Quem entende alguma coisa sobre moda reclama da falta de originalidade e da cultura da cópia nessa competitiva indústria. O fato de que o design de moda não é protegido por patentes ou direitos autorais como o que ocorre na indústria cinematográfica, por exemplo, é gerador de grande controvérsia. Por um lado designers e marcas lançadoras de moda veem-se confrontados pelas marcas de fast fashion, que conseguem reproduzir e distribuir modelos similares aos apresentados nas semanas de moda antes mesmo que os designers consigam abastecer suas próprias lojas. Por outro lado, alguns estudiosos defendem que a ausência de uma política de propriedade intelectual na moda serve como motivador à inovação.
Segundo Johanna Blakley, da University of South California, designers de moda podem usar uma amostragem de designs de outros designers ou de outras épocas e copiar os modelos, sem incorrer em ilegalidade. Em alguns países é até possível patentear um design de moda, mas o tempo e o custo envolvidos nesse processo, além das dificuldades em policiar os copiadores, acabam tornando a iniciativa sem efeito. A utilização da logomarca da empresa como parte do design, como nos tênis Nike, é uma estratégia utilizada por empresas para desencorajar a cópia. A logomarca é protegida por lei, e se outros fabricantes copiam a logo de uma empresa encontram-se sujeitos a processo.
A lei americana considera roupa como artigo utilitário, portanto sem proteção de direito autoral. Segundo a escritora Elizabeth Cline, a marca americana Forever 21 já foi processada mais de cinquenta vezes por copiar modelos de designers, mas não foi condenada nenhuma vez, pois não estava copiando logomarcas. O único processo que foi a julgamento ocorreu em 2008, mas a empresa ofereceu um acordo antes que pudesse ser julgado. Os demais processos foram acertados via acordo entre advogados sem precisar ir a julgamento. Na Europa, especialmente na França, onde moda é vista como arte, as leis são mais severas. Assim as cópias feitas por empresas europeias tendem a não ser idênticas, mas variações próximas do design original. Enquanto a Zara, empresa de origem espanhola, possui um time de 250 designers a Forever 21 até o ano de 2007 nem possuía uma equipe de design, apenas agentes compradores que negociavam o desenvolvimento de produtos (leia-se cópias) com fornecedores terceirizados. Embora hoje em dia a Forever 21 também conte com uma equipe de design, os modelos originais muitas vezes deixam de ser produzidos para priorizar as cópias.
No livro “The Knockoff Economy: How Imitation Sparks Innovation” (A economia da cópia: Como a imitação motiva inovação – ainda sem tradução para português) os advogados Kal Raustiala e Christopher Sprigman afirmam que a cultura da cópia é que motiva o ciclo da moda, pois uma vez que um modelo é copiado o designer é “forçado” a produzir algo novo para diferenciar-se. Segundo a mesma fonte as cópias são responsáveis pela geração de tendências, às quais eles descrevem como “uma série de coisas que se parecem”.
Os autores ainda vão além e defendem que produtos são aprimorados no processo de cópia, e citam como exemplo a evolução do mouse de computador MAC, originalmente copiado do parque de pesquisas da Xerox no vale do Silício nos anos 70. Essa afirmativa pode ser verdadeira para produtos cujo ciclo de vida favorece uma evolução do design, mas é questionável quanto a sua aplicação para a moda. A cópia de modelos atuais, em moda, raramente possui o objetivo de aprimorar um produto, mas sim de torna-lo disponível a uma nova clientela que não possuía acesso ao design original ou simplesmente gerar concorrência.
A verdade é que a pratica é indiscriminada, e ocorre em diversos níveis da indústria. Marcas que não possuem a expectativa de ser lançadoras de estilo, mas sim seguidoras de tendência (H&M, Forever 21, JCPenney, Kohl’s, e etc) são notórias por enviar suas equipes de desenvolvimento em viagens de compras para garimpar no mercado modelos a serem copiados. A prática não é exclusiva das confecções brasileiras, e a razão para isso é simples: sai muito mais em conta adquirir e reproduzir um modelo já aceito pelo mercado do que dispender investimentos no desenvolvimento de produto sem saber antecipar a recepção do público final. É a lei do menor esforço; sem contar que é sempre uma boa desculpa para viajar.
Mas o que dizer de designers como Betsy Johnson, Ralph Lauren, Miucha Prada e, mais recentemente, Ulyana Sergeenko que admitem paixão por revirar brechós e mercados de pulgas em busca de inspiração? Sara Bereket, que possui uma banca no mercado de pulgas do Brooklin comercializando peças vintage, diz que é comum o fato de clientes comprarem com ela para reproduzirem os modelos de outras décadas inserindo-os em coleções atuais (Cline, 2012: 112).
Por que a cópia de designs de outras épocas não possui o mesmo estigma ruim do que a cópia de modelos atuais? A diferença não reside em “quem” copia, mas em “como” a cópia é realizada dentro de um contexto maior. Nesse caso nem a descrevemos como cópia predatória da concorrência, mas como uma das manifestações da pesquisa de moda. Para Johanna Blakley, o fato de Miucha Prada encontrar a perfeita jaqueta vintage Balenciaga que não precisa ser modificada em nada para ser relançada em uma coleção atual é um toque de gênio. A história da moda fornece um acervo enorme de referências, mas é a sensibilidade do designer que distingue o que pode ser relançado e encaixar-se na estética atual do que arrisca ser recebido como ridículo. Saber o que copiar, e quando copiar, sem perder a coerência estética do estilo de sua própria marca é um desafio para todo designer.
Nem sempre a cópia é igual ao original. Designers costumam adaptar o modelo para as preferências do mercado atual quanto à escolha de tecidos, cartela de cores e mesmo proporções do modelo. Assim, pode até ser que as camisas “volta ao mundo” volte à moda, mas esperamos que com tecidos mais apropriados ao clima. Se isso ocorresse, serviria de exemplo ao que Raustiala e Sprigman descrevem como melhoria de um design, ainda que várias décadas depois.
Em última análise, a cópia de modelos atuais faz parte do ciclo da moda, motivando suas mudanças e sedimentando tendências. É preciso diferenciá-la da pesquisa de referência. Copiar o último desfile de Raf Simons não significa fazer uma homenagem ao designer, mas relançar um vintage Madame Grés pode ser uma acertada aposta.
Referências:
http://www.ted.com/talks/johanna_blakley_lessons_from_fashion_s_fre...
http://tedxtalks.ted.com/video/Imitation-Spurs-Innovation-Kal
Kal Raustiala e Christopher Sprigman: The Knockoff Economy: How Imitation Sparks Innovation
Elizabeth L. Cline: Overdressed: the shockingly high cost of cheap fashion
Doris Treptow é autora do livro Inventando Moda: Planejamento de Coleção, adotado como referência no ensino de moda, e atualmente na quinta edição. Doris é formada em Estilismo Industrial (SENAI/CETIQT), Bacharel em Administração de Empresas (FEBE), especialista em Moda: Criação e Produção (UDESC) e mestre em Design de Moda (SCAD). Sua carreira profissional inclui passagem por grandes empresas (Buettner e Havan) e vasto leque de clientes de pequena e média confecção através do escritório de estilo Dossiê da Moda, que coordenou até 2003. Doris lecionou em instituições como ASSEVIM, FURB, SENAI e SENAC. Doris reside nos EUA e é professora no Savannah College of Art and Design (SCAD).
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