda, vemos o oposto. O tempo é sempre o tempo mínimo. O não tempo. A falta de.

Lucinda Chambers / Reprodução
LUCINDA CHAMBERS / REPRODUÇÃO

A ENTREVISTA BOMBA DE LUCINDA CHAMBERS

Outra questão é a forma como uma parte do universo da moda parece uma passagem para um mundo encantado. Uma noite de Cinderela – você não vai entrar na festa se chegar numa carruagem de abóbora. Esse é um dos pontos que a diretora de moda Lucinda Chambers aborda em sua entrevista para a Vestoj (mais sobre eles lá embaixo). Ela ficou 25 anos na Vogue britânica e foi demitida recentemente por Edward Enninful, novo editor da publicação (novo momento para os homens? Giovanni Bianco foi nomeado diretor criativo da Vogue Italia e também está criando uma nova história pra revista).

Lucinda se dedicou por mais de duas décadas à revista e disse que Enninful não levou nem três minutos para demiti-la. Demissões são assim, na maior parte das vezes. Eu já vi casos bem piores com profissionais igualmente dedicados a longos anos de casa. Não acho que a Vogue fez diferente. Obviamente poderia ser melhor, mas o universo corporativo não é conhecido por sua delicadeza. Quando entra um diretor criativo, é normal que ele traga, para começar uma nova história, a equipe que entende sua linguagem e que com a qual tenha intimidade e sinergia. No caso, a stylist e fotógrafa Venetia Scott, ex-mulher de Juergen Teller, assume a direção de moda da revista no lugar de Lucinda.

Chambers apontou o dedo para questões que precisam ser abordadas e que muito raramente são faladas por alguém de dentro. O medo motiva o silêncio, portanto, o valor da entrevista é a coragem. Uma de suas principais críticas ao sistema é que ele hoje funciona na base do terror e de deixar as pessoas ansiosas. “Você não pode errar, especialmente nessa época de rede social, em que tudo é sobre ter uma vida maravilhosa e bem sucedida. Ninguém pode falhar, o que causa ansiedade e medo. E por que não? Afinal de contas, o erro pode nos fazer evoluir”.

Ela também fala sobre como você pode ir longe na carreira apenas usando looks incríveis. “se você se mostra confiante, a indústria acredita em você. Se você parece vulnerável, ela não te vê como uma vencedora. Acredite em mim: na moda, você pode ir longe apenas por vestir roupas maravilhosas”.

A beleza e a perfeição são exaustivas. É aquela coisa: pague para entrar e reze para sair porque uma vez que você está dentro… Será que é pra esse lugar que as pessoas ainda querem ir? O perfeito? Só que a gente sabe que isso não existe. Existem momentos perfeitos, mas não uma vida inteira. E é isso que sustenta essa parte da indústria que segrega. O belo é algo muito sedutor e não há nada de errado com isso. Quem não gosta do que é bonito? Mas ele perde o sentido quando você tem que criar personagens porque ser você mesma não é suficiente. E está cheeeeeio disso por aí, vemos todos os dias. Como disse Robin Schulié, buyer da multimarcas francesa Maria Luisa: “a indústria da moda é uma linda mentira”. Enquanto houver demanda, haverá oferta.

Duas capas da Vestoj
DUAS CAPAS DA VESTOJ

A boa notícia dessa história é que muito mais gente agora passou a conhecer a Vestoj, uma revista independente que é uma plataforma para o pensamento crítico de moda. “Somos um forum em que academia, museus e a indústria da moda podem trabalhar juntos. Encorajamos a voz independente e crítica dentro da moda e a total liberdade criativa”, diz em seu site. O conselho editorial tem nomes como Valerie Steele, Tim Blanks, Hamish Bowles e Francis Corner, diretor do London College of Fashion, que patrocina a publicação desde 2014.

A revista foi fundada pela sueca Anja Aronowsky Cronemberg, que trabalhava antes na Acne Paper e saiu em 2009 para tocar seu próprio projeto. Junto com um time de colaboradores, ela aborda assuntos pertinentes e que merecem nossa reflexão. Um ótimo exemplo de como ótimas iniciativas independentes que, feitas com seriedade e compromisso, podem ajudar a enxergarmos novos caminhos para a moda.

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